23 Fevereiro 2024
"Certamente, se Israel decidir restringir o acesso de seus cidadãos muçulmanos à Praça das Mesquitas de Jerusalém durante o próximo Ramadã, estará presenteando o Hamas e a guerra religiosa: já foi dito por fontes militares israelenses autorizadas; para que eu deveria repetir isso? Enquanto penso nisso, minha atenção é atraída por uma notícia quase negligenciada por todos: está lá há horas, mas vejo que ninguém a menciona. Refere-se a um ponto crucial do conflito: o Irã", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 23-02-2024.
A publicação pelo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do desenho em que o artista Maupal "explica" a Quaresma e desenha Francisco enquanto, abrindo uma brecha na arame farpado que caracteriza a cena, ajuda dois prisioneiros a se libertarem dos grilhões nos pés - marcados como "ódio" e "medo" - que impedem de se mover para sair e recuperar a liberdade, me impressionou muito.
Não acredito que seja comum a arte de rua, como a de Maupal, ser publicada pelos dicastérios do Vaticano. Ao ver essa imagem, pensei que talvez seja hora de fechar este diário. Espero ter ajudado, nestes meses, algum leitor - mesmo que apenas um - a se libertar dos grilhões nos pés do ódio e do medo.
Foto: Settimana News
O fato é que o custo pessoal do esforço diário para mergulhar no abismo do ódio e do medo - e tentar sair dele - é considerável. Então, decidi voltar a escrever sobre o que me dá mais vida, em primeiro lugar, o pontificado de Francisco, que cada vez mais me parece ser a única verdadeira e boa notícia neste mundo de más notícias: de extremismo e desumanização.
Mas, enquanto digo isso, continuo circulando entre as notícias - conhecidas e esquecidas - do conflito no Oriente Médio: elas me atormentam. Estou pensando em me afastar do poço do ódio e do medo, enquanto, inevitavelmente, me pergunto se realmente - e finalmente - haverá um acordo de cessar-fogo baseado na libertação dos reféns israelenses pelo Hamas e, portanto, alívio para os sem-teto palestinos. Obviamente, espero que sim. Mas isso também me leva a voltar - sempre - ao tema da guerra.
Certamente, se Israel decidir restringir o acesso de seus cidadãos muçulmanos à Praça das Mesquitas de Jerusalém durante o próximo Ramadã, estará presenteando o Hamas e a guerra religiosa: já foi dito por fontes militares israelenses autorizadas; para que eu deveria repetir isso?
Enquanto penso nisso, minha atenção é atraída por uma notícia quase negligenciada por todos: está lá há horas, mas vejo que ninguém a menciona. Refere-se a um ponto crucial do conflito: o Irã.
Um grupo de hackers iranianos, Edalat-e ali, trouxe à tona documentos que demonstrariam que a iraniana de dezesseis anos, Nika Shakarami, foi presa em Teerã enquanto caminhava por uma rua do centro, foi estuprada e depois assassinada por membros dos aparatos de segurança, provavelmente os temidos pasdaran ou basij. Como não falo farsi, estou me referindo condicionalmente ao que é relatado pelo site de informações sobre o Irã onde li.
O fato ocorreu há alguns anos, durante os distúrbios pelo assassinato de Masha Amini, a garota morta porque não usava o véu corretamente, mas sobre ela, então, assim como sobre Nika Shakarami, não se falou mais. Segundo os cálculos divulgados, haveria cerca de 500 vítimas em circunstâncias semelhantes.
Mas no caso de Nika, não é o suficiente. O relato que emerge diz que, diante da dor da família, que a encontrou dez dias após seu desaparecimento, seu corpo foi roubado da cidade de Korramabad, privado de um enterro digno, e levado a um local remoto, onde foi enterrado.
Foi Abbas Masjedi Arani, chefe da Organização de Medicina Legal - segundo a reconstrução do que os documentos secretos iranianos poderiam mostrar - quem escreveu uma carta "muito confidencial" ao Conselho Supremo de Segurança Nacional, afirmando explicitamente: "No exame dos órgãos genitais, havia evidentes sinais de agressão ou relação sexual violenta".
A notícia me deixou chocado. E não é a única que mereceria atenção nesse monte de documentos que os hackers encontraram e trouxeram à tona.
Isolo o fato iraniano porque faz parte de um sistema do qual precisamos estar plenamente conscientes, um buraco negro que suga a vida de muitas iranianas e muitos iranianos dos quais não falamos mais. Eu me pergunto: o que nos leva a remover ou a não querer saber, a ler apenas algumas coisas e não outras?
O que acontece no mundo, não apenas no Oriente Médio - basta mencionar o caso Navalny e a impossibilidade de calar, como Germano Monti escreveu muito bem na SettimanaNews - me lembra a máxima de Spinoza: "As ações humanas não devem ser elogiadas, ridicularizadas, detestadas, mas compreendidas". Onde "compreender" obviamente não significa "justificar": significa entender o que causou ou permitiu um evento, nobre ou detestável.
Com essa chave de objetividade, penso que os piores regimes devem ser "compreendidos", para descobrir o que causa as derivações mais trágicas e, assim - somente assim - criar as condições para a mudança, das dinâmicas, dos fins e dos destinos: seja isso ou aquilo.
"Entender" certamente não significa - como alguns afirmam - esperar que, por exemplo, a justiça russa esclareça o caso Navalny: seria como esperar esclarecimentos sobre o caso de Nika da justiça iraniana.
Seria um erro igualmente colossal condenar todo o cristianismo ortodoxo como base "ideológica" do regime de Putin. O próprio Alexej Navalny era cristão ortodoxo praticante, assim como muitos muçulmanos, iranianos e não iranianos, vítimas dos mulás.
É o uso das religiões que precisa ser desmascarado ou compreendido no uso político dos regimes, evitando pintar quadros inteiros em preto e branco.
Mais uma vez, tento sair do poço onde o ódio e o medo se aninham. Procuro um caminho - certamente não o choque de civilizações - que possa abrir as verdades dos outros; e eles para as nossas. Este caminho existe, está traçado: chama-se Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado em Abu Dhabi em 2019.
É a "escada" para sair do poço. Peço a todos: queremos usá-la? É certamente possível, e o desenho de Maupal torna isso evidente para todos nós.
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Diário de guerra (35). Subindo do poço. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU