02 Novembro 2023
"Francisco impulsiona a Igreja para que ela não permaneça fossilizada nas estruturas mentais clericais, hierárquicas e historicamente condicionadas do passado. O projeto de Bergoglio baseia-se na paciência e na tenacidade. A resiliência da tartaruga precisamente".
O comentário é de Marco Politi, jornalista, ensaísta italiano e vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 02-11-2023.
As últimas imagens do Sínodo Universal (Sessão 2023) mostraram mais uma vez a sala Paulo VI no Vaticano com aquelas trinta e cinco mesas redondas, que lembram o jantar de gala num cruzeiro ou um luxuoso cassino onde se tenta a sorte. Mas por trás da disposição dos móveis havia uma estratégia precisa e o resultado de quatro semanas de reuniões confirmou que a direção férrea imposta pelo Papa Bergoglio alcançou alguns objetivos prioritários".
No pontificado de Francisco, o Sínodo sobre a “sinodalidade”, centrado nos conceitos de Comunhão, Participação e Missão, é de crucial importância. Deveria ser a obra fundamental do pontificado, um empreendimento destinado a remodelar o papel e a estrutura da Igreja Católica, desenhando o seu perfil para o século XXI.
Se o cardeal Carlo Maria Martini, pouco antes da sua morte, denunciou uma Igreja “200 anos atrasada”, cheia de poeira, com este Sínodo Francisco pretende encontrar o caminho para revitalizar a presença do catolicismo na sociedade de hoje. Não em oposição, mas de forma interativa, dando força à mensagem do Evangelho e envolvendo toda a comunidade dos fiéis. “Todos os discípulos, todos os missionários”, afirma o documento final.
Uma primeira amostra surgiu com a reestruturação do Sínodo, alargando o direito de voto aos leigos e, em particular, às mulheres. As cinquenta e quatro “mães sinodais”, que chegam para discutir em igualdade de condições com bispos e cardeais, constituem uma autêntica revolução. Depois de 1700 anos, as mulheres entram pela primeira vez num parlamento de bispos. É uma viragem irreversível, destinada a repercutir nas conferências episcopais nacionais e na prática decisória das Igrejas Católicas nos vários continentes.
Durante as semanas de outubro foi abordado praticamente todo o tema da Igreja contemporânea: da linguagem litúrgica à atenção aos pobres, marginalizados e migrantes, da relação com os contextos multiculturais à relação entre a sinodalidade e o primado do pontífice, do diaconato feminino ao celibato dos padres, das avaliações das ações dos bispos contra o clericalismo, dos debates sobre a identidade sexual à observação de que o corpo dos fiéis ignora em grande parte os ensinamentos do Concílio Vaticano II, a doutrina social da Igreja e as encíclicas dos papas.
Na verdade, o atual Sínodo é uma espécie de mini-concílio e o resultado final deverá indicar algumas orientações para a Igreja no século XXI, num planeta em tumultuosa transformação.
Ao impor sigilo às intervenções e limitar ao máximo o debate na assembleia plenária (favorecendo discussões em “mesas” em grupos de 10 a 12 pessoas), Francisco evitou que o Sínodo se tornasse um campo de batalha entre as facções conservadoras e reformistas.
Objetivo alcançado: os trabalhos sinodais não destacaram a guerra civil que consome a Igreja Católica há oito anos.
A outra intenção do pontífice era forçar o partido do Pântano a se expressar. Aquela vasta área central que quase nunca fala, que não se posiciona por medo e incerteza. Nas mesas todos tinham que falar, fazer propostas, expressar críticas e dúvidas.
O terceiro objetivo era remover o estigma do tabu de cada assunto. Seja o celibato sacerdotal ou a poligamia. Também isto é um viático para o futuro. O resultado foi um documento final votado por esmagadora maioria, que facilmente ultrapassou dois terços dos votos “sim” (quórum necessário para a validade dos documentos da assembleia eclesial).
Em última análise, a oposição expressa sobre as questões do diaconato feminino (277 sim, 69 não), do celibato sacerdotal (291 sim, 55 não) ou da inclusão de antigos padres nas responsabilidades paroquiais nunca excedeu 20 por cento da assembleia. Um resultado notável.
Contudo, olhando o documento final com um olhar político, de análise do funcionamento da estrutura eclesial, fica claro que a grande maioria dos votos favoráveis se uniram em torno de um texto que muitas vezes expõe os problemas sem propor escolhas precisas.
Francisco, para não cair nas amargas controvérsias que marcaram os últimos anos - a começar pelo fracasso em chegar a um acordo claro nos sínodos de 2014-2015 sobre a família para dar a comunhão às pessoas divorciadas e recasadas (uma prática que o Papa argentino então admitiu indiretamente numa nota de rodapé do seu documento pós-sinodal Amoris laetitia) – está a implementar a estratégia das tartarugas. Avançar passo a passo.
Não é sequer um dado adquirido que determinados objetivos serão alcançados no próximo ano. Alguns projetos de propostas também poderiam ser encaminhados ao próximo pontificado para decisão final.
Na realidade, a Igreja Católica está numa grande transição, com os jovens a distanciarem-se rapidamente das estruturas eclesiais. Mas não depende apenas de escândalos de abusos ou de controvérsias sobre a bênção dos casais homossexuais: a crise é mais profunda, sinaliza uma desconexão dos significados últimos de Deus, de Cristo e da massa. Nesta transição, Francisco impulsiona a Igreja para que ela não permaneça fossilizada nas estruturas mentais clericais, hierárquicas e historicamente condicionadas do passado.
O projeto de Bergoglio baseia-se na paciência e na tenacidade. A resiliência da tartaruga precisamente. Não há dúvida, porém, que a sessão final do Sínodo, em outubro de 2025, terá de produzir um documento com algumas decisões bem definidas. E é aí que a oposição de 20 por cento poderia reunir a resistência dos moderados tradicionalistas, atingindo facilmente 30 por cento ou mais. Para bloquear inovações indesejáveis. A batalha apenas começou.
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O Papa encerra o Sínodo e impulsiona a Igreja com a estratégia da tartaruga: avançar passo a passo. Artigo de Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU