12 Junho 2025
O artigo é de Juan Carlos Cruz Chellew, sobrevivente chileno de abuso e membro da Comissão para a Tutela de Menores, publicado por Religión Digital, 10-06-2025.
Na semana passada, o Papa Leão recebeu em audiência a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores e Pessoas Vulneráveis. Embora o conteúdo da reunião tenha sido confidencial, pudemos dialogar de forma franca e direta com o Santo Padre, e ele conosco. Ele nos ouvia atento. Seu profundo compromisso com as vítimas de abuso sexual e sua determinação em erradicar essa praga da Igreja foram evidentes.
Basta ver que, sem ter completado ainda um mês como Sucessor de Pedro, uma de suas primeiras audiências foi precisamente com a nossa Comissão. Este gesto não só simboliza sua prioridade, mas marca com clareza o rumo de seu Pontificado nesta matéria.
Este compromisso não é novo. Como sacerdote, bispo e depois cardeal, o então Robert Prevost, foi uma das vozes mais firmes em defesa das vítimas, mesmo quando muitos preferiam guardar silêncio ou olhar para o outro lado. Foi peça chave no apoio ao Papa Francisco para intervir e fechar a congregação corrupta e abusiva do Sodalício de Vida Cristã no Peru. E durante anos, ofereceu ajuda concreta e compassiva a muitas vítimas que o procuraram em busca de justiça, consolo e uma resposta que raramente encontravam em outros âmbitos da Igreja.
Após algumas semanas da partida do querido Papa Francisco, tenho refletido profundamente sobre seu legado. Não posso deixar de sentir-me grato pelo privilégio imenso de ter contado com sua proximidade e amizade. O recordarei sempre como um homem grande, e ao mesmo tempo tão humilde, profundamente fiel à mensagem de Jesus no Evangelho. Frequentemente me perguntava: como alguém pode ser tão incrivelmente humano e, ao mesmo tempo, estar atento a tudo e a todos? Não tenho a resposta, mas ele sim a tinha. Seu amor infinito pelo Senhor e pela dignidade de cada pessoa.
Ouvi muitas pessoas — algumas que o conheceram de perto, outras que o viram apenas uma vez — coincidirem em algo fundamental: o tempo que lhes dedicou foi realmente deles. O que lhe contavam importava. E eles sabiam disso. Eu também nunca terminarei de agradecer essa proximidade. Espero com a alma o dia em que possa vê-lo novamente.
Por tudo isso, e por muito mais, importava-me profundamente quem viria depois. Seguia as notícias das reuniões prévias ao conclave e pedia ao Senhor que, embora não fosse outro Papa Francisco, nos desse um sucessor que continuasse o que ele havia iniciado. E chegou o momento esperado: a fumaça branca, o comovente Habemus Papam.
O eleito foi o cardeal Robert Prevost, agora Papa Leão XIV. Foi emocionante ver o mundo reagir com esperança. Muitos, católicos e não católicos igualmente, comentavam: "Parece um homem bom. Este papado me dá esperança".
Tive a oportunidade de conhecer o cardeal Prevost há alguns anos quando ele teve um papel crucial em enfrentar a corrupção da arquidiocese de Piura, Peru, e em colaborar com a valente decisão do Papa Francisco de intervir e, finalmente, dissolver o Sodalício de Vida Cristã. Uma organização marcada pelo abuso, encobrimento e desvio absoluto do Evangelho.
Vi de perto o sofrimento de tantas vítimas porque me contataram há mais de dez anos. Fui testemunha de vidas arrasadas pela perseguição judicial de advogados sem escrúpulos e empresários poderosos, decididos a silenciar jornalistas e vítimas igualmente. Tudo isso, sob a sombra de membros do Sodalício.
É preciso ter vivido o inferno do abuso para entender o que significa enfrentá-lo. Por isso, quando vi o cardeal Prevost ficar ao lado das vítimas, junto ao Papa Francisco, soube que não era um homem qualquer. Ele enfrentou o poder, a intimidação, os interesses instalados durante décadas. Foram as próprias vítimas que me contaram como apenas três ou quatro bispos as haviam escutado e agido, e dom Robert Prevost foi um dos principais.
Tenho experiência direta com o silêncio cúmplice de cardeais e bispos. Vivi isso na própria pele, e minha história já é conhecida. Por isso, não dou meu apoio de ânimo leve. Desconfio por natureza e não tenho receio de levantar a voz contra quem quer que seja, se isso ajudar a proteger outras pessoas. Mas também a levanto, com a mesma convicção, quando sei que alguém agiu com retidão.
Uma das frases que sempre ressoa em mim é esta: "O único requisito para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada." Em tempos marcados pelo ódio, pela guerra, pela violência... e também pelos abusos, é imprescindível que existam homens e mulheres dispostos a confrontar o mal, venha de onde vier, e a defender a verdade, custe o que custar.
Por isso, me dói profundamente ver como alguns, às vezes sem sequer compreender o que dizem, tentam manchar a integridade de alguém que teve a coragem de enfrentar o mal, mesmo correndo o risco de se ferir no processo.
Os que tentam denegrir injustamente Leão XIV por sua atuação diante dos abusos. Fazem-no a partir do preconceito, da desinformação ou de interesses ocultos. Mas os fatos concretos, a história e as vítimas que ele acompanhou e defende contam outra realidade.
Ainda há muito a ser feito. Ainda hoje, há vítimas que caminham pelo mundo profundamente feridas, sem justiça, sem sequer terem sido acreditadas, com sua dignidade feita em pedaços. Ninguém deveria viver assim.
Uma das coisas que mais me comoveu ao ouvir o Papa Leão foi quando nos disse que muitos, infelizmente, entendem o abuso como uma ferida física: um corte que cicatriza com o tempo e permite seguir em frente. Concordo com ele: não é assim. O abuso deixa cicatrizes invisíveis, profundas, que atravessam a alma e a história de vida daqueles que o sofrem.
Perdão por recorrer ao pessoal, mas compartilhei com ele algo muito íntimo: sou um apaixonado pela Santíssima Virgem. Não seria nada sem ela. Ela me tomou pela mão e me sustentou mesmo nos momentos mais sombrios, durante o abuso mais brutal. Desde que me mudei para Madri no ano passado, quis viajar a Lourdes, para agradecer-lhe, por tanto. Seria mais fácil ir a Fátima, por proximidade. Mas não posso. Não posso ir a Fátima. Anos atrás, o sacerdote que me abusou me convidou para lá. Era um sonho meu e eu estava feliz. Mas também lá, naquele lugar sagrado, ele voltou a me abusar. Desde aquele dia — e com o perdão da Virgem — não consigo olhar para aquela imagem em Fátima sem lembrar daquele horror.
Assim são as histórias de milhares de vítimas, muitas ainda mais dilacerantes que a minha. Por isso, temos que fazer muito mais. O Dicastério para a Doutrina da Fé deve agir com mais transparência e colocar as vítimas no centro. Todas as vítimas. O mesmo para os bispos do mundo: devem replicar a coragem e a determinação do Papa Francisco e, agora, do Papa Leão.
Palavras como crer, justiça, reparação e o compromisso institucional do nunca mais não podem ser slogans. Devem ser linguagem cotidiana, ações concretas e realidades verificáveis.
Por isso, assim como muitos, ao ver o Papa Leão aparecer na sacada no dia de sua eleição, pensei: tenho esperança neste Pontificado.