11 Mai 2024
Nesta semana, uma discussão pública na plataforma X, anteriormente conhecida como Twitter, revelou que um padre espanhol foi barrado pelo Vaticano de suas atividades online por “trollar” [irritar ou incomodar online] uma vítima de um grupo com sede no Peru atualmente sob investigação.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada em Crux, 09-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em um post do dia 7 de maio no X, o padre espanhol Francisco Delgado, que mora em Virginia Dale, Colorado, nos Estados Unidos, anunciou que, “por ordem direta do meu arcebispo, sou forçado a interromper a atividade em todas as minhas redes e suspender a minha participação nas mídias”.
Uma fonte do alto escalão confirmou ao Crux que o arcebispo recebeu o pedido da Santa Sé.
“Desta vez, não estou fazendo isto por minha própria vontade. Não tenho outra escolha senão me defender de uma calúnia sobre a qual espero um dia poder dar detalhes”, disse ele, insistindo que, apesar da “perseguição” contra ele, “continuo mantendo meu propósito de ser fiel à Igreja de Cristo e a seu líder visível, que é o Papa Francisco”.
Delgado, um dos seis padres que aparecem regularmente no popular podcast “La Sacristía de La Vendée”, disse que ofereceria o sofrimento que essa situação causou “pela conversão daqueles que ferem a Igreja, de fora e de dentro. Viva Cristo Rei!”.
Em uma postagem em resposta no X no mesmo dia, um homem chamado José Enrique Escardó Steck, também conhecido como JEES, disse que, “no meio de tantos ataques estúpidos devido a uma camiseta, chegam boas notícias para mim”.
Fundador da Rede de Sobreviventes do Peru e cofundador do Brave Movement da América Latina e do Caribe, Escardó é ex-membro do Sodalitium Christianae Vitae (SCV) e foi o primeiro a apresentar uma denúncia contra o grupo no ano 2000.
Grupo leigo fundado pelo leigo peruano Luis Fernando Figari nos anos 1970, o SCV está envolvido há 10 anos em escândalos, com diversas denúncias de abusos e acusações de corrupção financeira contra Figari e outros membros do alto escalão.
Os escândalos eclodiram em 2015, quando os jornalistas peruanos Pedro Salinas e Paola Ugaz escreveram um best-seller intitulado “Meio Monges, Meio Soldados”, expondo os escândalos dentro do grupo.
Figari foi acusado de abuso físico, psicológico e sexual dentro da comunidade, incluindo abuso sexual de menores, e foi punido pelo Vaticano em 2017 e proibido de manter contato com membros do grupo. Atualmente ele vive exilado no sul da Itália.
No ano passado, o Papa Francisco enviou sua principal equipe de investigação de abusos, o arcebispo maltês Charles Scicluna e o monsenhor espanhol Jordi Bertomeu, a Lima para iniciarem um inquérito formal sobre o SCV e suas várias tentativas de reforma.
Escardó conversou com Scicluna e Bertomeu enquanto os dois estavam em Lima realizando entrevistas e inquéritos oficiais.
Em sua postagem do dia 7 de maio no X, Escardó disse que Delgado há vários meses “me bloqueou e depois me difamou e insultou” na plataforma digital por meio de “vários tuítes e por vários dias por ter sido vítima do #Sodalicio”.
“A história chegou ao Vaticano, e eles me pediram detalhes do caso, porque a investigação sobre o Sodalitium ainda está em aberto”, disse ele, afirmando que as autoridades vaticanas “me disseram que iriam puni-lo”.
Vários dias depois, disse Escardó, ele ouviu o podcast de Delgado, no qual este aparentemente teria dito que “desejava que o Papa Bergoglio estivesse morto”.
“Bem, aqui estão as consequências”, disse Escardó, complementando: “Pela primeira vez na história, a Igreja Católica pune um padre por ‘trollagem’, e eu me sinto orgulhoso de que isso tenha ocorrido graças a mim”.
Ele também acusou Delgado de encobrir o abuso de um colega padre na Espanha, dizendo: “Espero que esta seja apenas a primeira medida e que a mesma coisa ocorra com outros que agem da mesma forma”.
Além de Delgado, Escardó disse que uma punição semelhante também foi aplicada contra outro padre “que me insultou”, o Pe. Juan Razo, e que, em vez de fazer uma declaração pública, Razo “primeiro apagou seus tuítes e depois fechou discretamente sua conta”.
Em comentários ao Crux, Escardó disse que o confronto online com Delgado começou em janeiro, quando ele respondeu a uma postagem que Rezo havia feito criticando a imagem de um Jesus “que parecia um pouco homossexual” em um cartaz em Sevilha durante a Semana Santa.
Escardó disse que respondeu sarcasticamente que gostaria que os padres passassem o mesmo tempo falando sobre como promover a justiça e a reparação para as vítimas de abuso sexual na Igreja, dizendo que Razo um dia teria de enfrentar “essa escolha de prioridades” diante de Deus.
Em resposta, disse ele, Razo respondeu com uma citação do livro de Provérbios dizendo: “‘Responda ao tolo de acordo com sua loucura, para que ele não seja sábio a seus próprios olhos.’ Você é tão limitado que responde uma coisa com outra. Não venha jogar as falhas de outras pessoas na minha cara. Somente pessoas ignorantes usam insultos quando não têm argumentos”.
As coisas pioraram a partir daí, disse Escardó, afirmando que Razo continuou a insultá-lo e a fazer comentários maldosos em suas postagens. No fim, Escardó revelou que foi vítima de abusos por parte do SCV e que as postagens o vitimizavam mais uma vez.
Ele disse ao Crux que cada um dos padres tinha milhares de seguidores, e, por isso, outros se juntaram e também começaram a atacá-lo, e que Delgado estava entre os que o fizeram, bloqueando-o no X antes de optar por “mentir sobre mim, me difamar, me menosprezar pelas acusações contra o Sodalício” em diversas postagens nos três dias seguintes.
Escardó deu a Razo 24 horas para deletar suas postagens, ameaçando enviar as conversas ao Vaticano. Quando Razo não obedeceu, publicando em resposta mensagens mais críticas, Escardó contatou o Vaticano e, quando solicitado, enviou a correspondência relevante.
À medida que a situação online se desenrolava, Escardó disse que foi contatado por alguém que afirmava ser vítima de um padre na Espanha e que Delgado tinha ajudado a encobrir o abuso.
Delgado recusou um pedido do Crux para comentar a situação, dizendo que, por ordem de seu arcebispo, não podia fazer nenhuma declaração à mídia.
Embora tenha dito que tem poucas esperanças de que a justiça real seja alcançada por meio da investigação do Vaticano, Escardó disse que permanece firme em seu desejo de buscar a justiça e a reparação para as vítimas de abusos na Igreja.
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Igreja pune padre por agir como “troll” na internet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU