18 Março 2024
O livro “A sinodalidade no processo pastoral da Igreja no Brasil: contribuições do 2º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral” (Loyola, 2023), organizado por Geraldo Luiz de Mori e Francisco das Chagas de Albuquerque, doutores em Teologia, recolhe parte dos conteúdos das conferências, dos painéis e dos seminários do II Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral e oferece subsídios importantes para pensar a sinodalidade no processo pastoral da Igreja no Brasil.
O grupo de pesquisa “Teologia e Pastoral”, do PPG em Teologia da FAJE, foi a instância inicial de discussão sobre a temática e a organização do 2º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral. Este evento realizado entre os dias 2 e 5 de maio de 2022, mesmo mês em que se comemoravam os 15 anos da Conferência de Aparecida (13-30/05/2007), teve como tema “A Sinodalidade no processo pastoral da Igreja no Brasil”. Seu objetivo geral foi oferecer, a teólogos e teólogas, estudantes de teologia e áreas afins, pastoralistas e lideranças eclesiais, uma oportunidade de aprofundar o significado da sinodalidade na dinâmica da Igreja católica no Brasil, resgatando e valorizando as práticas sinodais que nela surgiram depois do Concílio, descobrindo os novos desafios que a Igreja enfrenta para viver a sinodalidade enquanto comunhão, participação e missão.
Para atingir esse objetivo, foram traçados os seguintes objetivos específicos:
Imagem: Divulgação
À luz destes objetivos que deram vida às discussões no II Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral posteriormente organizou-se a presente obra que está dividida em seis partes:
A primeira parte, “A sinodalidade na história e na Igreja do Brasil” (p. 27-95), traz três capítulos:
No primeiro texto intitulado “A história da sinodalidade” (p. 29-48), escrito por Luiz Antônio Pinheiro lança-se luzes sobre o conceito de sinodalidade e suas diversas “traduções” na história. O autor não tem a pretensão de traçar uma “história da sinodalidade”, mas apresentar alguns tópicos da sinodalidade da Igreja ao longo dos séculos, entendendo que esta bimilenar experiência, que deu certo, pode ainda ajudar os batizados e batizadas a discernirem os caminhos do Espírito no avançado século XXI.
No segundo texto “Aspectos sobre a sinodalidade na história e na Igreja do Brasil” (p. 49-68) de autoria de Ney de Souza chama-se atenção para a experiência sinodal vivida pela Igreja do Brasil a partir do Concílio Vaticano II. Especificamente este estudo objetiva retratar as dimensões históricas da sinodalidade -, apresentando num primeiro um panorama dos primórdios da Igreja e da temática da sinodalidade. Em seguida, adentra esta mesma temática no Vaticano II (1962-1965) e seus desdobramentos na Igreja do Brasil no século XX, especialmente no período pós-conciliar.
No terceiro texto “Francisco e a sinodalidade” (p. 69-95) Francisco de Aquino Junior faz retomada do conceito “sinodalidade no pontificado de Francisco", salientando que ao tratar o tema da sinodalidade, na perspectiva de Francisco, tratamos de uma dimensão de uma dimensão constitutiva da Igreja ou algo que diz respeito à própria natureza da Igreja, podendo-se afirmar também ser esse o núcleo/cerne de sua compreensão e perspectiva eclesiais uma espécie de pressuposto eclesiológico ou de uma eclesiologia mais ou menos explícita e elaborada, por isso, para compreender bem essa perspectiva eclesiológica de Francisco eclesiológica de Francisco, é preciso situá-la no processo de renovação no processo de renovação conciliar da Igreja, explicitar seus fundamentos teológicos-eclesiológicos e se enfrentar com os desafios de sua vivência/realização no atual contexto eclesial.
A segunda parte, “A sinodalidade em outras Igrejas cristãs” (p. 97-127), é composta de dois capítulos, um sobre a experiência sinodal da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, de Marcos Jair Ebeling, e outro sobre a experiência sinodal da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, de Cleusa Caldeira.
Ebeling no seu texto contribui com a reflexão do tema da sinodalidade a partir da ótica e do modo de compreender na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (p. 99-110), dando destaque para fundamentos teológicos na perspectiva do documento “Discipulado Permanente e o Catecumenato Permanente” na IECLB e servir como o fundamental da Igreja de Jesus Cristo e uma breve análise do Conceito do Sacerdócio Geral de todas as pessoas que creem. Num segundo momento o autor faz uma partilha sobre a ideia e a prática da sinodalidade na IECLB, chama a atenção para os cuidados necessários e dificuldades na caminhada. Por fim, traz uma provocação: o concito de Comunidade Adulta conforme o teólogo e pastor Gotfried Brakemeir e os conceitos de procissão e processo em Mary Daly.
Por sua vez, Cleusa Caldeira destaca no seu texto a questão da ordenação das mulheres no Presbiterianismo brasileiro (p. 111-127). Partindo do testemunho pessoal de sua experiência de ordenação ao ministério pastoral na Igreja Reformada – destaca o funcionamento da hierarquia no sistema de governo presbiteriano e como esse sistema mantém os crentes em comunhão enquanto realiza sua missão, permitindo com isso examinar em que medida essa Igreja vivencia a sinodalidade.
A terceira, “Expressões e espaços de sinodalidade”, reúne dois textos, um sobre os aspectos canônicos da sinodalidade de autoria de Alberto Montealegre Vieira Neves, José Carlos Linhares Pontes Júnior (p. 131-164), e outro sobre os ministérios leigos numa Igreja sinodal escrito por Maria Inês de Castro Millen (p. 165-177).
A quarta parte, “Experiências sinodais na Igreja católica do Brasil” (p. 179-219), traz cinco contribuições.
A primeira sobre o planejamento participativo como pedagogia de construção de uma Igreja sinodal (p. 181-193) de autoria de Manoel José de Godoy. O propósito de Godoy neste teto é explicitar a experiência de planejamento pastoral participativo, como uma das expressões mais significativas de sinodalidade da Igreja no Brasil trazendo, para isso, pontuações para que possamos ter uma visão global dessa experiência.
A segunda reflexão destaca a experiência sinodal vivida nos Intereclesiais das CEBs (p. 187-193). Marilza José Lopes Schuina destaca neste texto algumas características comuns das Comunidades Eclesiais de Base, elementos da sinodalidade das CEBs e o papel desempenhado pelo Intereclesiais, com destaque particular para o 15º Intereclesial das CEBs.
A terceira reflexão aborda as Assembleias dos Organismos do Povo de Deus (p. 195-208). Nestas páginas Laudelino Augusto dos Santos Azevedo, tendo com pano de fundo os escritos de Dom Demétrio Valentini, bispo emérito de Jales/SP e outras referências apresenta a memória histórica das Assembleias dos Organismos do Povo de Deus, os objetivos gerais das ANOPD, as assembleias realizadas, o estatuto jurídico entre outras informações. Estes elementos mostram as razões e justificam porquê as ANOPD constituem uma forte expressão de sinodalidade da Igreja no Brasil.
No quarto texto, Paulo Suess ressalta a experiência sinodal vivida pelo Conselho Indigenista Missionário (p. 209-215). Outra experiência de sinodalidade é destacada na quinta reflexão (p. 217-219). Maria Soares Camargo narra sua experiência na assessoria do Setor Pastoral Social da CNBB como uma colaboração de sinodalidade.
A quinta parte, “Desafios e obstáculos à sinodalidade” (p. 221-231), possui quatro textos: um sobre os desafios de se pensar a questão “mulheres e sinodalidade”, dois sobre o clericalismo e o novo clero no Brasil, um sobre os desafios de uma formação em perspectiva sinodal nos seminários.
Em relação aos desafios à situação da mulher na Igreja (p. 223-231), Alzirinha Souza, sem a pretensão de recuperar todas as questões referentes à situação da mulher na Igreja, conhecida em profundidade por muitas mulheres, sobretudo pelas que são atuantes na pastoral que são hoje percentualmente a base feminina da Igreja, retoma suas contribuições feitas em diferentes eventos eclesiais chamando a atenção para o papel das mulheres e sua situação no contexto eclesial, a partir de três grandes exercícios de colegialidade da era moderna: O Concílio Vaticano II, para a Igreja universal, as Conferências Gerais do CELAM em Medellín e Puebla, para a América Latina e Caribe.
No tocante ao clericalismo e o novo clero no Brasil, João Décio Passos (p. 233-252), com um olhar sociológico mostra porque esta tendência que conta com uma base estrutural e outra cultural na comunidade católica atual é por definição antissinodal, ressaltando, por isso, o clericalismo como um obstáculo à conversão sinodal da Igreja um vez que se apresenta como seu opositor instituído na estrutura e na cultura católicas.
Por sua vez, Andréa Damacena Martins traz considerações sobre a sinodalidade e clericalismo a partir da pesquisa “O novo rosto do clero – perfil dos padre novos no Brasil” (p. 253-271), identificando em primeiro lugar os informes da pesquisa, conforme lugares dentro da estrutura eclesial reconhecendo a posição dos agentes pastorais. Explora em seguida suas ideias e discursos sobre os seguintes temas pastorais: lacunas na ação pastoral; mudanças mais urgentes na Igreja; o que consideram ultrapassado no modelo de ministério dos padres das décadas de 1970-1980; qual o modo de se vestir do padre consideram mais adequado para ele cumprir sua missão no mundo de hoje, o que veem de positivo no modelo dos presbíteros de 1970-1980. Conclui traçando considerações sobre o perfil atual das posições do clero e agentes pastorais sobre a sinodalidade, segundo a comparação entre as perspectivas sociopastorais.
No que se refere à formação para os candidatos ao ministério presbiteral (p. 273-289), Carlos Sérgio Viana traz um comentário provocativo para que a Igreja toda, em sua diversidade e comunhão, volte-se para o processo formativo como sua responsabilidade – e, entendendo que se não praticarmos a sinodalidade no processo formativo, os futuros presbíteros serão privados de uma identidade central de ser Igreja não só em tempos de papa Francisco, mas da Igreja de Jesus que caminha com seu povo.
A última parte, “Horizontes da sinodalidade” (p. 291-344) traz quatro textos: um texto sobre a Conferência de Aparecida, outro sobre a experiência da Primeira Assembleia Eclesial, outro sobre a conversão à qual a Igreja do continente latino-americano e caribenho é chamada outro com um balanço sobre a “escuta” realizada na Igreja do Brasil e da América Latina e Caribe.
O primeiro texto intitulado “Aparecida: 15 anos!” (p. 293-299) apresenta uma reflexão feita por Dom Dimas Lara Barbosa sobre os quinze anos da Conferência de Aparecida realizada no ano de 2007 classificando que esta Conferência Geral como um evento extremamente marcante, não apenas para a Igreja na América Latina, mas para o próprio magistério do papa Francisco, além de ter sido uma grande experiência de sinodalidade.
Maria Inês Vieira Ribeiro na reflexão sobre a Assembleia Eclesial da América Latina (p. 301-313) ressalta que a importância desta Assembleia convocada quatorze anos depois de Aparecida está muito além de sua conclusão e das tensões nela vividas. Ela abriu as portas para uma experiência de Igreja que pode responder de forma mais adequada às novas exigências históricas.
“Da cegueira à luz no caminhar juntos/as: a Igreja latino-americana no processo de conversão sinodal” (p. 315-326) de autoria de Maurício López Oropeza, traduz algumas moções que vêm de dois eventos recentes, o Sínodo Especial da Igreja Universal sobre a Amazônia, que começou em 2017, teve sua fase de Assembleia em Roma em 2019, e ainda está em processo; e a Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que começou em janeiro de 2021, teve sua fase plenária em novembro do mesmo ano, e ainda está em pleno movimento em conexão com o Sínodo Universal sobre a Sinodalidade. São, no entender do autor processos inacabados e limitados, mas cheios de ensinamentos porque são caminhos de discernimento em comum e de escuta genuína do povo de Deus.
O último texto “Um balanço sobre a escuta na Igreja do Brasil, da América Latina e do Caribe” (p. 327-344) elaborado por Geraldo De Mori não corresponde a um conteúdo apresentado no 2º Congresso. Ele foi inserido nesta obra pelo fato dela ter sido publicada após a elaboração da “síntese” da escuta feita na Igreja do Brasil e da “síntese” dos encontros regionais organizados para a etapa continental na América Latina e Caribe, processos nos quais o autor esteve envolvido e que ajudam a ampliar o horizonte da discussão do tema.
Um livro bem sinodal... Concordamos com os organizadores quando dizem que as temáticas abordadas no 2º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral, reunidas nessa obra, oferecem uma contribuição importante para a discussão da problemática da sinodalidade na Igreja, mas também para as pesquisas acadêmicas que se interessam pelo modo como se organiza uma das instituições religiosas com maior presença e capilaridade no país, tendo marcado profundamente sua história e hoje se defrontando com novos e urgentes desafios para seguir realizando sua missão, que, sem dúvida é a do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo numa sociedade ainda marcada por enormes disparidades entre ricos e pobres, mas também cada vez mais impactada pela fragmentação e pela supervalorização do indivíduo pós ou hipermoderno.
Com as palavras de Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães no Prefácio (p. 13-18) destacamos ser essa obra uma preciosidade que tem uma diversidade harmônica, com bons conteúdos, é uma profissão de esperança viva. Ela aborda, como não poderia deixar de fazer, os desafios e obstáculos à sinodalidade na Igreja de hoje, de uma forma altamente impactante e provocativa, assim como, ao mesmo tempo, impacta quando abre horizontes, narra e analisa experiências, dialoga com outras Igrejas cristãs e recorda a história da sinodalidade.
Uma contribuição importante para as atuais discussões sobre o processo sinodal em curso no conjunto da Igreja no Brasil. Que os textos aqui publicados possam contribuir para fazer avançar certas discussões e para abrir novos horizontes, tanto na instituição eclesial privilegiada nos textos, quanto na sociedade em que ela está atuando.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A sinodalidade no processo pastoral da Igreja no Brasil. Contribuições do 2º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU