Para onde caminha a Igreja? Evangelização, missão e sinodalidade. Entrevista com Pedro A. Ribeiro de Oliveira, Eduardo Hoornaert e Paulo Suess

Pesquisadores analisam a Igreja brasileira e seus desafios no atual contexto sociopolítico à luz do Concílio Vaticano II

Foto: Valter Campanato | Agência Brasil

30 Mai 2023

"O que ocorre na Igreja brasileira e na Igreja universal é um equilíbrio instável. Quem analisa a Igreja diz que essas duas forças, isto é, os restauracionistas, que querem uma Igreja mais para Pio XII do que para João XXIII, ou mais para Pio XII do que para Francisco, e os da libertação ou, na expressão de Francisco, os da Igreja sinodal, que querem uma Igreja na qual todos caminhem juntos, às vezes parecem ganhar força, às vezes, parecem perdê-la. Ambos avançam e depois recuam." Este diagnóstico do sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira foi apresentado na segunda conferência virtual do ciclo de estudos “Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal”, em 18-05-2023, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU para refletir sobre a crise do cristianismo e da Igreja.

A reflexão sobre a Igreja Católica brasileira no atual contexto sociopolítico foi feita a partir de uma contribuição interdisciplinar, com a participação do historiador Eduardo Hoornaert e do teólogo Paulo Suess. Oliveira destacou os desdobramentos do Concílio Vaticano II na Igreja, com ênfase para o processo de restauração identitária. Segundo ele, "a eleição do próximo papa vai determinar se vamos continuar em uma linha de mudanças imprimida pelo Concílio Vaticano II e pela sinodalidade de Francisco, ou se voltaremos atrás, para uma Igreja que será cada vez mais pequenina, uma Igreja de museu".

Na avaliação de Eduardo Hoornaert, um dos temas mais importantes do cenário eclesiástico é a sinodalidade. "A sinodalidade do Papa Francisco vai além do Vaticano II e veio para ficar. A sinodalidade é algo que vai muito mais fundo do que estamos percebendo até agora. No fundo, é a relativização da forma da ação católica no século IV, que foi o desastre do imperador Constantino. Na realidade, a sinodalidade volta para um modelo de Igreja anterior ao da diocesana, antes de a Igreja ser baseada na sucessão dos bispos. Nos séculos II e III existe uma Igreja realmente sinodal. O princípio do consenso, não é o caminho. O caminho são as minorias abraâmicas", defende.

Paulo Suess comenta a baixa representatividade da região Norte e, particularmente, da Amazônia, nas eleições da 60ª Assembleia Geral da CNBB. "A Amazônia não está presente fisicamente. Outros estados também não estão representados nas doze presidências no CONSEP nem nas eleições da presidência: Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia". De acordo com ele, os principais problemas eclesiais na região amazônica já foram detectados, mas é preciso encontrar formas de solucioná-los. "Na Amazônia (...) a Igreja deve servir na animação de processos, não de eventos. É bom fazer um congresso eucarístico em Manaus, mas é mais importante perguntar como está nossa presença nas comunidades. Elas têm acesso à eucaristia ou celebramos a eucaristia somente na capital? Pouco ou quase nada avançou nesse sentido", lamenta.

A seguir, publicamos a conferência de Pedro A. Ribeiro de Oliveira no formato de entrevista, seguida dos comentários e apontamentos de Eduardo Hoornaert e Paulo Suess.


Pedro A. Ribeiro de Oliveira (Foto: Tiago Miotto | Cimi)

Pedro A. Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Foi professor no mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas – PUC Minas, consultor de ISER-Assessoria, membro da diretoria da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER e da coordenação nacional do Movimento Fé e Política. Dentre suas obras, destacamos Fé e política: fundamentos (Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Vozes, 1985).

Eduardo Hoornaert (Foto: Lagarto Notícias)

Eduardo Hoornaert nasceu em Bruges, na Bélgica. Cursou dois anos de Línguas Clássicas e História Antiga e, posteriormente, Teologia, na Universidade de Lovaina. Chegou a João Pessoa, no Brasil, em 1958. Foi professor catedrático em História da Igreja, sucessivamente nos Institutos de Teologia de João Pessoa, Recife e Fortaleza. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA), entidade autônoma fundada em 1973, em Quito, Equador. Desde 1962 escreve artigos de cunho histórico para a Revista Eclesiástica Brasileira (REB), da Editora Vozes, na área do catolicismo no Brasil e do cristianismo em geral. Atualmente, estuda a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.

Paulo Suess (Foto: Luis Miguel Modino)

Paulo Suess é doutor em Teologia Fundamental, fundador do curso de Pós-Graduação em Missiologia, na então Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi e professor em várias faculdades de teologia no ciclo de Pós-Graduação em Missiologia.

Entre suas publicações estão: Dicionário da Querida Amazônia (Paulus, 2021), Dicionário da Laudato Si': sobriedade feliz (Paulus, 2017), Missão e misericórdia: a transformação missionária da Igreja segundo a Evangelii gaudium (Paulinas, 2017), Dicionário da Evangelii gaudium (Paulus, 2015), Dicionário de Aparecida: 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida (Paulus, 2007), Teologia da missão (Vozes, 4. ed., 2015) e Impulsos e intervenções: atualidade da missão (Paulus, 2012).

Confira a entrevista.

IHU – Que novidades o Concílio Vaticano II introduz na Igreja?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – O Concílio Vaticano II foi um momento de ruptura de um paradigma de catolicismo. Uma coisa era o catolicismo até o Vaticano II; outra coisa é o catolicismo depois do Vaticano II em diante. Ele trouxe alguns documentos importantes, mas mais importante do que isso foi o espírito de mudança, a atualização proposta pelo Concílio, o aggiornamento, pôr a Igreja em dia com o mundo. Entre os documentos, menciono quatro fundamentais porque trouxeram mudanças estruturais: a constituição conciliar Sacrosanctum concilium: sobre a Sagrada Liturgia, a constituição pastoral Gaudium et spes: sobre a Igreja no mundo atual, a constituição dogmática Lumen gentium: sobre a Igreja, e a constituição dogmática Dei verbum: sobre a revelação divina.

Com a Sacrosanctum concilium, sobre a liturgia e a maneira de expressar a fé em comunidade, acabou aquela história que existia antes – e infelizmente ainda existe até hoje – de o padre ser o único celebrante da missa e o povo cristão, acompanhante. A liturgia é a fé celebrada em comunidade.

Gaudium et spes trata do diálogo com o mundo, ou seja, não é mais a Igreja que se entende a si mesma como uma sociedade perfeita, que dá lições para o mundo, mas como uma sociedade de seguidores e seguidoras de Jesus que estão em diálogo com a sociedade, que sentem as dores e alegrias e querem participar da sociedade.

Na Lumen gentium, a Igreja se define como Povo de Deus. Isso significa que Igreja é todo o povo de pessoas batizadas. Acabou a definição de Igreja como uma sociedade formada por duas castas, uma de sacerdotes, que tem o ministério ordenado, e os outros, que são somente leigos. Claro que há uma diferença de ministério e de serviço, mas a Igreja é um único povo ou, como podemos dizer, todos os povos que são de Deus formam a Igreja.

A Dei verbum determina que a Bíblia deve ser acessível a todo o povo de Deus. Antes do Concílio, praticamente os leigos e leigas não podiam ler a Bíblia e, no máximo, tínhamos acesso aos textos do Novo Testamento.

IHU – Que mudanças o Concílio gerou do ponto de vista sociológico?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – O Concílio superou a Igreja de cristandade, ou seja, aquela Igreja Católica que, desde o século XI, da Reforma Gregoriana até metade do século XX, foi uma Igreja de cristandade, aliada ao Estado, como garantia da civilização e da cultura. Com o Concílio isso se rompe: a Igreja não está mais aliada ao Estado, mas é parte; somos povo de Deus e estamos caminhando juntos.

Outra consequência importante do Concílio foi a abertura da Igreja Católica às outras igrejas cristãs e, principalmente, o entendimento de que o cristianismo, o seguimento de Jesus, não pode ser reduzido a uma única igreja, a uma única instituição. Junto com isso, na América Latina, houve uma opção pelos pobres. Se, na Europa, o Concílio representou a abertura da Igreja ao mundo moderno, na América Latina ele representou a abertura da Igreja ao mundo dos pobres.

Outra novidade importante foi a valorização das igrejas particulares, das dioceses. O bispo não é apenas um representante do Papa; o bispo é o bispo na sua diocese, assim como o Papa é o bispo na diocese de Roma e, portanto, ele é uma espécie de patriarca de toda a Igreja, mas não é mais do que os bispos. Dá-se, então, importância à pastoral de conjunto e às conferências episcopais. Na América Latina, outro resultado conciliar importante foi a Teologia da Libertação.

O Concílio fez com que as águas represadas durante “o século dos Pios” – de Pio IX a Pio XII, que foram papas conservadores, antimodernos, críticos da sociedade moderna – extravasassem e trouxessem mudanças pelo mundo todo.

IHU – Como ocorreu a recepção do Concílio nos anos seguintes?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Quando João XXIII morreu, assumiu Paulo VI, que era um papa conciliar, mas sofreu muita pressão, de modo que, no final do seu pontificado, já estava com o pé mais no freio do que no acelerador. Seu sucessor, em função do curtíssimo pontificado de João Paulo I, foi João Paulo II, com seu auxiliar [Joseph] Ratzinger, que depois foi seu sucessor, Bento XVI. Eles reinterpretaram ou interpretaram o Concílio como continuidade do Concílio Vaticano I. Aqui é a chave da questão. Segundo eles, as mudanças que ocorreram no Vaticano II eram apenas uma reforma porque a identidade católica continuava a mesma. Eles fizeram aquilo que Ratzinger chamou de restauração identitária, que consistiu em restaurar a identidade católica que foi abalada pelas mudanças do Concílio porque, do contrário, se relativizaria tudo. A restauração identitária é diferente do fundamentalismo e do tradicionalismo. Não se trata de simplesmente voltar ao passado, mas de reler o Concílio com os olhos da tradição, mas da tradição conservadora.

IHU – Que medidas eles adotaram?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Foram medidas para impor a restauração, para não deixar que aquelas águas que extravasaram e foram muito longe fizessem estragos na Igreja, no sentido conservador. Nomeações de bispos foram feitas na linha da restauração identitária. Às vezes as nomeações saiam um pouco dessa linha, mas, os arcebispos, em geral, tinham total alinhamento com a posição de João Paulo II.

O Concílio Vaticano II dizia que não se precisava mais de Direito Canônico, porque o espírito do Concílio era mais importante, mas eles trouxeram o Código de Direito Canônico que, na atualidade, é o que mais vale na Igreja Católica. Vejo nossos irmãos evangélicos dizendo que, para nós, católicos, um Código de Direito Canônico vale mais do que o Evangelho de São Mateus. E nós, com vergonha, concordamos; infelizmente, é assim.

Fez-se também um compêndio da doutrina católica em forma de catecismo, com a publicação do Novo Catecismo da Igreja Católica. Existe a versão do catecismo amplo e uma forma abreviada. Aposto que boa parte dos seminaristas, daqueles que se formam para serem presbíteros hoje, o que conhecem mesmo é o Catecismo da Igreja Católica, talvez o catecismo abreviado, porque não estudam teologia do Concílio, mas o Catecismo.

Optou-se por fazer a formação do clero em seminários exclusivos e não abertos e em diálogo com outras pessoas que fazem outros estudos na universidade.

Houve igualmente apoio a movimentos afinados com essa linha [da restauração identitária], como, por exemplo, Opus Dei, Comunhão e Libertação, Renovação Carismática, e outros movimentos espiritualistas.

Também houve uma uniformidade teológica e um retorno à liturgia antiga e à piedade devocional. O que mais existe hoje é uma piedade voltada para a adoração do Santíssimo Sacramento.

Para dizer que esqueceram do Concílio, só faltou dizer que o leigo não deve ler a Bíblia. Mas isso não se proibiu, se bem que foram incentivadas outras coisas que não a leitura bíblica. O movimento da restauração identitária foi forte em dois pontificados seguidos, principalmente no de João Paulo II, que foi bem longo.

Restauração identitária

Para entendermos o sucesso da restauração identitária, temos que levar em conta que não se trata apenas de um sucesso dentro das quatro paredes da Igreja. A Igreja tem um papel importante no mundo ocidental, chamado democrático, e teve um papel importante durante a Guerra Fria, no combate ao comunismo. A vitória do capitalismo, na Guerra Fria, em 1990, favoreceu a hegemonia neoliberal e, portanto, uma hegemonia não religiosa. Com isso, se colocou em questão todo o trabalho religioso que havia sido feito pelo Concílio porque não se precisava mais de religião, uma vez que o neoliberalismo não é religioso.

Nesse contexto, as igrejas retomaram crenças e práticas pré-modernas, mais condizentes com o neoliberalismo. A definição perfeita de neoliberalismo é a da ex-ministra britânica Margaret Thatcher: a sociedade não existe; existem o indivíduo e sua família. O foco único da Igreja é a salvação do indivíduo e da família. Portanto, a Igreja não vai se ocupar com a sociedade, a política, os direitos humanos porque o foco é a salvação da alma, a salvação das famílias – essa é uma Igreja que se entende bem com o capitalismo na sua fase neoliberal.

Surgiu, então, o que chamamos, em sociologia, de Igreja espetáculo, a Igreja de massa. Ela passou a oferecer autoajuda sobre como as pessoas podem resolver seus problemas, como podem fazer suas terapias pessoais, superar suas dores, problemas, dificuldades, desavenças familiares, atendendo a uma clientela e não às comunidades. Esse processo estava em completo andamento quando, por outras razões, houve a renúncia de Bento XVI. A renúncia fez desmoronar o processo da restauração identitária e gerou uma crise de credibilidade. A coisa complicou quando foi eleito Francisco, que trouxe um novo alento à proposta libertadora, outro estilo de ser papa, outro estilo de ser Igreja, e pegou a restauração identitária de surpresa.

Igreja e patriarcado

Vou comentar e relacionar algumas coisas que estou pensando atualmente. Talvez isso ainda não esteja bem sólido no meu pensamento, mas é importante mencionar o que aconteceu que fez com que a Igreja Católica e as outras igrejas cristãs ficassem tão apegadas ao sistema do Ocidente cristão, à Europa e aos EUA, que são o centro do capitalismo desde o século XVI e estão ligados ao patriarcado.

Patriarcado significa sistema de poder, o poder do chefe masculino da família. O chefe da família tem a propriedade dos bens, o patrimônio, o domínio sobre a mulher e o pátrio poder sobre os filhos e filhas. Gilberto Freyre, no livro Casa-Grande & Senzala (1933), resume essa relação perfeitamente quando diz que o dono, o senhor de engenho, era dono da terra, dos homens, das mulheres. Isso tem tudo a ver com a propriedade privada da terra e a desigualdade social. O patriarcado vem garantir e naturalizar tanto a propriedade privada da terra quanto a desigualdade social e a ideia de que é normal que as pessoas sejam desiguais e não haja necessidade de pensar que todos devem ser iguais.

Com a crise do Ocidente, o capitalismo ocidental está sofrendo fraturas e o patriarcado está desmoronando e observamos uma aliança entre a Igreja e a sociedade em torno do patriarcado. Não por acaso a estrutura clerical também é patriarcal. Os ministros ordenados são quem têm o poder de distribuir a graça divina. Eles só podem ser do sexo masculino e não casados. É mais ou menos como se disséssemos: ao renunciar ao poder de chefe da família, este jovem tem o poder de chefe da Igreja. As duas coisas vêm junto: mexer com o patriarcado é mexer com a Igreja e mexer com a Igreja é mexer com o patriarcado e com a ordem social, econômica e política do Ocidente. Ou seja, abalar o patriarcado é também abalar o clero e abalar o clero é abalar o patriarcado. Este é um tema novo e importante.

IHU – Qual é o cenário eclesiástico no Brasil hoje?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Tudo que eu disse até aqui é fundamental para entendermos o que vou explicar agora, isto é, o cenário eclesiástico dos últimos dez anos, desde a eleição de Francisco como bispo de Roma. O que ocorre na Igreja brasileira e na Igreja universal é um equilíbrio instável. Quem analisa a Igreja diz que essas duas forças, isto é, os restauracionistas, que querem uma Igreja mais para Pio XII do que para João XXIII, ou mais para Pio XII do que para Francisco, e os da libertação ou, na expressão de Francisco, os da Igreja sinodal, que querem uma Igreja na qual todos caminhem juntos, às vezes parecem ganhar força, às vezes, parecem perdê-la. Ambos avançam e depois recuam.

Esse desequilíbrio é, politicamente, muito importante porque a Igreja Católica e as evangélicas também têm um poder convocatório e mobilizador muito grande. A Igreja é capaz de mobilizar uma parte importante da população. Ao longo do século XX, vimos como o setor liberacionista teve hegemonia na Igreja e isso deu um reforço às causas populares. O que seriam as lutas dos povos originários se não fosse o apoio do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, que em 1974 se pronunciou em favor das comunidades indígenas, com o documento “Y Juca Pirama – O índio: aquele que deve morrer”, dizendo que os índios não poderiam morrer? A Igreja apoiou essas causas populares quando, em pleno regime militar, um ministro do Interior disse que, em dez anos, o Brasil não teria mais índios; somente cidadãos brasileiros. O Cimi disse que o índio não podia desaparecer e não desapareceu.

Esse setor é importante politicamente, mas a restauração identitária da Igreja desarticulou o setor liberacionista e reforçou o regime clerical. Hoje, até o Papa é deslegitimado pelo episcopado, pelo clero, pelo laicato. Os grupos ditos carismáticos praticamente ignoram o Papa Francisco, não levando a sério o que ele diz. Francisco aposta na sinodalidade para recuperar aquele modelo de Igreja do Vaticano II, mas a resistência é grande.

IHU – Para onde caminha a Igreja?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – O conclave vai determinar o rumo da Igreja. O pontificado de Francisco não é eterno; ele vai terminar e a eleição do próximo papa vai determinar se vamos continuar em uma linha de mudanças imprimida pelo Concílio Vaticano II e pela sinodalidade de Francisco, ou se voltaremos atrás, para uma Igreja que será cada vez mais pequenina, uma Igreja de museu. A Igreja conservadora restauracionista tem a vocação de cidade histórica, como Ouro Preto, Mariana, ou seja, é uma cidade bonita para visitarmos de vez em quando, mas não é ali que está a vida. Essa é, portanto, uma Igreja que vai perdendo a vida. É um desafio que está à frente.

IHU – Qual é a situação da Igreja no Brasil?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – A Igreja no Brasil está quase paralisada: mal consegue controlar os bolsonaristas – têm bolsonaristas internamente, alguns implícitos, outros, explícitos –, abafa denúncias de abusos, como os abusos sexuais e, claramente, está perdendo fiéis porque volta-se para dentro, insistindo no passado, como as cidades históricas que acham que o mais importante nas cidades é o centro histórico e não a cidade que cresceu em torno. Por outro lado, dentro desta mesma Igreja quase paralisada existem espaços de renovação que são muito importantes. Um deles é o Projeto Encantar a Política, que, no ano passado, foi uma maneira de despertar milhares de pessoas, na área católica, para a importância de fazer política, a partir das encíclicas do Papa Francisco. Foi uma tentativa de mostrar que a Doutrina Social da Igreja é tão importante quanto a doutrina moral ou familiar. Não se pode ficar falando de família e sexualidade como se isso fosse a chave do catolicismo ou do cristianismo, esquecendo-se da doutrina social.

O 15º Encontro Intereclesial de Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, que vai acontecer em julho deste ano, no Mato Grosso, também é uma iniciativa importante. Com toda dificuldade, as Comunidades Eclesiais de Base existem, estão aí e vão se encontrar. Talvez desse encontro renasçam coisas novas; da antiga raiz, talvez, venha um broto novo.

A Campanha da Fraternidade de 2023, sobre a fome, também mobilizou muitas pessoas. A atuação de comissões como a de Justiça e Paz, o Centro Dom Helder Camara de Fé e Política, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi, a pastoral junto aos povos originários, a Pastoral da Terra e várias outras atividades que propriamente não estão ligadas a uma pastoral de conjunto na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, são iniciativas importantes. A CNBB é uma colcha de retalhos, mas cada grupo usa o espaço pastoral com certa autonomia e o importante é que vai prestando um serviço à sociedade.

A eleição da CNBB, em abril deste ano, deu força à ala restauracionista. A mudança na presidência não fez muita diferença, mas, certamente, na secretaria geral da CNBB, que é um posto-chave, fez. Dá força à ala restauracionista. Na eleição do conselho episcopal de pastoral há empate. Vemos mais ou menos seis a seis. Mas como o secretário-geral é chave, não vamos esperar que a CNBB, daqui para frente, esteja mais avançada do que foi na última presidência.

IHU – Que ações sugere para a Igreja daqui para frente?

Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Vou mencionar pistas de ação para cristãos que, como eu, se situam dentro deste movimento de uma Igreja sinodal, que quer estar do lado dos pobres, do povo, vivendo a beleza que foi o modelo de Igreja proposto pelo Concílio.

O momento atual é o de consolidar posições. Ou seja, neste momento de disputa de terreno e de dificuldades, precisamos garantir o que já se tem: manter os espaços pastorais e impedir o avanço do clericalismo. Acabar com o clericalismo me parece quase impossível hoje, mas impedir seu avanço é possível. Isso significa, basicamente, evitar ações que impliquem desgaste. Ou seja, só entrar em um debate ou ação quando tivermos certa probabilidade de ganhar. O importante é reforçar a autonomia dos grupos, movimentos e pastorais, sem romper com a instituição eclesiástica. Em fazer isso a Igreja, felizmente, é muito boa. A Igreja tem uma categoria que acho ótima – os padres não gostam, mas é prática –: ser católico e não ser praticante. Ou seja, podemos estar dentro da Igreja mesmo se não estamos em completa sintonia com o bispo ou o pároco local. É possível aproveitar essa margem para promover eventos dentro desse espaço.

Outra linha que me parece importante é articular-se com outras entidades cristãs. Outras igrejas estão vivendo conflitos muito semelhantes ao nosso, em que grupos fazem de tudo para reforçar e garantir a manutenção do patriarcado, enquanto grupos renovadores querem uma igreja ecumênica, aberta, igualitária, povo de Deus. Temos que estar mais próximos de outros grupos, formando comunidades ecumênicas, para atravessar o deserto religioso que temos pela frente.

A Igreja Católica do Brasil no atual contexto sociopolítico. Uma análise transdisciplinar:

Comentários de Eduardo Hoornaert à exposição de Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Dioceses

A diocese é uma criação do Império Romano que foi adotada na Igreja e até hoje está causando muitos problemas.

Igreja, neoliberalismo e restauração identitária

A Igreja colaborou no fortalecimento do neoliberalismo. Digo a mesma coisa sobre a restauração identitária. É interessante comparar o trabalho de João Paulo II e o de Bento XVI na volta para o Vaticano I. É isso mesmo que aconteceu.

Igreja e patriarcado

Em 1962, quando o Papa João XXIII abriu o Concílio Vaticano II, o Serviço de Saúde Pública dos EUA liberou a pílula anticoncepcional. Eu me pergunto o que teve mais influência no curso da história dos últimos 60 anos: o Vaticano II ou a adesão imediata, universal, das mulheres à pílula. Aqui se trata de uma coisa que mudou a face da Terra, mudou a composição das famílias, e mudou a Igreja. As mulheres não mandam mais seus filhos para a missa. Mas são as mulheres que, muitas vezes, sustentam a vocação sacerdotal de um jovem. Se a mulher não assume essa tarefa que era dela, o mundo muda rapidamente; e muda com uma revolução silenciosa de grande repercussão. Ora, nenhum texto do Vaticano II comenta a questão da pílula. Pelo contrário, Paulo VI comete a ignorância [de não abordar o tema]; [ele está] totalmente fora do que está acontecendo. A mulher começou a se equiparar ao homem, a ter emprego próprio, a ter conta própria no banco. Esse ponto é importante para mostrar que a Igreja não vê tudo.

Cenário eclesiástico – sinodalidade

Sobre o cenário eclesiástico, existe aqui um tema importante: a sinodalidade do Papa Francisco vai além do Vaticano II e veio para ficar. A sinodalidade é algo que vai muito mais fundo do que estamos percebendo até agora. No realidade, é a relativização da forma da ação católica no século IV, que foi o desastre do imperador Constantino. A sinodalidade volta para um modelo de Igreja anterior ao modelo diocesano, antes de a Igreja ser baseada na sucessão dos bispos. Nos séculos II e III existe uma Igreja realmente sinodal.

Cenário eclesiástico – pastoral de conjunto

Vou levantar a questão sobre a ideia de pastoral de conjunto. Meu comentário é baseado na biografia de Helder Camara. Se há um homem na hierarquia católica que lutou pela pastoral de conjunto, foi Dom Helder Camara. E se há um homem que percebeu que essa pastoral de conjunto é um caminho errado, foi Helder Camara. Ele já tinha mais de 60 anos, no começo da década de 1960, quando, depois de viajar pelo mundo inteiro, percebeu que a pastoral de conjunto, ou seja, o princípio do consenso, não é o caminho. O caminho são as minorias abraâmicas. É saudável que não exista uma pastoral de conjunto porque isso abre caminho para a Igreja começar a trabalhar com o princípio minoritário, que é o princípio de Abraão, o princípio de Jesus. A sinodalidade do Papa Francisco vai nesta linha e, em minha opinião, veio para ficar.

Ações para o futuro

As sugestões de ação para o futuro do Pedro [de Oliveira] são muito católicas. O que podemos chamar de decadência do catolicismo é um dado positivo porque o catolicismo é uma criação histórica e toda criação histórica pode ser mudada, pode ser trabalhada. Eu confrontaria o discurso muito católico com a visão das minorias abraâmicas de Helder Camara.

O cristianismo e a revelação de Deus em tempos de irrelevância cristã

Comentários de Paulo Suess à exposição de Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Concílio Vaticano II e as missões

O Concílio foi um divisor de águas. Isso é visto em um exemplo muito concreto na missiologia. Chegamos até o Concílio com a visão [missionária] de Francisco Xavier, missionário no Japão, recentemente elogiado pelo Papa – e a Igreja o confirma como padroeiro das Missões. Depois do Concílio, a doutrina de Xavier foi abandonada, contestada. Quando ele chegou perto do Japão, o povo perguntou sobre a situação dos seus ancestrais na religião dele. Eles estavam dispostos a aceitar a religião cristã, mas queriam levar a sua família para dentro do reino. Xavier dizia que não havia mais chance de rezar pelos ancestrais porque a sorte deles já estava decidida; estavam todos no inferno porque quem não morrer na Igreja Católica vai para o inferno. Diante disso, os japoneses decidiam ficar como viveram até então, com seus ancestrais.

Na carta 40, Francisco Xavier explica essa ideia, esse monopólio salvífico por ele afirmado, pelo qual foi proclamado padroeiro das Missões, juntamente com Santa Teresinha. Até hoje essa visão não foi explicitamente renunciada, mas o Concílio permitiu que pagãos ou pessoas de outras religiões também possam se salvar, mas não se sabe como. Abriu-se uma brecha, uma margem, e isso complicou a situação para a missiologia no seguinte sentido: para que nós vamos correr [para anunciar o Evangelho] se eles se salvam de qualquer jeito? Podemos pular na água para salvar alguém que caiu e não sabe nadar, mas, quando esse que caiu na água sabe nadar, não precisamos correr atrás dele. Digo isso para caracterizar a ruptura [que ocorreu], que não é uma reforma. Na prática, talvez possa se dizer que foi uma reforma porque ela não foi logo aplicada e, quando se descobriu isso, vieram as contestações e uma parte da Igreja ficou e fica, até hoje, com a doutrina de Francisco Xavier, e não com seu heroísmo.

O Concílio também foi importante para nós, na Igreja. Em 1972, foi construída a pastoral indigenista e procurou-se pensar sobre a nossa presença entre eles.

Concílio – ruptura e restauração

O próprio Ratzinger percebeu, naturalmente, que houve rupturas e as revestiu com a túnica da reforma. Ele sabia que era uma ruptura e queria, certamente, desfazê-la e restaurar a identidade anterior. Eu diria que não precisamos desprezar a questão da identidade, desde que se dê um caráter histórico à identidade. A identidade caminha, muda, mas uma certa identidade é importante. Na pastoral dos povos indígenas, nós afirmamos sempre que estamos lutando pela sua identidade. Não encontramos outra palavra.

Código de Direito Canônico, sinodalidade, consensos e divergências

O Código de Direito Canônico às vezes nos impede de realizar algumas ações e ritos e, às vezes, nos ampara. O direito canônico nos dá um amparo, principalmente, na sinodalidade que vocês apontam como o futuro. Entretanto, tudo pode ser abusado, inclusive a sinodalidade. Tenho a impressão de que a sinodalidade precisa ser protegida porque não está resolvido como fica a questão do consenso, da unanimidade. Às vezes me dá a impressão de que o Papa está muito preocupado, principalmente depois do Sínodo da Amazônia, com a unanimidade. No Concílio nunca houve unanimidade; houve votações, com muitas discussões. A maioria votou a favor, mas sempre existiram votos contrários. Nós precisamos aceitar que no pluricultural, no plurirreligioso, nem sempre é possível o consenso. Pela física, sabemos que a luz só aparece entre dois polos, o negativo e o positivo. A convivência também gera muita luz, com opiniões distintas e até mesmo opostas. A questão é que nenhuma das propostas pode ser eliminatória no sentido de querer eliminar a outra parte. Opiniões distintas são saudáveis porque a unanimidade só gera ditaduras, não corpos vivos.

Conferências episcopais X Conferência eclesiástica

Vivemos a experiência de criar a sinodalidade na continuidade das conferências episcopais latino-americanas. Entretanto, o Papa Francisco disse que seria interessante transformar o que seria a sexta conferência episcopal da Igreja latino-americana e caribenha em uma primeira assembleia eclesial. Ou seja, ao invés de episcopal, eclesial. Na noção de eclesial, o povo de Deus estaria integrado. E assim se realizou a primeira assembleia eclesial, em 2021, em substituição ao que seria a sexta assembleia episcopal depois da assembleia de Aparecida.

As quatro assembleias episcopais foram boas. Se hoje citamos a conferência de Puebla, Medellín ou Aparecida, recorremos a certos textos de referência importantes. Até hoje, esses documentos nos ajudam a trabalhar a questão indígena. Na assembleia eclesial, com o povo de Deus, retomando a ideia da Lumen gentium, tivemos uma grande plateia virtual, com 800 ou mil participantes, sendo que 80 deles se encontraram presencialmente no México, mas, até agora, não conseguiram produzir um texto final do encontro. Esta é a primeira assembleia que não conseguiu escrever um texto final. Uma comissão de teólogos ficou encarregada dessa tarefa, mas levou um ano para produzir um documento que ninguém conhece, que ninguém leu, que não dá a marca a esta assembleia eclesial porque não foi elaborado por ela.

Com isso, quero dizer que com a sinodalidade também podemos entrar numa fria ou em uma manipulação. Neste caso, houve inexperiência, com mil pessoas participando virtualmente, perguntando como vamos fazer. O Concílio conseguiu, com mil participantes, criar documentos importantes.

Conjuntura eclesial – 60ª Assembleia da CNBB

Para tratar da Igreja Católica no atual contexto, vou retomar a questão das assembleias dos bispos porque elas são um espelho da Igreja brasileira no atual contexto sociopolítico. Depois, comentarei as eleições da assembleia e os desafios que se tornaram sonhos.

O resumo da mensagem da 60ª Assembleia da CNBB diz que a Igreja é legal – não no sentido jurídico, mas popular. No Brasil legal, nada nos abala. Os desafios, longe de nos desanimarem, nos estimulam, nos dão forças; experimentamos a comunhão a partir de nossas diversidades. Nosso povo reza por nós em Aparecida. A comunidade responde com solidariedade fraterna as consequências das tragédias socioambientais. Observa-se um compromisso concidadão na defesa da democracia. Observa-se uma responsabilidade social face ao drama da fome que nos assola. Com alegria, reconhecemos em tudo isso o eficaz testemunho de Jesus ressuscitado. Claro que é uma mensagem ao povo de Deus, que quer estimular o povo, mas não sei se partiram de um estado real ou se foi um texto para o povo ler e se animar com o ânimo dos bispos.

O texto continua mencionando a preocupação com os flagelos, o autoritarismo, e segue toda a ladainha sobre desinformações, desigualdades, racismo e tudo que encontramos nesse tipo de análise: doenças, tráfico de drogas, analfabetismo, migrações forçadas, juventude sem oportunidades, feminicídio, precarização do trabalho, agressões à casa comum. Ou seja, apresenta-se tudo de ruim. Quer dizer que a Igreja legal também precisa olhar para essas preocupações.

No Brasil, dos que se dizem católicos, 70% não frequentam a Igreja. Isso quer dizer que a prática do catolicismo é mais escassa que sua presença cultural. 5% dos católicos que frequentam a Igreja vão à missa dominical. Desse número, metade é bolsonarista e metade é liberacionista. Às vezes, na porta da Igreja, alguns já questionam a homilia, dizem que o Papa falou outra coisa. Isso mostra que a situação não está assim, tão feliz e animadora, como está descrito no texto. A presença cultural do catolicismo é muito maior do que a prática do Senhor. Nos compromissos, andamos em águas mornas, sem compromisso profético na altura das preocupações, causando um desinteresse na mídia, como se observou nessa conferência. A 60ª Assembleia poderia ter despertado um interesse especial na imprensa, o que não aconteceu. O católico normal nem sabia o que estava acontecendo porque no seu jornal não apareceu nada sobre.

A nossa missão em defesa das vítimas onde ficou? E a missão das causas perdidas, como memória perigosa de outro mundo possível, de um grito profético? Não observamos isso; será que está presente? Precisamos criar um espaço de corresponsabilidade, diz a mensagem ao povo de Deus. Sejamos ativos na reabilitação da sociedade ferida, assumamos nosso dever social, cooperando com os governos por uma opção radical pela vida. Conclamamos a sociedade brasileira para construir um projeto de reconciliação e pacificação. Mas fica tudo um pouco no ar; não ajuda na realização.

60ª Assembleia da CNBB – eleições

A última parte da assembleia foram as eleições, a da presidência e a do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), que trata de todo o leque pastoral: ação missionária, vida consagrada, laicato, liturgia, ecumenismo, setor bíblico, ação sociotransformadora, educação, cultura, juventude, família, comunicação. Todas essas áreas têm um departamento e um presidente.

Vou analisar as eleições a partir das regiões, da região amazônica, por exemplo. O presidente é do Rio Grande do Sul, o secretário-geral, que é quem faz o trabalho, é gaúcho. Não tenho nada contra os gaúchos, mas temos que pensar sobre a presença física das regiões na CNBB. Eu falo da Amazônia. A Amazônia não está presente fisicamente. Outros estados também não estão representados nas doze presidências do CONSEP nem nas eleições da presidência: Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia. Ou seja, o Norte não está representado na eleição da CNBB. Será que lá não tinham pessoas desses estados para serem eleitas? Nenhum bispo? Como vamos defender a causa da Amazônia sem ter esse pessoal presente, sem ter algum bispo que represente a região? Creio que esta foi uma falha bastante grave. De toda a região Norte, só tem um representante, dom Teodoro Mendes Tavares, bispo de Ponta de Pedras, Pará, que é responsável, nas comissões, pelo ecumenismo e diálogo inter-religioso. Ele mesmo veio de Cabo Verde; a congregação o enviou para o Brasil.

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Desafios que se tornaram sonho

Em 1972, os bispos da Amazônia se reuniram em Santarém, Pará, e definiram diretrizes importantes, quando criou-se a pastoral missionária. Definiu-se como linhas prioritárias a encarnação na realidade, a inculturação, a evangelização libertadora, a formação de agentes de pastoral e a criação de comunidades cristãs de base. Dois meses antes havia sido criado o Conselho Indigenista Missionário – Cimi. Não lembro de algum outro plano pastoral das dioceses que já tivesse tal aplicação do Concílio no seu plano pastoral, como o da região amazônica.

Décadas depois, chegamos ao Sínodo para a Amazônia. O Papa queria a participação do povo de Deus. Então se fez uma longa preparação nas comunidades, com reuniões de grupos, que responderam a questionários. Mais de oito mil pessoas participaram. Tudo isso resultou no Documento Final do Sínodo para a Amazônia. Esse processo lembra um pouco a origem do Cimi, em 1972. Quando não sabíamos como prosseguir com nossa pastoral, chamávamos os índios para uma assembleia geral dos povos indígenas. Realizamos aproximadamente 20 encontros assim e os índios sempre nos deram impulsos. Quer dizer, o que se praticou no Sínodo para a Amazônia já praticamos no Cimi há muito tempo, mas não temos o monopólio sobre isso.

Igreja na Amazônia e ministérios à luz do Sínodo Amazônico e da exortação Querida Amazônia

No Documento Final do Sínodo para a Amazônia, trabalhado pelos bispos, cada item foi votado e o resultado foi um texto ótimo: o documento final da assembleia para a Amazônia, que foi entregue ao Papa. Apresentamos quatro desafios no documento dos bispos e o Papa os transformou em sonhos.

O Papa fala muito sobre a audição, sobre ouvir no caminhar sinodal, mas só ouvir não é suficiente. Precisamos, depois de ouvir, transformar isso em “um seguir”. Tentamos fazer isso na medida do possível. O Cimi celebrou 50 anos de existência e um dos pontos importantes foi pedir perdão porque sempre ficamos devendo. É importante saber pedir perdão aos nossos povos; nós, como representantes da Igreja, no estilo antigo, que falhamos muito.

A Amazônia é hoje um dos últimos centros de expansão do capitalismo. Ainda querem ocupá-la, cortar as árvores, extrair os minérios. Este é o último território de expansão do capitalismo e de acumulação do extrativismo, de aceleração do desenvolvimentismo, com banditismo causador da violência, e de uma guerra civil que acontece em nosso país e é rasteiramente mencionada. Nesta Amazônia, segundo o apelo do Papa Francisco, a Igreja deve servir na animação de processos, não de eventos. É bom fazer um congresso eucarístico em Manaus, mas é mais importante perguntar como está a nossa presença nas comunidades. Elas têm acesso à eucaristia ou celebramos a eucaristia somente na capital? Pouco ou quase nada avançou nesse sentido.

Nova eclesiologia

Sinodalidade, participação do povo de Deus, nova eclesiologia. Como estão todas essas coisas nas nossas comunidades da Amazônia? Mudou alguma coisa? Falta ministerialidade.

Nós detectamos os problemas. O problema da Amazônia é pluricultural, as múltiplas culturas, e as grandes distâncias. O que poderíamos fazer quanto a isso? Vamos dar para as comunidades a possibilidade de ser comunidade plena, com acesso aos ministérios. Mas não avançamos. O Documento Final do Sínodo para a Amazônia procurou avançar, fez propostas concretas, mas não foram aceitas. Elas foram entregues ao Papa e depois ele as devolveu com a Querida Amazônia. Sabemos que ele está lá com o coração e com paixão, mas ele devolveu. Colocamos a bola na frente do gol, era só fazer o gol, mas ele colocou a bola de volta no campo e sugeriu fazer outra coisa, uma Conferência Eclesial da Amazônia.

Nós sugerimos um rito amazônico, que foi a última questão que entrou no documento. Mas das cem propostas que estão no documento, optou-se pelo mais complicado, que é fazer um rito amazônico. Mas perguntaram para as comunidades se esse era o primeiro problema? De novo, uma cúpula da conferência episcopal da Amazônia decidiu começar um rito amazônico não tendo a imaginação do que isso significa no ambiente plural e de multiplicidade de povos e grupos, que não são todos indígenas. O povo vai participar da confecção do rito às comunidades? Propus recorrermos às comunidades, como fizemos antigamente, recorrer aos índios e perguntar o que acham. É complicado, para resumir. Sei que para o Papa também é complicado. Ele queria correr mais rápido. O Papa sabe que temos uma dívida histórica, mas não pode pagá-la à vista; é preciso pagá-la em parcelas. Vejo o Papa acenando com sua bengala, nos dizendo, parafraseando Guimarães Rosa: “Moço, Deus é paciente. O contrário é o diabo.” Será? É complicado.

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