24 Mai 2022
"A afirmação assusta, mas é preciso ter a coragem desta denúncia: não falta o testemunho (sempre inadequado ao Evangelho!), não falta a disposição para trabalhar, porque a Igreja hoje está cansada, exausta, mas falta a fé a partir do povo de Deus. Se não se acredita que Jesus Cristo está vivo, ressuscitou dos mortos e venceu a morte, que razão há para se professar cristãos?", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 23-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Abre-se hoje a assembleia dos bispos italianos, chamados sobretudo a ler juntos o hoje de Deus para a Igreja, a perscrutar os sinais dos tempos que devem direcionar as escolhas e delinear, para o futuro próximo, os passos a serem dados. Não é um momento fácil, porque se tornou cada vez mais evidente a crise eclesial em muitos de seus aspectos.
Após a pandemia, as ruas voltaram a ficar lotadas, mas as igrejas continuam vazias, com uma diminuição de participantes às assembleias litúrgicas que preocupa e deve questionar. As motivações que habitualmente se identificam para ilustrar esta crise iniciada nos anos 1980 - secularização, mudança de vida na sociedade do bem-estar, consumismo, relativismo moral - já não são mais suficientes para explicar a aceleração com a qual fomos introduzidos numa sociedade pós-cristã e numa cultura da qual o cristianismo foi expulso. Havíamos anunciado tempos em que as igrejas cristãs teriam o status de minorias, mas tínhamos certeza de que seriam minorias capazes de injetar diástases saudáveis na sociedade. Hoje não temos mais certeza: a indiferença em relação ao cristianismo é tão imperante que parece ter reprimido a demanda de sentido.
É difícil definir esse fenômeno: não é declínio, não é decadência moral, não é falta de pensamento abalizado, mas permanece um desvanecimento silencioso, visível apenas para quem frequenta as igrejas e constada uma debandada especialmente dos jovens da liturgia. Gastamos cinquenta anos na evangelização, em um empenho que a Igreja italiana soube honrar e viver com seriedade, mas o resultado é uma esterilidade crescente.
A Igreja italiana se esforçou para encontrar novos caminhos, inspirando-se de forma convicta no Concílio Vaticano II mais do que outras Igrejas europeias, mas o que resta reconhecer é que a crise atual é sobretudo de fé.
A afirmação assusta, mas é preciso ter a coragem desta denúncia: não falta o testemunho (sempre inadequado ao Evangelho!), não falta a disposição para trabalhar, porque a Igreja hoje está cansada, exausta, mas falta a fé a partir do povo de Deus. Se não se acredita que Jesus Cristo está vivo, ressuscitou dos mortos e venceu a morte, que razão há para se professar cristãos?
Se não se acredita que a morte é apenas um êxodo, que haverá um juízo sobre a atuação humana e uma vida além da morte, por que se tornar cristão e perseverar nessa pertença? Não basta a ética para ser cristãos: os seres humanos sabem ter uma ética. Não basta a espiritualidade: os seres humanos sabem criá-la. Mas se não há mais a memória que transmite a fé, como será possível ser cristãos?
Hoje a "igreja queima", o "rebanho está perdido" e, acima de tudo, dividido mais do que nunca, mas se não nos questionarmos sobre a fé, a agonia na Europa continuará. Os bispos italianos saberão indicar que a verdadeira urgência é despertar a fé "nua e pendurada na cruz", sem correr atrás da opinião dominante e sem reduzir a fé a uma mensagem ética?
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Os bispos italianos e a crise de fé. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU