11 Mai 2024
“Fico chocado ao ver como apontam e acusam o Papa Francisco de casos que, graças a Ele, foram solucionados. Além disso, acusam a cardeais que conheço de terem sido rigorosos e sérios ao lidar com os abusos sexuais cometidos por membros do seu clero”. A reflexão é de Juan Carlos Cruz, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis, em artigo publicado por Religión Digital, 10-05-2024. A tradução é do Cepat.
Fiquei surpreso ao ler uma carta assinada por 17 pessoas que pedem a renúncia do Papa Francisco. Dizem que vem da academia. Eu não sou teólogo nem acadêmico de nada, sou um católico comum, que não pretende ser um farol moral para ninguém.
Fui abusado sexualmente pelo infame padre Fernando Karadima no Chile, crime encoberto por vários cardeais e bispos. Depois de persistir e persistir com um enorme custo pessoal, conseguimos chegar ao Vaticano, ao Papa, e contar-lhe a verdade que durante anos aqueles que se autodenominavam seus amigos, o cardeal Francisco Javier Errázuriz e outros lhe ocultavam, enganando-o. O Papa Francisco mergulhou de cabeça na questão dos abusos, já tinha formado uma comissão que reforçou, convocou uma reunião em Roma e a partir daí a questão ficou estabelecida para sempre.
Que resta muito por fazer e se cometem erros graves? Sem dúvida.
Que alguns de nós tivemos o privilégio de ser ouvidos nos mais altos níveis? Claro.
Que é um crime que milhares de vítimas continuam literalmente a implorar por justiça aos seus bispos em dioceses de todo o mundo?
É verdade. E a raiva que isso dá não tem nome.
Mas gostaria de falar do Papa Francisco que conheço não apenas por conta de uma audiência, mas com o enorme privilégio de estar perto dele e de ter visto coisas que estes acadêmicos iluminados nem sequer se esforçaram para ver ou reconhecer.
Fico chocado ao ver como apontam e acusam o Papa Francisco de casos que, graças a Ele, foram solucionados. Além disso, acusam a cardeais que conheço de terem sido rigorosos e sérios ao lidar com os abusos sexuais cometidos por membros do seu clero.
Por exemplo, o caso do cardeal McCarrick, um verdadeiro monstro. Foi o Papa Francisco quem ordenou a investigação que nos chocou a todos e não apenas o alijou do seu cardinalato, mas também o demitiu do estado clerical. Mas não, os “iluminados” não podem reconhecer isso e isentam papas anteriores, aqueles que acenderam velas e que olharam para o outro lado quando souberam das atrocidades do McCarrick.
Sua estreiteza de mentalidade não lhes permite ver que pessoas como, por exemplo, o cardeal Cupich, um alvo favorito destes “iluminados tradicionalistas”, é um arcebispo que fez da Arquidiocese de Chicago um lugar onde se denuncia, repara e toma todos os tipos de cuidado para que o flagelo dos abusos desapareça. O cardeal McElroy, atacado pelas suas ideias de inclusão de todos, é alvo dos “virtuosos” por isso mesmo. Pois, segundo eles, o pensamento é um só, o caminho é um só e se você não seguir por esse caminho, o Senhor o rejeita. Isso é uma mentira.
Falemos do bispo chileno Juan Barros Madrid, que eu mesmo denunciei. Assim que o Papa percebeu o que tinha feito e depois de uma investigação minuciosa e de muita dor para muitos, demitiu-o. Em 2018, fez história ao fazer com que a Conferência Episcopal Chilena renunciasse em massa e demitisse cerca de 9 bispos. (Falta demitir mais, mas estamos a caminho).
Ele destituiu os cardeais chilenos Francisco Javier Errázuriz e Ricardo Ezzati após o escândalo chileno. Também o cardeal peruano Cipriani (de quem os “virtuosos” não falam porque é tradicionalista como eles). Mas é outro que o Papa destituiu um dia após completar 75 anos devido ao escândalo destes “visionários e iluminados”.
Nos últimos dias, e pela primeira vez, vemos como o Vaticano e o arcebispo de Toledo ordenaram o silenciamento do padre Francisco Javier Delgado e dos seus colegas do ultra tradicional podcast La Sacristia de la Vendee – onde só eles se salvam –, e não foi por dizer que “gostariam que o Papa Francisco fosse para o céu”, o que já é ruim. Mas por criticar uma corajosa vítima do Sodalício, Juan Enrique Escardó. Ele é o primeiro a denunciar o Sodalício. Um homem abusado e assediado pela organização que denunciou há mais de 24 anos. O padre Delgado permite-se insultá-lo e desacreditá-lo. O clericalismo – câncer da Igreja – na sua máxima expressão. O Dicastério da Doutrina da Fé ordenou que estes outros “mais santos que você e eu” ficassem calados; espero que para sempre e deixem as pessoas em paz.
Há muitos assim, e outros que ainda não pagam pelos seus abusos, pelos seus encobrimentos e as atrocidades que dizem para encobrir. Há muito a fazer, especialmente a favor das vítimas destes crimes. Eu sei – e vejo o Santo Padre – quando se encontra com as vítimas, chora com elas, quando até ajuda com telefonemas, cartas e reuniões que não são feitas como um exercício de relações públicas como no passado onde as vítimas choravam e depois a Igreja parecia “tão compassiva” e fazia um comunicado à imprensa com fotos. Insisto, há um longo caminho a percorrer, mas não por falta de interesse do Papa Francisco. Há muitos que precisam remar na mesma direção e não o fazem. Nenhuma vítima de abuso deveria implorar por justiça, especialmente na Igreja.
Para estes, que apenas defendem a instituição e se definem pelas suas batinas caras e se consideram possuidores da verdade absoluta, as vítimas só servem para promover os seus ideais distorcidos e quando lhes convém. Porque, quando se trata de culpar ou atacar bispos e padres que estão “do seu lado”, correm como o vento e culpam o diabo, a vítima que tanto esperou para falar, os maçons e os meios de comunicação que perseguem a estes “pobrezinhos” padres ou bispos.
Também nunca deixa de me surpreender algo que estes “virtuosos e iluminados” mencionam: que o Papa Francisco apoia a todos, desde os pobres aos imigrantes, à comunidade LGBTQ, aos divorciados e a tantos que se sentem marginalizados por aqueles que acreditam que são “mais santos do que você e eu”. Fiquei impressionado – tendo o privilégio de estar próximo do Papa Francisco – pela quantidade de amigos e pessoas que não conheço que me escrevem dizendo que se aproximaram da Igreja porque se sentiram convidados pelo Papa Francisco.
Reconheço que somos uma sociedade extremamente polarizada, mas a Igreja e os homens e mulheres que a compõem, sejam leigos, consagrados ou clérigos, poderiam tomar um bom banho com a doutrina do Papa Francisco. Como João XXIII abriu as portas e janelas da Igreja para que o ar pudesse entrar, e todos nós, não importa quem seja.
Ao final, o Senhor nos diz que seremos julgados pelo tanto que amamos e não pelas batinas que usamos, pelas vezes que nos ajoelhamos para receber a comunhão, pelo quanto batemos no peito ou ouvimos a missa em latim, pelas vezes que fazemos um podcast criticando os outros porque a nossa verdade é a única, usamos os sacramentos como armas para punir, e assim por diante.
O Papa Francisco convida-nos a sermos melhores, a nos amar, a amar os outros, a ajudar os mais fracos e pobres, os que sofrem, os que são diferentes de nós. Buscar a misericórdia e a justiça. Soa bem. Não como dizem essas pessoas “mais santas do que você e eu” que se sentem como virtuosos cruzados da religião. Isso já passou. Há muita coisa para consertar, mas hoje é imprescindível amar. E amar muito. Vamos fazê-lo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O equívoco de 17 “proeminentes católicos” que pedem a renúncia do Papa Francisco. Artigo de Juan Carlos Cruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU