“Antes da pandemia, havia 730 milhões de mulheres e homens em extrema pobreza no mundo. Em 2021, corre-se o risco de se chegar a 900 milhões. Um grande salto para trás.” Olivier De Schutter está acostumado com os números. Economista das prestigiosas universidades UC Louvain e SciencesPo, o atual relator especial das Nações Unidas sobre extrema pobreza e direitos humanos, porém, está convencido de que, por trás dos números, escondem-se opções políticas bem específicas.
“O esforço do combate à indigência é totalmente sustentável. Trata-se de querer”, sublinha. Por essa razão, De Schutter está engajado há semanas em uma missão junto às instituições europeias para avaliar as medidas adotadas por elas contra a miséria que a Covid está piorando. Dentro e fora do continente. Um fato, porém, longe de ser inevitável. “Com a Organização Internacional do Trabalho e o governo francês, estamos propondo um novo mecanismo para combatê-lo: o Fundo Global para a Proteção Social”.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 13-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor De Schutter, comecemos a partir do cenário geral. Devemos nos preparar para acertar as contas com um mundo mais pobre por causa da Covid?
A crise da saúde fará com que o PIB global caia pelo menos 5%. Em termos numéricos, a recessão será maior na Europa e nos EUA. As regiões em desenvolvimento, especialmente a África e o Sudeste Asiático, pagarão o custo mais salgado. Ao mesmo tempo, elas viram despencar a receita das importações na qual as suas economias se baseiam, depois da queda dos preços das matérias-primas, do valor das moedas e dos investimentos estrangeiros, que caíram pela metade em comparação com 2019. A parcela de trabalhadores ilegais, sem nenhuma proteção social, aliás, no Sul do mundo, é muito alto. As pessoas em extrema pobreza, portanto, serão entre 150 e 200 milhões a mais no próximo ano.
No entanto, a África foi uma das regiões menos afetadas pela pandemia...
Sim, é o chamado “paradoxo africano”. O continente teve menos contágios e mortes do que o esperado, provavelmente por causa da pouca idade da população, das restrições oportunas e da experiência adquirida com o Ebola. Mesmo assim, ele sofrerá o impacto social mais dramático. Os países africanos têm acesso escasso ao crédito nos mercados financeiros para compensar as perdas e ampliar a proteção social das categorias mais frágeis. Prevemos pelo menos mais 25 milhões de pessoas em extrema pobreza.
Como o Fundo Global de que se fala pode contrabalançar o efeito-Covid?
Não se trata de uma contribuição extraordinária para responder à emergência. É um instrumento permanente para encorajar os países a investirem na proteção social dos cidadãos, para que todos tenhamos um mínimo garantido para lidar com a maternidade, a velhice, o desemprego, a doença. As nações de baixa renda, sem meios para prover, seriam ajudadas pelo fundo. Com um esforço sustentável: 78 bilhões de dólares por ano, metade do que a OCDE destinou em 2019 para as ajudas ao desenvolvimento: menos de 0,15% do PIB dos países ricos.
Por que estes últimos quereriam cuidar dos pobres do Sul global?
Porque é do interesse deles. Vivemos em um mundo interconectado. Mais pobreza no Sul do planeta significa mais conflitos, mais radicalismo, mais migrações. Eu tenho muita confiança em um G20 de presidência italiana, para fazer com que os outros “Grandes” entendam isso.
Que papel a União Europeia pode ter no combate à pobreza pós-Covid, também dentro das suas próprias fronteiras?
Ainda antes, um em cada cinco europeus corria risco de exclusão social. A pandemia causou um aumento generalizado do desemprego. Além disso, em alguns países, os beneficiários de subsídios aumentaram 10%. E o pior ainda está por vir: no ano que vem, quando os governos reduzirem as ajudas públicas, muitas empresas fecharão. No âmbito da minha missão, estou examinando como mais de 1 trilhão do orçamento de 2021-2017 e os 750 bilhões do Fundo de Recuperação poderiam ser usados para reduzir a desigualdade e a pobreza. É uma oportunidade única para a Europa se reinventar, colocando a justiça no centro da sua razão de ser. Espero que ela não a desperdice.
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Covid: “A África pagará os custos mais altos.” Entrevista com Olivier De Schutter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU