01 Outubro 2024
A reportagem é de Pedro Salinas, publicada por Religión Digital, 29-09-2024.
Diante da investida empreendida por parte de agentes do Sodalício, ou vinculados a essa sociedade de vida apostólica de direito pontifício, para desacreditar as investigações realizadas pela chamada Missão Scicluna-Bertomeu, e, de quebra, seus representantes pessoais, espero que o chefe dos católicos considere o seguinte, para que a verdade continue a vir à tona e nada a detenha.
Não é exagero dizer que os mais estridentes, até este momento, foram dois personagens ligados ao ultraconservadorismo e à extrema-direita. Refiro-me aos peruanos Giuliana Caccia e Sebastián Blanco, que, através de um vídeo artificioso, pretendem sugerir que, nesta longa história de abusos em uma instituição de fachada católica, mas de características sectárias, estamos diante de um problema de falta de comunicação entre duas partes. Ou que o Santo Padre estaria sendo desinformado sobre uma "obra de Deus". Ou algo assim. Nada disso é verdade. O que existe é a fabricação de uma polêmica ilusória e enganosa com o propósito de desqualificar, difamar e ofuscar o trabalho realizado pelos investigadores do Vaticano, motivada pela organização que está sendo investigada.
Estas são algumas das minhas impressões como jornalista, testemunha, denunciante e sobrevivente do Sodalício, e outras foram corroboradas junto à minha colega Paola Ugaz, coautora da investigação Metade monges, metade soldados (Planeta, 2015):
A Missão Especial foi incumbida de comprovar, de uma vez por todas, a verdade sobre o Sodalício, a partir das informações recolhidas (depoimentos de vítimas, investigações jornalísticas, comissões investigadoras parlamentares, pastas fiscais, publicações e documentos fornecidos).
Quando a Missão iniciou seu trabalho no Peru, fui categoricamente informado de que seria a primeira testemunha entrevistada pelos enviados papais.
Quando solicitei incluir mais testemunhas para a Missão (que esteve em Lima entre 25 e 29 de julho de 2023), fui informado de que o cronograma de entrevistas já estava fechado, devido à grande quantidade de denunciantes.
Caccia e Blanco, que fazem parte da confraria da maledicência e do boicote contra os resultados obtidos pela Missão, foram subitamente entrevistados no dia anterior à minha reunião. Ou seja, no "dia zero". Foram atendidos exclusivamente por Jordi Bertomeu. Dom Scicluna não esteve presente, pois havia perdido o voo. Agora sabemos, por confissão própria, que se apresentaram astutamente como "vítimas". Não agiram de acordo com as regras da Missão, mas sim segundo suas próprias agendas.
Dom Charles Scicluna me interrogou no dia 25 de julho, cedo, perguntando-me, entre muitas outras coisas, com uma minúcia que me impressionou, sobre a afirmação feita à Missão por um indivíduo (cujo nome nunca me foi revelado). Segundo esse sujeito anônimo, o que relatávamos sobre os chamados "centros de formação" no balneário de San Bartolo (onde os adeptos eram mentalmente formatados e fisicamente maltratados) eram exageros ou até falsidades. Obviamente, isso me enfureceu. Sugerir uma mentira tão descarada me pareceu de uma baixeza descomunal.
No fim da manhã, soube pela própria Pao Ugaz que Scicluna também lhe havia perguntado sobre outra "afirmação" (posteriormente confirmada como falsa), feita por uma mulher. Também no dia anterior.
Nós, depoentes, tínhamos plena consciência de que o segredo de ofício em uma investigação não é absoluto, e que as informações obtidas durante as investigações poderiam ser utilizadas, obviamente com discrição e respeito à boa fama, e sempre com o objetivo de encontrar a verdade e a justiça.
Agora a estratégia sodalita foi revelada. Os ataques focaram-se em Bertomeu por "vazar informações à imprensa", quando o único que ele teria feito, aparentemente, foi contrastar e verificar com Scicluna o que ouviu no recinto da nunciatura.
Pao e eu, jornalistas curiosos para identificar esse par de personagens que surgiram do nada, que não estavam na lista original de entrevistados, soubemos por um ex-sodalita que ele havia reconhecido Caccia e Blanco graças a um fotojornalista que esteve discretamente postado nas imediações da embaixada vaticana naquele dia, e lhe mostrou as imagens que registrou.
O jornalista Raúl Tola, nas páginas de La República (28/7/23), relatou o fato com precisão, sem mencionar os nomes dessa dupla de sodalovers.
Agora, por confissão do próprio duo Caccia e Blanco, sabemos que, em decorrência disso, Bertomeu recebeu cartas notariais, ameaçadoras e venenosas, para envolvê-lo em um processo na justiça peruana, que, podem adivinhar, é uma corrente de lama transbordada. É o estilo de reação, consuetudinário, do Sodalício contra seus "inimigos". Instrumentalizar a justiça para acossar e intimidar. A imputação? Bertomeu teria "violado o segredo".
Bertomeu, conforme eles próprios revelaram, enviou-lhes uma primeira e última mensagem no WhatsApp na qual afirmava: a) que nunca revelou nenhum nome, b) que supôs (corretamente) que isso havia sido sabido pela imprensa vigilante do lado de fora, e c) que sentia dor por aquele inconveniente (tentaram apresentar isso como uma "confissão" do inquisidor catalão).
A verdade é que, por um ano inteiro, Bertomeu teve que suportar silenciosamente esses golpes contra o simples bom senso e uma série de escaramuças para desacreditá-lo, acusando-o de "vazamentos" inexistentes.
Em outras coisas, enquanto esse pântano inundava os corredores judiciais peruanos, Scicluna era acusado de conivência com a máfia maltesa.
Neste mesmo contexto, outro sodalover, Percy García Cavero, advogado do bispo sodalita destituído de sua arquidiocese e expulso do Sodalício (José Antonio Eguren) e de algumas empresas associadas à questionada sociedade de vida apostólica, também apareceu, impudicamente, no Facebook, para se juntar a essa enxurrada de calúnias contra Bertomeu. Exatamente o mesmo têm feito, em uníssono, os simpatizantes da fundação de Luis Fernando Figari (o primeiro expulso, há um mês).
Formalmente, o Sodalício vem negando tudo em comunicados fracos e inconsistentes, mas cuidando para que seus aríetes midiáticos não sejam sodalitas ativos. Com exceção do expulso "jornalista católico" Alejandro Bermúdez, que se tornou outro feroz detrator de Bertomeu e do próprio papa, expressando abertamente posições sedevacantistas.
O que fez o papa? Após comprovar os três delitos canônicos que Caccia e Blanco teriam cometido (incitar ódio contra o pontífice, pois atacar seus "enviados pessoais" equivale a questionar sua autoridade, segundo as avaliações eclesiásticas; difamar Jordi Bertomeu; e tentar obstruir a justiça eclesial, ameaçando seus emissários), está advertindo-os com um preceito penal para que se "convertam".
De acordo com os códigos da Igreja Católica, à qual supostamente aderem, Caccia e Blanco têm 48 horas para "se arrepender e corrigir". Caso contrário, entraria em vigor a excomunhão que eles próprios teriam se infligido devido à sua soberba e obstinação excêntrica.
E de acordo com o documento enviado pelo próprio Papa Francisco, Caccia e Blanco sempre poderão se arrepender no futuro, e assim a pena lhes seria imediatamente suspensa. Embora, para isso, terão que demonstrar arrependimento mediante algumas cautelas (pagar 100 mil soles cada um à Caritas Lima). Este é o custo de sua audaciosa conspiração contra a Missão Papal.
Isso acontece porque a denúncia às autoridades peruanas não é apenas contra Bertomeu, injustamente difamado (se isso não ficou claro), mas "contra todos aqueles que forem considerados responsáveis" (o primeiro, o papa, mas também o arcebispo matês, Dom Scicluna).
Como seja. Nesse ataque inclemente e intolerante por parte dos amigos do Sodalício contra Bertomeu, convenientemente se esquece de um detalhe que não é insignificante: a Missão Especial sempre realizou suas atividades sob cobertura diplomática (algo de que nós, sobreviventes do Sodalício, os comuneros de Piura e suas famílias, ou os jornalistas que fomos perseguidos por José Antonio Eguren e seus escudeiros Percy García Cavero, Luciano Revoredo, Alejandro Bermúdez, entre outros, não dispomos).
A Missão, em minha humilde opinião, deveria culminar com a sanção de todos os envolvidos nessa cultura de abuso e negação da verdade em que o Sodalício está instalado há meio século e que, como vemos, não respeita nem o papa.
O preceito penal de Francisco contra Caccia e Blanco é, claramente, uma medida cautelar para assegurar o bom andamento do processo na investigação do caso Sodalício. Não é uma sentença. Pelo respeito ao direito de defesa neste processo, nossos implacáveis algozes tiveram conhecimento das nossas acusações e denúncias contra eles, o que nos deixou vulneráveis, e, ainda assim, quisemos depor. O custo foi alto, mas aqui estamos.
Enfim. Apenas para concluir. Esse método vil, que carrega a assinatura sodalita e revolta o espírito, seguido contra o Papa Francisco e a Missão Especial, é, para agravar a situação, exatamente o mesmo que foi utilizado contra Paola Ugaz, Daniel Yovera e este que vos fala, chegando a extremos que causam espanto e usando os pretextos mais idiotas que se possa imaginar.
O Sodalício está acostumado a usar os tribunais peruanos de maneira turva para desacreditar e difamar. Nunca para buscar a verdade, muito menos a justiça. Pelo que foi revelado através de seus próprios “infiltrados”, isso ficou evidenciado mais uma vez.
E aqui eu paro para me dirigir ao padre Jorge, como costumo me referir pessoalmente ao papa, com a esperança de que ele leia apenas este parágrafo:
Como lhe disse em um dos nossos intercâmbios epistolares: “o senhor já tem informações suficientes para fazer o que é apropriado e o que é adequado. Só peço isso. Que faça o que é certo e não nos decepcione. Agora é sua vez de agir e fazer o que lhe corresponde, ouvindo sua consciência”. Isso. Conclua o trabalho iniciado. Não se deixe intimidar. As vítimas estão com o senhor e com a Missão Especial, que sempre demonstrou empatia e profissionalismo. Já se passaram 24 anos desde as primeiras denúncias de José Enrique Escardó. É tempo demais.
Castigue energicamente os crimes cometidos pelo Sodalício, incluindo a fraude econômica cometida contra o Estado peruano e contra a própria Igreja Católica. E, por fim, suprima o Sodalício.
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Objetivo do Sodalício: liquidar o mensageiro, a missão Scicluna-Bertomeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU