19 Fevereiro 2024
Os moradores desta cidade da Cisjordânia, um paradigma da ocupação israelense, que vivem à sombra de 800 colonos judeus e são vigiados por 2.500 militares, denunciam um aumento das humilhações desde a ofensiva em Gaza.
A reportagem é de Luis de Vega, publicada por El país, 15-02-2024.
Quatro jovens palestinos de joelhos contra um muro e com as mãos amarradas atrás com fitas brancas são vigiados por um militar israelense com um rifle em punho. Não há gritos, correrias ou tumultos. Sob a luz alaranjada de uma tarde em declínio, reina um silêncio e uma calma fantasmagóricos que envolvem uma cena tornada uma anomalia cotidiana. A cidade velha de Hebron (Cisjordânia), sob cerco militar permanente, continua sendo um dos paradigmas da ocupação israelense da Palestina.
A situação é descrita como apartheid pela Anistia Internacional e denunciada de forma sistemática por inúmeras organizações humanitárias. A guerra que eclodiu em 7 de outubro só serviu para aprofundar essa espiral perene de ódio, humilhação e restrições, segundo os testemunhos recolhidos entre os moradores. Sua vida é marcada pela presença de cerca de 800 colonos judeus, alguns muito violentos, protegidos por 2.500 militares.
Em 7 de outubro, quando o Hamas assassinou cerca de 1.200 israelenses, a onda expansiva da guerra na forma de reação militar contra Gaza também sacudiu Hebron. O exército impôs um toque de recolher que os habitantes só conseguiram aliviar parcialmente dois meses depois, recorrendo aos tribunais. "Nos primeiros 18 dias, fomos mantidos em casa, sem poder sair. Não podíamos ir à loja comprar leite, farinha ou vegetais... Nem sequer tínhamos um botijão de gás", relata Yaser Abu Marhia, de 52 anos, um dos que pediu ajuda de um advogado.
Mas Israel, explica ele, não reconheceu o que ele chama de "castigo coletivo" - vários dos entrevistados repetem essa frase - e por dias só abria alguns pontos da cidade por algumas horas às sete da manhã e às sete da tarde. "Você tinha que ficar fora de casa por essas 12 horas, mesmo que tivesse saído por apenas cinco minutos", ele reclama. Hoje, com a guerra em seu quinto mês, ainda há pontos de controle militar fechados 24 horas por dia.
Quatro escolas que costumavam receber mil alunos permanecem fechadas desde 7 de outubro, denuncia o funcionário Anan Dana em seu escritório na sede do Ministério da Educação palestino, onde há um cartaz da agência de cooperação espanhola, diretamente envolvida na reabilitação da cidade velha de Hebron. Em outros casos, como o de uma creche no bairro de Tel Rumeida, apenas nove dos 40 alunos comparecem devido ao bloqueio. "Eles usam o toque de recolher a seu bel-prazer diariamente. A restrição de movimento afeta os professores que vêm de fora, que são a maioria. O sistema educacional está desmoronando", comenta.
Em 16 de janeiro, Haya Tanineh dirigia-se para a escola onde lecionava. Estacionou o seu carro até onde era autorizada a chegar, avançou a pé em direção a um dos pontos militares e, alguns metros antes, ocorreu-lhe tirar o celular e gravar um vídeo. "Fui retida por três horas", ela explica, cansada de gastar duas horas diárias para chegar ao trabalho quando antes da guerra levava apenas 30 minutos.
Em 1997, Hebron foi dividida em duas zonas. Na área H1 (85% da cidade) vive a maioria de uma população de cerca de 200.000 habitantes, cuja segurança depende da Autoridade Nacional Palestina (ANP). As vítimas diretas da maioria das restrições são os 35.000 moradores da H2 (15%), onde está localizado o centro histórico e cuja segurança está nas mãos de Israel. Sua vida transcorre cercada por uma rede de controles militares, barreiras, arame farpado, blocos de concreto, câmeras de vigilância...
Um dos pontos de controle que estão fechados para a passagem dos moradores durante a guerra é o de Shfila, situado em um promontório entre as zonas H1 e H2, sobre o qual descem as tumbas de um cemitério judaico. Lá, Yaser Abu Marhia e seu vizinho Sheher Abu Aisha, de 64 anos, apontam para o bairro de Tel Rumeida, na H2, o mastro onde uma bandeira israelense está hasteada para explicar onde fica sua casa, quase absorvida por vários assentamentos judaicos. Ambos observam e oferecem explicações de trás de uma cerca e dois pontos de controle militar, o de Shfila e o de Tamar, este último em funcionamento. São fortalezas de grades e concreto equipadas com detectores de metais e câmeras de vigilância. Com o chamado à guerra de mais de 300.000 reservistas israelenses, alguns desses controles, argumenta Abu Marhia, foram entregues a colonos radicais que agora vestem uniforme.
Esses dois homens não conseguem chegar de carro à sua casa há duas décadas, como o restante dos moradores da H2, ao contrário dos judeus. Yaser Abu Marhia mostra no telefone fotos de como militares e colonos usam o terreno de sua casa como estacionamento. "Assim vivemos", ele aponta. Enquanto fala, ouvem-se as vozes de um homem por trás de um dos controles. "Estou aqui há duas horas", ele grita sem que ninguém o atenda.
Fawaz Abu Aisha, irmão de Sheher e funcionário de 40 anos, desliza o indicador de sua mão direita sobre uma foto aérea da cidade que serve como mapa na sede da prefeitura. Seu dedo navega de um ponto vermelho a outro. E vai contando até chegar a 25. "Esses são os controles militares que cercam a H2", conclui. Esse desvario instituído há mais de duas décadas piorou à sombra do conflito em Gaza. "Desde 7 de outubro, sofremos mais humilhações, mais restrições e mais toques de recolher... O comportamento dos militares está mais agressivo. Vivemos sob um governo de colonos", afirma Badee Dwaik, ativista local dos direitos humanos.
É preciso dar uma volta de cerca de vinte quilômetros de carro através da Cisjordânia ocupada para entrar na H2. Após passar pelo assentamento de Kyriat Arba, a estrada passa por várias barreiras militares até a cidade velha de Hebron. "Em Gaza venceremos", diz uma das pinturas ao lado da estrela de Davi, símbolo do judaísmo, que decoram as paredes deste centro histórico declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO.
Aqui, cerca de 800 colonos judeus vivem apertados e protegidos por cerca de 2.500 soldados, de acordo com as estimativas de Badee Dwaik. Os israelenses podem circular livremente pela área, com ou sem uniforme. Alguns visitantes, também judeus, vêm visitar a Tumba dos Patriarcas (mesquita de Ibrahim para os muçulmanos), local sagrado para as três religiões monoteístas, mas controlado por Israel, assim como toda a cidade velha. O EL PAÍS tem acesso depois que os soldados perguntam ao repórter qual é sua religião e fica claro que ele não é muçulmano.
"Só vim ajudar minha nação sagrada", explica Yusef, de 60 anos, judeu e ex-militar do exército vermelho da URSS, que acabou naturalizado nos Estados Unidos, de onde viajou para Israel pela primeira vez como voluntário. Perguntado sobre a tensa convivência gerada pela ocupação de Hebron, ele responde: "Em cada geração, alguém sempre tenta nos matar. A Inquisição espanhola, Hitler, Stalin... Todos falharão".
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Toques de recolher e escolas fechadas: guerra sufoca os palestinos de Hebron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU