26 Junho 2024
"As visitas “ad limina” e a pirâmide (não) invertida: de que século vem o formulário dos Bispos?", questiona Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado no seu blog Come Se Non, 24-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quanto às perguntas com que a Congregação (hoje Dicastério dos Bispos) se dirige aos diversos sujeitos envolvidos nos vários processos necessários à sua atividade administrativa, um aspecto já me havia impressionado há alguns anos.
Parecia, de fato, que a partir de 2007-2008, tinha se tornado normal considerar como qualificadora para um candidato ao episcopado a sua “sensibilidade” em celebrar com o VO. Na época escrevi a respeito e sobre a feia inclinação de ordenar apenas aqueles candidatos que se tivessem expressado favoravelmente a respeito do chamado “usus antiquior” do rito romano. Também tinha visto colegas que, tornando-se subitamente disponíveis àquela sensibilidade, tinham feito carreiras seguras. Que a disposição a favor ao MP Summorum Pontificum fosse considerado uma condição para considerar um candidato apto à ordenação episcopal, parecia-me ser uma forma de transformar o processo administrativo numa seleção ideológica e num condicionamento incorreto dos comportamentos. Felizmente, depois de 2013, as coisas mudaram e esse “vulnus” desapareceu dos critérios de discernimento.
Nos últimos dias, por puro acaso, deparei-me com um fenômeno diferente, que não diz respeito a novas nomeações, mas à verificação dos bispos já ordenados, digamos “já em serviço”. No site do Dicastério para os Bispos existe um “Formulário para o relatório quinquenal” no qual a Cúria do Papa apresenta algumas perguntas aos Bispos, cuja formulação em alguns casos suscita profundas perplexidades. Algumas perguntas demonstram uma mentalidade tão atrasada e uma forma de redução burocrática do ministério episcopal que merecem um mínimo de exame crítico. É preciso dizer que a sua formulação remonta, como está escrito no texto, a 1997.
O objetivo do formulário é “favorecer a comunhão entre as Igrejas Particulares e o Romano Pontífice”. É claro que, para favorecer a comunhão, seria necessário falar uma língua comum. Além disso, como sempre explico aos meus alunos, o ponto decisivo não é dar respostas, mas sim formular bem as perguntas. Por isso fiquei surpreso ao encontrar, no documento, perguntas mal formuladas, de forma distorcida e muito tendenciosa, utilizando categorias e noções que ninguém, com razão, usaria em público: como se, precisamente na intimidade da relação de comunhão entre bispos e Papa, se pudesse ser “sinceros” e se pudesse dizer “toda a verdade” (mas distorcida e unilateral). Apresento aqui alguns exemplos, obviamente deixando de lado as abundantes partes puramente documentais da coleta de dados sobre órgãos, estruturas e pessoas.
De algum interesse é o “esquema sistemático” das perguntas, que já indica um “ordo” bastante arcaico:
IV. Vida cristã litúrgica e sacramental: Os santos na Igreja
V. Educação católica
VI. Catequese
VII. Ministério e vida do clero
VIII. Institutos de vida consagrada e Sociedades de vida apostólica
IX. Vida missionária
X. Laicos
XI. Ecumenismo
XII. Outras religiões
XIII. Pastoral da família
XIV. Evangelização da cultura
XV. Meios de comunicação social
XVI. Justiça social e doutrina social da Igreja
XVII. Caridade, promoção humana e cristã
XVIII. Pastoral em saúde
XIX. Pastoral dos migrantes e dos itinerantes
XX. Bens artísticos e históricos da Igreja
XXI. Situação econômica da diocese
XXII. Avaliação geral e perspectivas de futuro
Nesse esquema geral aparecem, aqui e ali, perguntas formuladas noutro tempo e com intenções que deveriam ter sido superadas. Aqui estão alguns exemplos, com breve comentário:
Sob o título IV se lê:
c) Penitência. Formação das consciências sobre o sentido do pecado e pregação da conversão; celebrações penitenciais. Uso de um local adequado para o sacramento da Penitência e respeito pelos fiéis que desejam utilizar o confessionário equipado com grade fixa. Pregação sobre a necessidade de confessar os pecados mortais antes de se aproximar da comunhão eucarística. Observância dos dias penitenciais; jejum e abstinência e obras de misericórdia na prática da vida cristã.
Pergunto-me se essas possam ser as questões fundamentais sobre as quais um Bispo deve informar o Papa: de cada perfil do sacramento é colocado sob a lente um elemento secundário, negligenciando todos os primários. Como é possível que um tema decisivo possa ser a “grade fixa” ou a “doutrina das indulgências”? Em que século foi escrito esse texto burocrático? Está se percebendo que aqui estão sendo consultados “bispos”?
Sob o título XIII se lê:
1…Atentados à família no âmbito da diocese: coabitação de fato, famílias monoparentais (e mães solteiras ou sozinhas), divórcio, pseudouniões dos homossexuais.
3. Ação da Igreja ou dos católicos (isolados e associados) em defesa dos direitos da família, junto às autoridades políticas e junto à opinião pública. Iniciativas implementadas pelos organismos diocesanos para a transmissão do ensinamento da Igreja sobre a moralidade sexual, o casamento e o respeito pela vida humana.
Ainda mais nesse caso estamos a décadas de distância dos tons e dos conteúdos de Amoris laetitia. E pergunto-me: é lícito que os responsáveis da Cúria ignorem que a linguagem que utilizam (que se esgota terminologicamente na segunda metade do século XX) contrasta não só com a sensibilidade dos batizados (que cresceu, mesmo que eles tenham ficado para trás), mas com as expressões mais recentes do magistério papal? Pode a cúria romana usar a linguagem de 80 anos atrás, prejulgando as diferentes formas de “família” em categorias completamente distorcidas?
Sob o título XIV:
2. Problema da secularização e do relativismo dos valores morais e dos costumes. Extensão do ateísmo teórico e prático na diocese. Causas e remédios pastorais. Formação nos seminários e nas faculdades de teologia sobre as correntes de pensamento alimentadas pelo ateísmo ou pela não crença prática, portanto sensibilização positiva dos seminaristas e dos sacerdotes para a cultura como campo e meio privilegiado de apostolado.
Também nesse texto, a redação resulta desatualizada pelo menos em 70 anos. Houve secularização, tornou-se agora “pós-secularização” e a Cúria continua a pedir aos Bispos que falem do ateísmo como se vivessem em 1958 e não em 2024. Como é possível que a inércia de um texto, que já era velho em 1997, possa hoje ter a autoridade de orientar as relações de todos os bispos do mundo? Como é possível que a amplitude cultural seja tão pobre?
Talvez lendo aquele Formulário se possa compreender melhor o esforço com que o Papa e alguns Dicastérios romanos, apesar das boas intenções expressas também apertis verbis, permanecem condicionados por essas categorias desfasadas e forçadas, que refletem mais estilos antimodernistas pré-conciliares do que reais confrontos com o mundo e com a fé, numa tentativa de compreender os novos fenômenos com categorias diferentes daquelas que os prejudicam irremediavelmente.
A comunhão entre os Bispos e o Papa, que se celebra a cada 5 anos com as “visitas ad limina Apostolorum” deve nutrir-se de “parresia”, não de formulários apologéticos, com estilo antiquado e sistemática ultrapassada, muitas vezes escritos em pura terminologia burocrática e com uma pré-compreensão que perverte irremediavelmente uma “igreja em saída”. Precisamente no momento em que encontra os Bispos, o Papa deveria falar com palavras de uma “Igreja sem saída”? De uma igreja como “pirâmide não invertível”, de uma igreja “monolítica” em vez que “poliedro”?
O Papa, no momento em que recebe os Bispos, isto é, no momento em que pode fazer os discursos mais abertos e solícitos sobre as famílias, sobre a penitência e sobre a cultura, não merece ser precedido por esses formulários escritos em gabinetes sem janelas e com ar viciado. Um papa que é filho do Concílio não pode depender de textos concebidos por homens que mostram que nada aprenderam do estilo conciliar. A sua obstinação obtusa em repetir incessantemente o nosso passado menos glorioso não pode condicionar a relação entre Bispos e Bispo de Roma. Em algumas passagens não secundárias do Formulário fala uma igreja autorreferencial e fechada, a respeito da qual Jesus está à porta e bate, porque quer sair. Mas os formulários não são “de direito divino”.
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Nos formulários dos Bispos a pirâmide não é invertida: visitas ad limina e pré-concílio. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU