26 Junho 2024
Penso que a viagem do Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, a Beirute é, hoje, o produto mais alto de uma diplomacia incomparável em serviço e visão. Só a visita, em si, é uma obra-prima a serviço da paz: não apenas no Líbano, mas no mundo. Uma guerra declarada entre Hezbollah e Israel, por mais improvável que seja, levaria, de fato, a uma catástrofe ilimitada. As improbabilidades poderiam tornar-se realidade, mesmo por um pequeno erro de cálculo político.
O artigo é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, publicado por Settimana News, 25-06-2024.
Preparada pela pouco propagandeada missão libanesa do cardeal Gugerotti na capital libanesa, concluída há poucos dias, a missão de Parolin – inexplicavelmente subestimada por muitos meios de comunicação – chega justamente no momento mais delicado dos temores pela auto-destruição do Líbano, encarnada pela retórica fanática do líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, que chegou a ameaçar Chipre, Estado membro da União Europeia: ele prometeu destruí-lo se oferecesse suas bases ao exército israelense. Quem sabe se Nasrallah, nas próximas horas, estenderá suas ameaças a Creta, Sicília, Sardenha ou talvez à Córsega.
Enquanto isso, no Líbano, ninguém pestaneja diante da notícia – não confirmada, mas considerada notória e, portanto, verdadeira – de que a milícia de Nasrallah transformou o aeroporto de Beirute (o único ativo em todo o Líbano) em seu armazém privado: um depósito 'civil' cheio de armas e munições. É o mesmo aeroporto onde desembarcou o cardeal Parolin, certamente consciente dos boatos que circulam na cidade e que asseguram que há muitas armas escondidas em todos os lugares, começando por bairros controlados pelos grupos cristãos aliados do Hezbollah. Estes confiam que os milicianos pró-iranianos e khomeinistas retribuam elegendo seu candidato a novo Presidente da República. A eleição terá que acontecer, mais cedo ou mais tarde, naturalmente, no Parlamento, onde o Hezbollah tem muitos votos.
Para se ter uma ideia de quanto a questão é acalorada, basta lembrar que o Presidente deveria ser eleito em outubro de 2022: por tradição consolidada, deve ser um cristão maronita; mas o Hezbollah aceita apenas um nome, um maronita amigo pessoal do déspota sírio Bashar al-Assad (!), e isso, penso eu, basta para dizer quem ele é.
A urgência de desbloquear a nomeação do Presidente estará na agenda do Secretário de Estado do Vaticano? Acho que sim. A Secretaria de Estado do Vaticano conhece bem a consorciata que por aquelas bandas sabe chegar até à cegueira e ao auto-lesionismo, como bem demonstra a história iniciada com a guerra civil, que explodiu em 1975 e durou 15 anos!
A absoluta inadequação da política libanesa – inclusive dos segmentos cristãos – Parolin a conhece como poucos, devido à sua antiga e qualificadíssima frequência nesse país. Para tentar salvar o Líbano da destrutividade da guerra com Israel, Parolin certamente tentará refletir sobre a carga de autodestrutividade que reside na casta libanesa.
Isso não é mais apenas uma hipótese. Recordo os trágicos acontecimentos de 2006: quando, no confronto armado com o Hezbollah, Israel bombardeou o aeroporto civil de Beirute, transformado em um depósito de armas pelo Hezbollah; fatos seguidos pela ruína de 2020, quando explodiu o porto civil de Beirute, com um belo pedaço da cidade, pois o Hezbollah havia armazenado, clandestinamente, toneladas de nitrato de amônio após a curiosa apreensão de um navio de carga cujo armador logo faliu. Esse pó explosivo foi conservado, contra todas as leis, no porto, porque o Hezbollah – que o controlava, como ainda controla – o usava para sua guerra na Síria.
A explosão ocorreu em 2020, na véspera da sentença do Tribunal Especial Internacional que reconhecia os operativos do Hezbollah como executores do assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri. O governo da época – como o atual, liderado pelo Hezbollah – impediu qualquer investigação, ameaçando os magistrados encarregados. Assim, a investigação sobre aquela explosão – imediatamente passada à história com uma imagem semelhante a um cogumelo atômico – está agora desvanecida e encoberta, paradigma de toda a vida de Beirute, uma cidade moribunda.
Parolin não poderá deixar de reconhecer ao patriarca maronita Beshara Rai por ter rompido – talvez tardiamente, mas por ter feito isso – o muro de silêncio com o Hezbollah que partes importantes da política cristã ainda mantêm. A liderança do patriarca tem outras deficiências que a emergência existencial de hoje certamente não apaga, mas que passa a ser secundária.
Hoje, uma verdadeira salvação do Líbano passa pela capacidade dos cristãos de conter a agressividade israelense, isolando e rejeitando a retórica – claramente fanática – do Hezbollah: um esforço que até agora não foi visto. O objetivo é fazer do Líbano um país dono de si mesmo e, portanto, da política nacional de defesa, não mais uma colônia do Irã entregue a Nasrallah.
Como em 2006, quando o Irã não gastou um dólar para reconstruir o Líbano destruído por Nasrallah e sua sede de guerra com Israel – aliás, bem recompensada – também hoje o Irã não gasta e não gastaria nada para reconstruir Beirute. E duvido que outros países árabes pretendam fazê-lo, como fizeram então.
Seria bom que os cristãos libaneses entendessem isso e o dissessem, alto e claro, para todos. Teerã considera o Iraque – não o Líbano – a verdadeira joia da coroa imperial persa. Para o posto avançado libanês, no máximo, Teerã ofereceria algumas gotas de sangue sírio.
O esforço iraniano pelo Líbano, portanto, se limita a rearmar o Hezbollah, mesmo entre os escombros, como aconteceu em 2006. Mas outra guerra agora aumentaria esses escombros como montanhas. A expressão, agora frequentemente usada, é "Beirute como uma segunda Gaza": se encaixa perfeitamente!
Contar que o cardeal Parolin consiga, nestes poucos dias, curar os líderes políticos cristãos da síndrome presidencial que os levou até a cumplicidade e à destruição econômica de seu próprio país, talvez seja demais. No entanto, espero que ele consiga freá-los e detê-los em sua corrida louca rumo ao abismo que o Hezbollah preparou: pelo menos o suficiente para preservar o Líbano.
Este país continua sendo o único de onde pode ressurgir o sonho de um outro Oriente Médio. Ainda carrega a mensagem com que João Paulo II o identificou: a mensagem de viver juntos, sendo diferentes. Por isso, o Líbano deve sobreviver. E Parolin está entre os poucos no mundo que compreendem seu valor mediterrâneo.
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Diário de Guerra (59) Parolin no Líbano. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU