19 Julho 2024
"Os israelenses são acusados de cometer atos criminosos contra os palestinos, mas defendem seu próprio povo. O Hamas, por outro lado, se vira tanto contra os israelenses quanto contra os palestinos. Então, que direito tem de se apresentar como paladino de um dos lados?", questiona Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 17-07-2024. A tradução de Luisa Rabolini.
Israel pode ser criticado pelo caráter hediondo de suas ações, mas a organização terrorista, preocupada apenas com sua ideologia, sacrifica seu próprio povo.
Há uma coisa que aqueles que defendem os direitos palestinos devem saber: a maneira como o Hamas está conduzindo a luta mostra pouco ou nenhum interesse pelo povo. A única coisa que conta é a ideologia do movimento.
É legítimo criticar Israel pela forma como está conduzindo essa guerra e pelas vítimas civis que está causando. No entanto, uma coisa parece clara: todo o esforço israelense está concentrado na proteção de seu próprio povo, enquanto o Hamas "usa" seu povo para si mesmo, como escudo e vítima sacrificial. Quem está disposto a sacrificar seus próprios compatriotas não é digno de representá-los.
A questão do martírio também é colocada de forma ambígua: se você está disposto a "martirizar" seu próprio povo sem o conhecimento dele ou de uma forma que ele não escolheu, você é um criminoso e ponto final. Os israelenses são acusados de cometer atos criminosos contra os palestinos, mas defendem seu próprio povo. O Hamas, por outro lado, se vira tanto contra os israelenses quanto contra os palestinos. Então, que direito tem de se apresentar como paladino de um dos lados?
Tudo isso está sendo falado e escrito (ainda em voz baixa) no mundo árabe. Prova disso é a simpatia não especial pelo Hamas. Nas salas de bate-papo e redes sociais árabes, cada vez mais aparecem perguntas (e não é a primeira vez) sobre como é possível que Israel respeite seus concidadãos a ponto de massacrar a todos, e que o Hamas está preocupado apenas em defender uma "causa", uma "ideologia", um "movimento", mas certamente não o povo pelo qual diz combater. A ideia de sacrifício, ou seja, de que é preciso se sacrificar em prol da libertação, está mostrando seu limite: os palestinos ficaram sem nada, nem mesmo suas casas, nem mesmo o pouco de terra que tinham. Isso explica por que as pessoas na Cisjordânia não se revoltam em solidariedade a Gaza: com que finalidade fariam isso? Para correr o risco de perder o pouco que têm? Os palestinos mais lúcidos sabem que a extrema direita israelense não está esperando outra coisa: mais uma revolta para destruir e tomar tudo.
O caminho trilhado pelo Hamas não leva a lugar algum: é apresentado como uma forma de "rebelião justa", mas que de justa não tem mesmo nada. O paralelo pode ser traçado com as democracias ocidentais: quem as critica, para ter credibilidade, deveria tratar seu próprio povo pelo menos da mesma forma.
A política externa ocidental é muitas vezes passível de crítica por ser injusta, errônea, ambígua, baseada em dois pesos e duas medidas, incorreta ou ilegítima. No entanto, para criticá-la, é preciso ter a mesma posição que o Ocidente tem na política interna, ou seja, respeito pelos direitos de seus concidadãos.
Em outras palavras: se você for um regime autoritário, não pode criticar as ambiguidades das democracias ocidentais: você não tem credibilidade e também usa o duplo padrão. Só que você faz isso justamente em casa. Se você for como o Hamas, ou seja, disposto a vencer ou sobreviver em um lago de sangue, você não tem credibilidade para a causa palestina. No máximo, você pode conseguir alguma sensação de revanche que logo desvanece em um mar de ruínas.
O 7 de outubro pode ter dado tal sensação aos palestinos, mas hoje já foi engolido por uma massa de escombros, mortos e lágrimas. Teria sido melhor dar ouvidos àquela corajosa apresentadora da TV al Arabiya, que imediatamente criticou o líder Ismail Haniyeh, surpreendendo-o com suas observações à hediondez do ataque e lamentando a imagem que o Hamas havia dado dos árabes.
Ela estava certa: no Sul Global, o declínio geral de simpatia por Israel não é acompanhado por um aumento da simpatia pelos árabes. Basta olhar para a África negra ou outros continentes para perceber que o preconceito em relação aos árabes sanguinários se fortaleceu. O mais paradoxal é que se trata de algo sem resultado. Certamente é Israel que tem de acertar as contas com esse rancor, espírito de vingança até à autodestruição: ainda assim terá de conviver com os palestinos.
Um povo submerso no "espírito kamikaze" não é um bom presságio quando se tem que conviver com ele. Melhor seria encontrar outro caminho: ou seja, ter a generosidade de tratar os palestinos pelo menos um pouco como os israelenses tratam a si mesmos, protegendo-os da violência, incluindo-os ou dando-lhes um Estado. Porque, no final, a questão permanece: se o Hamas não é digno de representar os palestinos, os israelenses também não o são. Então, quem o fará?
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Por que o Hamas não é digno de representar os palestinos. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU