28 Março 2023
"Mais cedo ou mais tarde certamente surgirá a questão, se vários padres atrás do altar na presença de uma dramática diminuição de presbíteros seja justamente um sinal oportuno. É verdade que mesmo as filas do outro lado do altar tornam-se cada vez mais reduzidas. Portanto, também há espaço para padres dispostos a mudar a direção do seu olhar em direção ao Senhor", escreve Jan Hendrik Stens, jornalista e editor de liturgia, em artigo publicado por Dom Radio, 24-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há 58 anos ampliava-se a possibilidade de celebrar a missa com mais padres. Mas a forma atual da concelebração desperta opiniões contrárias. Reflexões críticas sobre essa inovação litúrgica. Em uma noite de novembro, cerca de 20 anos atrás, em Roma, o autor dessas linhas estava na igreja nacional Santa Maria dell'Anima no aguardo da missa vespertina. Eu era o único presente naquela noite. E continuei sendo o único mesmo quando a celebração começou com seis ou oito padres em trajes litúrgicos no altar.
Aquela impressão de ser deixado como “comunidade” diante de um “muro de concelebração”, desde então desperta em mim um sabor negativo quando me vejo lidando com a concelebração, ainda mais porque naquela noite, inclusive no momento da troca do sinal da paz, nenhum dos padres deixou o presbitério...
Esta situação voltou à minha memória quando foi apresentado no último domingo o novo reitor do Campo Santo Teutônico em Roma. Podia-se ver o bispo de Hamburgo Bertram Meier com muitos concelebrantes atrás do altar. Embora se possa supor que a comunidade diante do altar fosse composta por mais do que um único fiel, a imagem que fica impressa na mente é clara: “Nós deste lado – vocês do outro” e levanta a questão de saber se a forma de concelebração que muitas vezes é praticada não seja uma expressão de clericalismo. O altar, que nesse contexto pode muito ser bem definido como "altar de defesa do povo”, torna-se uma linha de separação – torna-se uma linha de separação indesejada entre clero e leigos.
No ambiente dos estudantes de duas décadas atrás em Roma, que frequentavam regularmente na Gregoriana o professor de dogmática Gisbert Greshake, circulava a seguinte comparação sobre a concelebração: num passeio da empresa de motoristas de ônibus, apenas um deles pode realmente dirigir o ônibus. Para que todos os participantes possam deixar claro que eles também têm a competência em dirigir aquele veículo, cada um recebe uma folha com um volante impresso.
Mas isso por si só não tem nenhuma repercussão sobre a viagem.
O Concílio Vaticano II estabelece na sua Constituição sobre a liturgia (Sacrosanctum concilium 57,1) que a concelebração “permaneceu em uso tanto na Igreja oriental como na ocidental até hoje” e que "manifesta bem a unidade do sacerdócio". Só que esse uso até o Concílio permaneceu possível apenas em casos muito limitados. A partir da Alta Idade Média, as missas celebradas com a concelebração haviam cada vez mais se reduzido e, basicamente, eram limitadas à ordenação de bispos ou padres. A razão era, por um lado, o aumento de centros pastorais com um só padre e, por outro, os muitos altares em que se celebravam missas particulares pela salvação das almas.
O estudioso de liturgia beneditino Angelus Häußling escreve em seu artigo no Lexicon für Theologie und Kirche (Léxico para teologia e igreja), que no final do século XIX havia se imposto a missa sem fiéis - a chamada "missa privada" - como única forma para os padres participarem da missa. Isso era acompanhado pelo modelo de comportamento elevado à norma e pelo sentimento ascético, segundo o qual um bom padre celebrava a santa missa diariamente.
Com o Movimento Litúrgico o caráter da Eucaristia como ação de toda a Igreja, portanto de todos batizados, foi fortemente levado ao nível da conscientização. No início do Vaticano II foi percebido como um peso o acúmulo de celebrações privadas e de comunidade. Por ocasião dos grandes eventos, como peregrinações, congressos eucarísticos, etc. era impressionante que os padres, por causa de sua ligação com a missa privada, ficavam excluídos das grandes celebrações eucarísticas que deveriam ter unido a todos.
Assim, por diversos motivos, a Constituição sobre a liturgia (Sacrosanctum Concilium) do Concílio estendeu a concelebração. Entre as várias ocasiões em que foi proposta está a Missa crismal que é celebrada pelo bispo junto com o clero da sua diocese, e também a celebração da Quinta-feira Santa, depois as missas por ocasião dos concílios, de encontros de bispos e sínodos, mas também a missa da ordenação do abade. Além disso, o bispo em sua diocese tem a possibilidade de permitir a concelebração para as missas em conventos ou naquelas igrejas em que “o bem espiritual dos fiéis não requer a celebração isolada de todos os padres presentes” e “nos diversos encontros de padres seculares ou pertencente a uma ordem” (SC 57§1.2ab). No entanto, cada padre era deixado livre para celebrar individualmente, mas não no mesmo momento e na mesma igreja da concelebração ou na Quinta-feira Santa. Essas disposições do Concílio foram inseridas em 1965 no decreto geral “Ecclesiae semper” e foi criado um novo rito de concelebração. O direito canônico também se adaptou amplamente em sua renovação de 1983 ao desejo do Concílio.
A praxe, após a forte reintrodução da concelebração, transformou-se profundamente. No entanto as expectativas em relação a essa forma de celebração da Eucaristia divergiam e divergem.
Häußling critica a falta de reelaboração teológica e espiritual e a explicação daquela que é a forma correta da concelebração. Trata-se apenas da unificação da massa privada e comunitária? A missa celebrada pela forma da concelebração é mais solene? No caso de número excessivo de concelebrantes promove uma clericalização da celebração?
Alguns estudiosos da liturgia consideram problemática a prescrição aos concelebrantes para pronunciar juntos as palavras da consagração, para atuar na função de padres. Esse foco nas palavras da consagração fundado na teologia escolástica é, por exemplo, criticado por Häussling como “clericalismo litúrgico e sacramental interno”. Greshake também define essa forma de concelebração problemática e ainda à espera de "ser realizada de forma adequada".
O fato que na celebração da Eucaristia as palavras da consagração sejam pronunciadas "na forma predominantemente não harmoniosa de um coro celta de vozes mais ou menos síncronas”, faz com que tais palavras não pareçam mais como anúncio do Evangelho, mas como uma “fórmula quase mágica de feitiço".
Apesar disso, Greshake não é, por princípio, contrário à concelebração, que considera sensata “onde verdadeiramente uma Igreja local se representa como tal em sentido pleno na celebração eucarística". Em sua opinião, na Eucaristia concelebrada o ministério eclesial realmente se representaria no "encontro sacramental" de comunidade e de hierarquia da Igreja. Mas com pelo menos igual peso para a comunidade e para os ministros, como "iguais entre iguais". Greshake traz aqui, como exemplo, o padre que, numa pausa na escuta dos penitentes, deixa o seu confessionário e se coloca como os outros fieis em outro confessionário para receber o sacramento da reconciliação - uma imagem que muitas vezes vimos com o Papa Francisco.
Um exemplo dos nossos dias que aborda a problemática da concelebração são as celebrações que foram feitas por ocasião das reuniões do Caminho Sinodal na sala de conferências. Se aqui se tivesse recorrido à forma da concelebração, haveria um grupo de bispos e padres alinhados diante dos "não clérigos", o que seria uma contradição com a intenção fundamental do projeto de reforma. Assim nos limitamos aqui a um único celebrante, o presidente da Conferência Episcopal Alemã, que além disso não usava sequer a casula. Os demais bispos e padres que estavam na sala sentavam em seus lugares com os leigos e “concelebraram” dali com estes últimos. De fato, a concelebração – afirma Greshake – é a “representação da Igreja, ou seja, da sua unidade na multiplicidade de seus ministérios e funções”. Portanto, cada um concelebra.
De fato, nas grandes cidades com ampla oferta de missas e numerosos padres, pode-se notar com frequência alguns padres não concelebram no altar, mas o fazem como todos os fiéis. Um deles é o padre Stephan Kessler, pároco da Kunst Station Sankt Peter [1] em Colônia: "Normalmente evito a concelebração especialmente nos dias de semana, em que não tenho nenhuma obrigação pessoal de celebração. Participo de bom grado da missa em uma das numerosas igrejas da cidade de Colônia. Nisso me atenho à tradição da ordem: Bento em sua regra parte da consideração de que os padres muitas vezes vêm apenas para mostrar sua proeminência e se exibir”. Não considera impossível, mas deficitário, celebrar a missa sem povo.
Outros, ao contrário, evitam as concelebrações porque consideram que nelas sua ação presbiteral apareceria de maneira insuficiente e as comparam com as celebrações individuais sem comunidade.
Para alguns, celebrar a missa estando em um banco não é levada em consideração, pois não gostam de se sentir expostos às preferências ou às aversões de seus coirmãos no estilo de celebração – aqui os padres estão claramente em vantagem em relação aos leigos (ordenação como autodefesa). Mas são poucos os lugares, exceto as salas privadas, onde é possível a celebração sem comunidade. Um desses é a Catedral de Colônia. Quem entra na catedral de manhã cedo vê muitas vezes nas várias capelas alguns padres da catedral que – como na Idade Média – celebram a missa individualmente, ao lado das missas oficiais na capela de Nossa Senhora.
O estudioso da liturgia de Bonn, Andreas Odenthal, sabe que esse fenômeno não é aceito sem contestações. Mas ao mesmo tempo admite que na Idade Média não se tratava nem de clericalismo nem de devoção privada, mas sim de "lugar sagrado". “Ao assumir a celebração da Eucaristia, o padre celebra em representação de toda a Igreja". Odenthal acredita que, mesmo que a norma do Concílio hoje seja aquela da missa com a comunidade, a celebração de missas de forma privada não deve ser excluída.
Também para o reitor Guido Assmann, celebrar missa sem fiéis não é a primeira escolha, porque pode levar a uma fragmentação do povo de Deus. No entanto, ele acredita que deve permanecer, mas como exceção justificada, de forma que na catedral as celebrações de um único padre são reservadas aos padres mais idosos ou àqueles com compromissos que os impeçam de participar das missas programadas com a comunidade. Para Assmann, a celebração diária da missa é um assunto importante.
Isso também acontece com a concelebração, de fato, podem ser vistos com frequência no altar na catedral durante a semana vários padres juntos no altar. “Como reitor concelebro de bom grado na catedral para tornar evidente a minha unidade com o capítulo da catedral e com os fiéis na catedral”. Em vez disso, o bispo auxiliar Rolf Steinhäuser – como o padre Kessler – participa das missas com a comunidade nas igrejas da cidade. Afinal, ali nos bancos da igreja, aconteceu de ver também homens importantes da igreja como o arcebispo emérito da cúria Werner Thissen e o cardeal Paul Josef Cordes.
Mais cedo ou mais tarde certamente surgirá a questão, se vários padres atrás do altar na presença de uma dramática diminuição de presbíteros seja justamente um sinal oportuno. É verdade que mesmo as filas do outro lado do altar tornam-se cada vez mais reduzidas. Portanto, também há espaço para padres dispostos a mudar a direção do seu olhar em direção ao Senhor.
[1] Kunst-Station Sankt Peter (centro de arte de São Pedro) é um lugar único no mundo para o diálogo entre fé, liturgia e arte e música contemporâneas. A igreja gótica tardia, que ao longo dos séculos passou por diversas transformações, hoje está esvaziada de bancos, cadeiras, quadros – um vazio que dá lugar à espiritualidade, e que artistas contemporâneos moldam de formas sempre novas com a força de suas ideias. Suas obras, que confiam à comunidade por um determinado período, colocam questões existenciais e inspiram a vida dos fiéis nas celebrações.
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Concelebração e clericalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU