16 Julho 2024
"O cânone tridentino funciona, principalmente, como censura do que é oportuno discutir. Mas isso não é suficiente. Vimos a irrupção do cânone tridentino na última parte de Querida Amazônia, depois de uma série de sonhos, expressos em uma linguagem nova, o pesadelo de uma versão achatada e formal do ministério eclesial reduzido ao sacerdote. Mas como se pode silenciar sobre os recentes documentos do Dicastério para a Doutrina da Fé?", pergunta Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado no seu blog Come Se Non, 12-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sem ser dito abertamente por ninguém, a retomada do interesse pela sinodalidade – que vai muito além da instituição sinodal em sentido estrito – diz respeito a um ponto decisivo do modo de entender a tradição, após o esgotamento de sua forma "moderna", que se estendeu do Concílio de Trento até as vésperas do Concílio Vaticano II. Nesse âmbito, creio que também possam ser avaliados os passos que também fundamentam o Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, do qual saiu nestes dias o Intrumentum Laboris, sobre o qual já postei um comentário inicial. Em um post no Facebook, Linda Pocher observava que meu julgamento sobre a linguagem adotada pelo IL de 2024 lhe parecia demasiado negativo. Talvez essa reação possa ser entendida com base em uma minha referência demasiado superficial sobre a questão da linguagem, que agora tentarei esclarecer.
Parte do debate que acompanhou a descoberta da sinodalidade, proposta pelo Papa Francisco desde o início de seu pontificado, foi eventualmente lida como uma espécie de "modernização" da Igreja, até mesmo percebida (nas formas e nos conteúdos) como risco de "modernismo". Há um grande equívoco aqui, que merece atenção. O sínodo, assim como foi pensado pelo Concílio de Trento, foi a resposta "moderna" à crise da tradição. Quando digo "moderna", quero dizer marcada por características de burocratização, centralização e clericalização que os tempos antigos e medievais não conheciam. Confundir a "forma moderna" do sínodo com a tradição é um erro típico de perspectiva.
A exigência de recuperar uma lógica do sínodo que não seja apenas instrumento de governo clerical do bispo, mas expressão de toda a Igreja, implica um grande esforço para sair das categorias excessivamente estreitas que, após o Concílio de Trento, se difundiram na Igreja latina, mas que entre os séculos XIX e XX entraram em crise. Se falarmos da Igreja Católica apenas com as palavras que aprendemos com o Concílio de Trento e o Código de 1917, permaneceremos fora da tradição. O Sínodo, como concebido por Francisco, é uma instituição que deveria nos libertar dos preconceitos modernos. Moderno é o que devemos superar, não aquilo a que devemos tender. E moderno significa burocrático, formal e institucional.
Minha segunda consideração baseia-se em uma distinção que Pierangelo Sequeri já havia cunhado com mérito há vários anos. Muitas vezes falamos o léxico do Concílio Vaticano II, mas agimos de acordo com um cânone que continua sendo o cânone tridentino. Vamos tentar expressar isso em outras palavras: percebemos que, na linguagem, não podemos mais proceder de acordo com lógicas modernas de "burocratização da fé" ou de "formalização institucional da tradição", mas, embora mudando as formas de expressão, continuamos a decidir, a deliberar e a considerar normativo o cânone moderno, confundindo-o com a tradição. Isso parece como um verdadeiro "elefante na loja de cristais": continuamos a identificar a Igreja, que em palavras queremos em saída e hospital de campanha, confundindo-a com uma normativa tridentina sem possíveis novidades. Podemos tomar alguns exemplos dos silêncios de que é repleto o IL24: nenhuma referência à ordenação de homens casados, nenhuma referência às famílias com situações consideradas não regulares, nenhuma referência ao acesso da mulher ao ministério ordenado.
O cânone tridentino funciona, principalmente, como censura do que é oportuno discutir. Mas isso não é suficiente. Vimos a irrupção do cânone tridentino na última parte de Querida Amazônia, depois de uma série de sonhos, expressos em uma linguagem nova, o pesadelo de uma versão achatada e formal do ministério eclesial reduzido ao sacerdote. Mas como se pode silenciar sobre os recentes documentos do Dicastério para a Doutrina da Fé? A bênção de casais irregulares, afirmada em palavras e tornada impossível pelas circunstâncias; a avaliação da validade dos sacramentos, onde a liturgia é reduzida à retórica afetiva de deliberações guiadas apenas pelo teor das fórmulas verbais.
Finalmente, como deixar de falar também sobre a Dignitas infinita, na qual a reivindicação de uma afirmação racional da dignidade infinita de todo ser humano é conquistada com uma espécie de monologion fora do tempo e da cultura? Em todos esses casos, um "léxico" totalmente marcado por um novo modelo de igreja e cultura é combinado com um cânone que não deixa nenhum espaço prático ou teórico para o novo paradigma, assentando-se no paradigma moderno que resulta inadequado há 200 anos.
Na realidade, tivemos, na experiência da tradição dos últimos 60 anos, não apenas um novo léxico, mas também novas formas canônicas. Isso é especialmente verdadeiro para a liturgia. O Concílio Vaticano II não se limitou a fazer belos discursos sobre a liturgia, mas deu origem a uma "tradução da tradição" que produziu uma reforma abrangente de todos os atos rituais da vida cristã. Não é coincidência o fato de que foi precisamente sobre esse novo cânone que tenha se concentrado a resistência mais obstinada daqueles que não queriam e não querem sair de uma compreensão "moderna" da Igreja.
A estratégia de suspender a eficácia canônica da reforma litúrgica, que entre 2007 e 2021 permitiu que muitas comunidades se interpretassem como católico-romanas, rejeitando efetivamente não apenas o novo léxico, mas o novo cânone litúrgico, encontrou uma resposta clara do Papa Francisco. Isso é bom. Mas não é suficiente para superar a tentação de opor, continuamente, a um léxico da abertura, a rigidez de um cânone moderno, indiferente aos sujeitos e, portanto, produtor de individualismo. Daí a escolha de não tematizar toda uma série de questões que têm, em seu centro, o direito dos sujeitos (e a sua dignidade) mais que o arranjo institucional da regularidade. Sobre o que precisa ser deliberado não se deve silenciar.
Qualquer remoção se transforma em insensibilidade. E se adiarmos essa oportunidade, seria a certificação de que não podemos nos compreender, exceto nas formas modernas, burocráticas e institucionais que organizaram o trabalho da Cúria Romana desde meados de 1500.
Por fim, voltando à questão da linguagem, é certamente útil ter enfatizado o dever da escuta mútua, como uma espécie de farol primário que marcou todas as etapas do trabalho sinodal. Mas para dar à última Assembleia um instrumento de trabalho eficaz, é necessário introduzir linguagens de orientação e não meras constatações sobre as passagens mais delicadas, sobre as quais a Igreja Católica não pode mais confiar em suas linguagens modernas. Até mesmo a doutrina dogmática foi marcada por essa limitação e deve ser cuidadosamente repensada, para oferecer soluções verdadeiras e não adiamentos ou desatenções.
Oferecer argumentos é uma parte decisiva de uma tradição de confronto: se o primeiro a renunciar a isso for o instrumento de trabalho, o próprio trabalho será prejudicado. No final, será importante deliberar e, a partir das deliberações, será possível avaliar até que ponto o Sínodo, com seu longo percurso, realmente permitiu que o Espírito falasse, ou se foi capaz de enredá-lo nas malhas das evidências modernas e burocráticas com as quais a doutrina e a disciplina católicas foram construídas desde o Concílio de Trento.
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Sínodo e a Igreja moderna: léxico do Vaticano II e o cânone tridentino. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU