22 Agosto 2024
Após a notícia da expulsão do fundador de um influente grupo leigo peruano da comunidade na semana passada, a denunciante original de seus abusos disse que havia pedido que medidas fossem tomadas contra ele em 2010.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 19-08-2024.
Em declarações ao Crux, a teóloga peruana Rocio Figueroa, que na época pertencia ao ramo feminino do Sodalitium Christianae Vitae (SCV), fundado pelo leigo peruano Luis Fernando Figari, disse que havia pedido que Figari fosse removido da coordenação enquanto ainda fazia parte da comunidade.
“Naquele momento, isso foi em 2010 e foi mais ou menos em julho. Eu disse a ele, vou para Lima e [Figari] não deve ser o superior da SCV… Pedi três coisas: pedi para encerrar a causa de beatificação de Germán Doig; destituir Figari como superior; e terceiro, investigar Figari”. O SCV, disse Figueroa, “fez os dois primeiros, [eles] não fizeram o terceiro… No mesmo ano, dezembro de 2010, fui a Lima e tive uma reunião com Pedro Salinas, e decidimos investigar”.
Figueroa é ex-membro da Comunidade Mariana de Reconciliação (MCR), que até 2022 fazia parte da família SCV. Atualmente, ela é professora de Teologia Sistemática na Catholic Theological College em Auckland, Austrália.
Ela foi uma dos cinco membros originais do MCR e, em determinado momento, serviu de superiora geral da comunidade. Também trabalhou como chefe da seção feminina no antigo Conselho para os Leigos, do Vaticano, antes de descobrir abusos dentro do SCV e, de acordo com seu relato, ser atropelada e forçada a ficar em silêncio por tentar soar o alarme.
Maior movimento eclesial leigo do Peru, o SCV foi fundado por Figari em 1971. Nascido em Lima em 1947, Figari, além do SCV e do MCR, também fundou uma comunidade de religiosas, as Servas do Plano de Deus; e um movimento eclesial, chamado Movimento de Vida Cristã, todos os quais compartilham a mesma espiritualidade. Figari foi sancionado pelo Vaticano em 2017 após enfrentar várias acusações de abuso sexual, físico, espiritual e psicológico contra membros do grupo.
Na semana passada, Figari foi expulso do SCV depois que o Papa Francisco enviou, no ano passado, seus dois principais investigadores (o arcebispo maltês Dom Charles Scicluna, secretário adjunto da seção disciplinar do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), e o monsenhor espanhol Jordi Bertomeu, funcionário daquele escritório) para investigar contínuas acusações de má conduta, incluindo corrupção financeira.
As acusações de abuso contra o grupo foram feitas pela primeira vez em 2000 pelo ex-membro do SCV José Enrique Escardó Steck. No entanto, os escândalos envolvendo o SCV só explodiram em 2015, quando o ex-membro do SCV e jornalista Pedro Salinas e a jornalista peruana Paola Ugaz foram coautores de um livro que detalhava décadas de supostos abusos no SCV, intitulado Meio monges, meio soldados.
Após a expulsão de Figari, o SCV emitiu uma declaração dizendo que acolheu o gesto como "um ato de caridade pastoral, justiça e reconciliação" para a comunidade e para as vítimas, observando que eles haviam pedido ao Vaticano para expulsar Figari da comunidade em 2019. No entanto, Figueroa, em seus comentários ao Crux, disse que era errado o SCV assumir o crédito pela expulsão de Figari, dizendo que ela mesma foi quem os forçou a tomar medidas iniciais contra ele em 2010 por abuso de autoridade, antes de perceber que ele também havia abusado sexualmente de membros.
Figueroa disse que ela própria foi abusada sexualmente por um membro de alto escalão do SCV chamado Germán Doig Klinge, que durante anos foi o segundo em comando de Figari, servindo como vigário geral do SCV até sua morte em 2001. Em 2006, Figueroa disse que confidenciou a uma irmã que estava sendo apalpada inapropriadamente por Doig durante exercícios de ioga, aparentemente com a intenção de ensiná-la a controlar sua sexualidade. Essa irmã, disse Figueroa, contou a ela que outra pessoa do SCV teve uma experiência semelhante, e que quando ele falou sobre isso, "Figari disse que ele é louco".
“Foi naquele momento que comecei a ter a ideia de que algo estava errado”, disse Figueroa. Figueroa disse que ela e sua irmã passaram os dois anos seguintes tentando identificar outras vítimas de Doig e que, depois que identificaram três, ela procurou Figari para discutir o assunto em 2008, tendo uma reunião privada com ele em Roma. Naquela época, a SCV havia aberto uma causa de beatificação para Doig e Figueroa foi convidada por Figari para escrever uma biografia de Doig para ajudar no processo.
“Eu disse que não podia fazer essa biografia porque Germán não é um santo. Ele disse: 'O que você está dizendo? Venha até mim'. E eu fui até a comunidade para ter um encontro pessoal com Figari, e contei minha história, tomei coragem e contei a ele minha história". Em resposta, Figueroa disse que Figari ficou bravo e a acusou de ser "uma traidora", uma mentirosa, de tentar seduzir Doig e de querer "destruir o Sodalício". Ele a proibiu de falar sobre o assunto, dizendo que o SCV precisava de um santo. Figueroa disse que no dia seguinte ela ficou doente e acabou sendo diagnosticada com um tumor que exigiu tratamento e cirurgia — tratamento que Figari a proibiu de fazer em casa, em Lima, e que ela recebeu em Milão.
Durante esse tempo, ela disse, Figari “estava dizendo que eu era louca, que eu não podia ir a ninguém, que ninguém podia me ligar. Ele me obrigou a renunciar ao meu trabalho no Vaticano. Eu estava tão fraca fisicamente que não conseguia fazer nada. Então, eu disse a mim mesma, vou me recuperar, e vou fazer alguma coisa”.
Figueroa explicou que dois anos depois ela finalmente compilou um relatório sobre suas descobertas sobre as alegações contra Doig e sobre o abuso de autoridade de Figari e os apresentou ao SCV.
Em julho de 2010, ela viajou para Lima e se encontrou com o então vigário geral da SCV, Eduardo Regal, que assumiu o cargo após a morte de Doig, e apresentou a ele seu relatório, exigindo que a causa de beatificação de Doig fosse interrompida, que Figari renunciasse por acobertamento e abuso de autoridade e que ele fosse investigado.
“Eu disse a ele: se você não fizer isso, se você não fizer Figari renunciar, eu mesma farei, irei à imprensa, então é melhor que você faça isso comigo”, disse ela, acrescentando que, em resposta, Regal se referiu à negação das acusações por Figari, alegando inocência.
Quando ela lembrou Regal dos exercícios de ioga inapropriados de Doig, Figueroa disse que Regal argumentou: isso não significa que seja abuso. “Então, ele realmente não queria investigar”, ela disse, dizendo que também o questionou sobre se ele havia entrado em contato com as vítimas que ela identificou em seu relatório, e ele disse que não. “Fiquei furiosa porque naquela viagem eu encontrei uma nova vítima, e você está me dizendo que não consegue encontrar vítimas, quando eu apenas toco o telefone, eu ligo, e consigo encontrar uma vítima, e você não está fazendo nada?” ela falou.
Figueroa disse que pediu que Figari fosse investigado porque durante sua conversa com ele em 2006, depois de ficar agitado com ela, Figari disse: "ele também será acusado e me deu o sobrenome" de uma vítima. Só mais tarde, ela disse, ela percebeu que Figari também era um abusador, e que o nome que ele havia dado a ela era de uma de suas vítimas. “É por isso que pedi a Regal para investigar Figari”, disse ela, informando que depois que ela ameaçou ir à imprensa, Regal interrompeu a causa de beatificação de Doig “para que eu ficasse quieta”, e ele fez Figari renunciar ao cargo de superior geral, mas disse que foi por motivos de saúde.
Figueroa disse que eles nunca investigaram Figari e nunca enviaram seu relatório ao Vaticano, razão pela qual ela começou a filtrar informações para Salinas que acabaram sendo publicadas no livro dele e de Ugaz em 2015. Ela também auxiliou Santiago, o colaborador anônimo do livro de Salinas e Ugaz e a primeira vítima a registrar uma queixa formal contra Figari pelo abuso sexual de uma menor, a escrever seu depoimento e enviá-lo ao tribunal eclesiástico em Lima em 2011.
O relatório de Figueroa, a que o Crux tece acesso, inclui os nomes de abusadores sexuais acusados, incluindo membros de alto escalão, e suas vítimas. Ele também detalhou supostos esforços de encobrimento por Figari e outros membros importantes do SCV. No total, o relatório identificou 16 vítimas confirmadas e potenciais, cinco abusadores e pelo menos um membro que intencionalmente encobriu o abuso. Figueroa também observou em seu relatório que nenhuma das vítimas recebeu assistência ou ajuda profissional após o abuso, e que o SCV permitiu “calúnia contra as vítimas” e não denunciou o abuso sexual às autoridades civis.
Suas propostas incluíam pedir desculpas às vítimas e fornecer a elas o apoio necessário; investigar possíveis casos de abuso; contatar as vítimas que haviam deixado o SCV e parar de “isolá-las”; e permitir que as vítimas buscassem justiça civil sem impedimentos. Ela também citou vários casos de abuso de autoridade por parte de Figari, incluindo pressão psicológica e manipulação, e problemas em como eles viveram seus votos de castidade e obediência, com uma insistência excessivamente “rígida” e “exagerada” em ambos.
Ela também citou preocupações na interação e no tratamento dado pelo SCV às mulheres, dizendo que havia uma tendência à misoginia e uma repressão problemática de emoções.
Depois que Figari deixou o cargo em 2010, Regal foi eleito superior geral em janeiro de 2011. Ele serviu como superior geral por apenas um ano, até que o ex-membro do SCV Alessandro Moroni foi eleito em janeiro de 2012. Moroni deixou a comunidade depois que Figari foi sancionado em 2017. Ao longo dos anos, Regal também enfrentou acusações de encobrimento e obstrução da justiça em relação ao caso do notório abusador do SCV, Daniel Bernardo Murguía Ward, que foi preso em 2007 após ser encontrado em um quarto de hotel com um menino seminu e uma câmera digital contendo fotos nuas do menino e de vários outros menores.
Um punhado de ex-membros do SCV acusou Regal de ordenar o confisco do laptop de Murguía e a destruição de um cartão SD contendo imagens obscenas de menores quando ele descobriu que Murguía havia sido preso. Quando a família de Murguía foi à casa comunitária para coletar suas coisas, Regal não devolveu o laptop. Os ex-membros do SCV que fizeram essas alegações o fizeram como parte de seu depoimento para uma Comissão Parlamentar de Investigação Peruana sobre Abuso Sexual de Menores em Organizações, que publicou um longo relatório sobre o SCV no ano passado.
Regal nunca testemunhou perante a comissão, apesar de ter recebido diversas intimações para comparecer, e a SCV não respondeu às solicitações de seu endereço e informações de contato até que a investigação terminasse. No início deste ano, Regal, que atualmente é superior da casa comunitária do SCV em Denver, no Colorado, foi um dos vários membros de alto escalão do SCV a receber uma carta punitiva do Vaticano como parte de sua investigação em andamento sobre o SCV.
Ele continua sob investigação e é um dos três membros do SCV com vínculos com a comunidade do SCV em Denver, que está ligada à paróquia Holy Name em Englewood, a receber cartas punitivas do Vaticano. Em seus comentários ao Crux, Rocio condenou a declaração do SCV por reivindicar o crédito pela expulsão de Figari, dizendo que é representativa do "gaslighting que esses caras usam" contra as vítimas.
“O tempo todo eles simplesmente não fizeram nada. Era só por medo, por causa das vítimas, porque nós estávamos pressionando, não porque eles queriam fazer alguma coisa”, ela disse. É graças às vítimas, ela disse, que “as coisas mudaram, e esses caras não têm respeito, não dão voz às vítimas. É a mesma besteira o tempo todo”.
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Sodalício. Denunciante pediu providências contra fundador peruano há 14 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU