21 Setembro 2016
Uma participante da comissão papal voltada ao tema dos abusos sexuais cometidos pelo clero revelou que um dos membros do grupo renunciou. Esta renúncia, não tornada pública até então, significa que duas das dezessete nomeações originais feitas pelo pontífice não estão mais fazendo parte dos trabalhos.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 19-09-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Marie Collins, leiga irlandesa e membro da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, fez a revelação em entrevista ao National Catholic Reporter quando respondia a uma pergunta sobre a situação de Peter Saunders, colega de Comissão posto em licença do grupo em fevereiro deste ano.
“Houve um pedido de renúncia na Comissão”, Collins respondeu. “Mas Peter não renunciou e nem foi demitido: ele ainda está sob licença”.
A cidadã irlandesa, sobrevivente de abuso sexual, falou ao National Catholic Reporter após o encontro do grupo em Roma na semana passada.
Na segunda-feira, Emer McCarthy, coordenadora de projetos e meios de comunicação da Pontifícia Comissão, disse que um participante renunciou em maio por motivos pessoais.
McCarthy identificou o membro que pediu a renúncia como sendo Claudio Papale, italiano professor de Direito Canônico da Pontifícia Universidade Urbaniana. A agenda do Vaticano 2015 apresenta-o também como funcionário da Congregação para a Doutrina da Fé.
“A Comissão não vê a necessidade de comentar sobre o tema por respeito à privacidade do indivíduo”, disse McCarthy. Papale não respondeu a um pedido de comentário.
As nomeações iniciais de Francisco à Comissão antiabuso incluía 10 leigos, duas religiosas, dois padres e um bispo. O cardeal de Boston, Sean O’Malley, presidente do grupo, também atua como membro da mesma forma como o Mons. Robert Oliver, secretário do grupo.
Saunders, inglês, é um dos sobreviventes de abuso que fundou a Associação Nacional para as Pessoas Abusadas na Infância. Em uma breve nota após reunião da Comissão em Roma no mês de fevereiro, o Vaticano disse que “havia sido decidido” pelo grupo então que ele estaria tirando uma licença.
O britânico contestou a versão do Vaticano dizendo que não tinha aceito a tal licença.
Durante a entrevista, Collins informou que a situação de Saunders “não mudou”.
“Peter Saunders ainda está sob licença”, disse. “A situação não mudou de forma alguma. Ele não estava presente na reunião”.
“Na verdade, não há muito mais que eu posso dizer”, disse Collins. “A situação ainda está como era. Não é uma situação muito satisfatória, mas realmente nada mudou”.
Ainda sobre os trabalhos da Comissão, Collins expressou esperança na entrevista sobre as novas medidas adotadas por Francisco no sentido de permitir que o Vaticano inicie a remoção de bispos católicos negligentes no tratamento a casos de abuso sexual.
Em junho, o pontífice lançou novas medidas com a promulgação de um motu proprio intitulado “Come una madre amorevole” (Como uma mãe amorosa).
As medidas especificam que a negligência de um bispo em resposta ao abuso sexual clerical pode levar a sua destituição do cargo e empodera vários dicastérios vaticanos com forças para investigar tais bispos, iniciando processos de remoção do cargo.
A Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores tinha recomendado que Francisco desse poder à Congregação para a Doutrina da Fé de estabelecer um tribunal para julgar bispos negligentes. Essa recomendação não foi posta em prática.
“Eu fiquei bastante decepcionada com o tribunal voltado à responsabilização”, disse Collins. “Depois que foi anunciado no ano passado, fiquei bem ansiosa com a ideia e, em seguida, quando vi que ela não foi adiante, me desanimei”.
“Apesar de que a criação de um tribunal não esteja mais nos planos, creio que este novo processo é mais abrangente”, continuou Collins. “Acho que esse anúncio foi muito positivo para todos da Comissão, pois a responsabilização dos bispos é algo que dissemos que estaríamos lidando desde o começo”.
“Sei que tem muita gente se sentindo frustrada”, afirmou Collins. “Mas, nesse caso, estamos vendo algo que, no final, vai trazer resultados”.
“Demos conselhos ao papa e agora temos um processo em vigor que deve trazer uma responsabilização muito maior”, disse ela. “Para mim, isso é muito positivo (...) Podemos ver um movimento para a frente”.
Perguntada sobre as preocupações de que o novo processo de responsabilização dos bispos negligentes encontra-se sob a tutela de órgãos no Vaticano, Collins respondeu: “Eis a minha reserva”.
“A minha reserva sempre será: este processo é bom, acolho-o, mas quero vê-lo em ação e eu quero vê-lo realmente posto em prática, e ver os bispos negligentes realmente sendo responsabilizados”, disse Collins.
“Dar mais poderes aos dicastérios e às diferentes congregações é, obviamente, um movimento excelente, mas então temos de vê-los usando-os, temos de ver o seu resultado”, disse ela acrescentando: “Eu vou esperar e ver”.
“É obviamente diferente de um tribunal, mas se o tribunal não estava mais nos planos, se ele não seria aceito, é bom que tenhamos algo em seu lugar e a ideia geral de responsabilização não desapareceu”, complementou.
“Penso que o Santo Padre refletiu bastante e que está levando muito sério o tema da responsabilização dos bispos”, disse Collins. “Quero ver os resultados”.
A entrevistada também expressou a preocupação de que a Pontifícia Comissão não recebeu o poder de supervisionar a implementação dos esforços contra casos de abuso com a finalidade de garantir que estejam sendo devidamente postos em prática.
“Eis uma área da Comissão que é uma preocupação para mim, no sentido de que não temos competência de nenhum tipo para examinar a implementação”, disse Collins. “Não é o que recebemos como nossa missão pelo Santo Padre. Não está lá em nossos estatutos”.
“A minha opinião é que deveríamos ter uma participação maior; quando um conselho é aceito e novos métodos ou processos são postos em prática, deve haver a oportunidade de rever a forma como estão sendo feitos”, ela continuou.
“Somos puramente um órgão consultivo”, disse ela. “Pessoalmente, eu gostaria que tivéssemos mais autoridade para avaliar realmente como as coisas estarão sendo implementadas”.
Collins também falou sobre a notícia de que ela e outros membros da Comissão estão participando este ano no curso anual de formação realizada no Vaticano para os novos bispos.
“Creio que é um avanço para a comissão, pois no ano passado deixamos claro que queríamos participar e não fomos convidados”, disse ela. “É mesmo um passo importante que a comissão tenha um espaço para falar”.
“Temos bispos de todo o mundo”, disse Collins. “É importante que eles tenham uma formação clara sobre a tutela dos menores. A sessão será curta, não será muito demorada, mas ter o envolvimento dos participantes da Comissão com os bispos já é bem importante”.
Collins disse que pensou falar sobre o efeito do abuso sexual clerical e sobre a “importância de tratar o agressor não apenas como um pecador, mas como criminoso e alguém que representa um perigo para as crianças”.
Collins disse também que queria contar aos novos bispos que os padres que cometem abusos sexuais não prejudicam somente suas vítimas, mas a Igreja em todo o mundo.
“As pessoas podem me interpelar dizendo: ‘Ora, por que falar sobre o dano que isso traz à Igreja? Por que está preocupada com isso?’”, disse ela.
“Estou falando a homens para os quais este tema é de grande interesse e eles precisam perceber que essa não é uma questão que pode ser minimizada de qualquer maneira, pois é, e assim tem sido, uma devastação para a Igreja a qual eles têm doado suas vidas”, declarou Collins.
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Mais um membro da Comissão para a Tutela de Menores deixa o grupo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU