11 Janeiro 2022
"Discutindo com alguns coirmãos sobre o nome a escolher, um deles teria sugerido o de Adriano, 'porque Adriano VI foi um reformador e é preciso reformar'. Bergoglio pensou nisso, e a tarefa não é fácil nem mesmo hoje", escreve Aart Heering, em artigo publicado por Domani, 09-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Santa Maria dell'Anima, você pode encontrar folhetos informativos também em holandês. Nesta igreja em Roma, atrás da Praça Navona, encontra-se o único papa holandês que a Igreja Católica já teve: Adriano VI, eleito há exatos quinhentos anos, em 9 de janeiro de 1522, e falecido em 14 de setembro de 1523.
Seu túmulo, projetado por Baldassarre Peruzzi, segue os cânones artísticos da época, com um baixo-relevo representando a gloriosa entrada do papa em Roma, enriquecido pelo habitual panegírico do falecido e suas obras.
Na verdade, o “bárbaro” nórdico não foi bem recebido na Roma renascentista, e sua principal empreitada, a de responder à Reforma Protestante com uma reforma da própria Igreja, fracassou miseravelmente.
Seu breve papado, portanto, foi muitas vezes considerado um infeliz interlúdio entre dois grandes papas Médici, Leão X e Clemente VII, e a experiência de um papa estrangeiro nunca seria repetida até a eleição do cardeal polonês Karol Wojtyla em 1978. Nos últimos tempos, no entanto, Adriano foi reavaliado, inclusive pelo próprio Papa Francisco que o vinculou a uma ideia de uma igreja mais pobre e humilde, a ponto de ter considerado também a ideia de se chamar Adriano VII.
A escolha do sucessor de Leão X, que morreu em 1º de dezembro de 1521, foi o resultado de um difícil compromisso em um conclave dividido entre cardeais pró-franceses e pró-Habsburgo que acabaram concordando com o nome de um outsider ausente, o cardeal Adriaan Florisz Boeyens.
O prelado holandês era praticamente desconhecido em Roma, exceto por seus estudos bíblicos, e não estava envolvido em jogos de poder dentro da cúria. Além disso, ele já estava com 62 anos e com problemas de saúde. Em suma, a figura ideal para um papado intermediário curto.
O povo de Roma, por outro lado, não aceitou muito bem a chegada de um papa não italiano e o poeta Pietro Aretino atacou a "canalhada feia e culpada / que criou um papa sem saber como / flamengo nunca visto e sem nome".
Mas o novo papa certamente não foi o último a chegar. Nascido em Utrecht em 1459, filho de um carpinteiro, fora professor de teologia na prestigiosa Universidade de Louvain, tutor do jovem príncipe Carlos de Habsburgo, futuro imperador Carlos V, e governador da Espanha, onde a notícia de sua eleição o alcançou no final de janeiro de 1522.
Antes de poder pisar na Itália, porém, mais cinco meses se passaram e só em 31 de agosto Adriano chegou em São Pedro. Imediatamente, o novo pontífice rompeu radicalmente com os hábitos suntuosos de seus predecessores Bórgia e Médici. Ele recusou uma entrada triunfal na Cidade Eterna e em seu primeiro decreto papal proibiu o porte de armas na cidade, promulgou medidas contra "obscenidades em lugares públicos" e exilou os personagens "dissolutos". Ordenou aos cardeais que tirassem a barba, considerada objeto de vaidade, e recusou benefícios e favores a pedintes de todo tipo.
Tendo encontrado os cofres do Vaticano vazios, despediu toda a multidão de artistas, escritores, estudiosos, atores, músicos, aduladores e cortesãs que haviam povoado os palácios dos papas renascentistas. Ele interrompeu o caro projeto das Salas de Rafael no Vaticano, que mais tarde seria concluído (felizmente) por seu sucessor Clemente VII. Por fim, ele reduziu sua equipe pessoal, substituindo cozinheiros, camareiros, atendentes e acompanhantes de Leão X por uma única empregada holandesa para lavar suas roupas e preparar refeições frugais.
Apesar dos protestos dos romanos, avessos a qualquer tipo de frugalidade, Adriano se dedicou aos dois grandes perigos que ameaçavam a Igreja.
Ele tentou reunir as coroas europeias contra o sultão Suleiman, o Magnífico, que no ano anterior havia conquistado Belgrado e agora estava sitiando a ilha de Rodes, o posto avançado dos Cavaleiros Hospitalários. Em vão, no entanto: Francisco I da França e Carlos V continuaram a lutar na Itália, Rodes caiu e o avanço turco só foi interrompido em 1529 em frente aos portões de Viena.
Ainda mais grave foi o desafio colocado pela Reforma Protestante que vinha convulsionando o norte da Europa desde que Martinho Lutero, em 1517, havia publicado suas famosas 95 teses contra o tráfico de indulgências.
A indulgência papal - obtida por meio de penitência ou resgate pecuniário - era considerada um meio eficaz de reduzir o período que a alma de um defunto teria de permanecer no purgatório (que nada mais era do que uma invenção doutrinária tardo-medieval transformada depois em instrumento para engordar os cofres da igreja).
Nas primeiras décadas do século XVI, a prática havia degenerado em uma verdadeira compra e venda da salvação das almas, oferecida com tarifas mais ou menos acessíveis por pregadores itinerantes em nome do papa. A arrecadação tinha que financiar cruzadas e novas igrejas, obviamente depois de deduzir os custos de gestão.
Antes de Lutero, vozes críticas já haviam se levantado contra essa forma de financiamento de uma corte papal conhecida por seus excessos de pompa, nepotismo, simonia, concubinato e tudo o mais.
Como afirma a 86ª tese de Lutero: "Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma Basílica de São Pedro, ao vez de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?".
Lutero expressou um descontentamento geral e tornou -se em poucos anos o homem mais famoso da Alemanha, com milhões de seguidores e simpatizantes. A reação do Vaticano foi autoritária e míope.
Júlio X recusou qualquer forma de diálogo, exigindo a retratação total das teses "heréticas" de Lutero e por fim excomungando-o, na vã esperança de acertar assim as contas com aquele "pequeno monge alemão". Em vez disso, ajudou a tornar os reformadores cada vez mais anti-papistas e mais radicais, levando-os a rejeitar tudo o que não estava originalmente presente na Bíblia, mas havia sido adicionado posteriormente na tradição da igreja romana: Nossa Senhora, santos, purgatório, sacramentos (exceto batismo e matrimônio), celibato e primado do papa.
Assim, Adriano em sua chegada à Santa Sé se deparou com um cisma quase realizado. Mas, ao contrário dos cardeais da cúria, ele conhecia e compreendia os motivos dos reformadores.
O homem certo no momento errada O papa holandês foi criado na tradição da devotio moderna, um movimento religioso nascido no norte dos Países Baixos que enfatizava fortemente a religiosidade interior e a necessidade de uma vida pessoal humilde e simples. Embora ele também condenasse as teses de Lutero, compartilhava suas críticas ao comércio de indulgências e à riqueza ostensiva do clero.
Ele então fez uma última tentativa de trazer pelo menos alguns dos reformados de volta à igreja mãe. No outono de 1522, ele enviou um legado à Dieta alemã de Nuremberg, com uma mensagem clara, admitindo que nos últimos anos a Santa Sé havia sido fonte de atos desprezíveis e abuso de poder espiritual, "uma doença que se espalhou da cabeça para baixo”, e que tinha feito da Igreja Católica a “noiva deformada” de Deus. “O mundo inteiro anseia por uma reforma” e eu a farei, começando pela própria cúria, prometeu.
Mas suas palavras caíram em ouvidos surdos. Para os reformados, já radicalizados, elas eram simplesmente muito poucas e muito atrasadas, enquanto os prelados católicos, pouco propensos a mudar seu estilo de vida, as interpretaram como um gesto de fraqueza. Assim, nada foi feito, também porque Adriano nos poucos meses que restavam, sempre permaneceu um estranho em uma Roma que não o queria.
No verão de 1523 adoeceu e morreu em 14 de setembro. Cinquenta dias depois, o cardeal Giulio de Medici foi eleito papa com o nome de Clemente VII, para grande alegria dos romanos que com a volta dos Médicis esperavam - corretamente - um retorno às festas e à pompa de antigamente.
Enquanto isso, a Reforma estava rapidamente ganhando terreno em grande parte da Europa.
Somente em 1545, com a convocação do Concílio de Trento, a igreja iniciou a contrarreforma desejada por Adriano e não antes de 1562 o próprio Concílio proibiu a venda de indulgências. Mas agora a ruptura estava completa.
"Ele era o homem certo no momento errado: tarde demais para Lutero, cedo demais para a Igreja", conclui uma biografia recente de Adriano. Mas seu exemplo fez escola, como o próprio Papa Francisco lembrou, em entrevista publicada pelo jornal holandês de Volkskrant logo após sua eleição, em 13 de março de 2013.
Discutindo com alguns coirmãos sobre o nome a escolher, um deles ele teria sugerido o de Adriano, "porque Adriano VI foi um reformador e é preciso reformar". Bergoglio pensou nisso, e a tarefa não é fácil nem mesmo hoje.
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Adriano VI, o papa reformador e frugal que a igreja não entendeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU