06 Agosto 2019
O papa Francisco está se preparando para fazer sua segunda visita à África subsaariana no mês que vem, e parece que pode ser uma das visitas mais delicadas politicamente entre as suas 30 viagens anteriores ao exterior.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 05-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na viagem entre os dias 4 e 10 de setembro, o papa visitará Moçambique, onde um acordo de paz com um movimento guerrilheiro militante parece tênue; Madagascar, que está retornando a um governo constitucional após um golpe em 2009; e as Ilhas Maurício, onde o presidente renunciou no ano passado debaixo de uma nuvem de escândalos financeiros.
Observadores externos e os católicos das três nações esperam que o pontífice possa ajudar a aliviar as tensões em cada um desses lugares e, talvez, impulsionar movimentos pela reconciliação e unidade política.
Logotipo da viagem do Papa Francisco a Moçambique (Foto: CNS/Vatican Press Office)
O padre jesuíta Agbonkhianmeghe Orobator, presidente da Conferência da África e Madagascar da sua ordem, chamou a situação de cada país de “bastante desafiadora”.
“Minha esperança é de que, quando Francisco fizer a sua visita, a sua presença seja uma fonte de encorajamento e inspiração para as pessoas em sua luta por uma vida melhor”, disse Orobator, um nigeriano que vive no Quênia. “O papa traz graças muito necessárias de esperança, renovação e compaixão. Eu acredito que ele dará um novo coração para um povo que enfrenta tantos desafios.”
Dom António Ferreira Sandramo, bispo auxiliar da capital moçambicana, disse que está contando com Francisco para encorajar seus compatriotas a “não verem quem é diferente de você – ou a pensarem em inimigos ou em pessoas que você tem que deixar de lado –, mas sim em caminharem juntos na estrada da construção dos caminhos de bondade para todos neste país”.
“Eu acho que todo o país estará assistindo”, disse Ferreira, que está ajudando a organizar o esforço nacional para a visita a Moçambique.
Logotipo da viagem do Papa Francisco a Madagascar (Foto: CNS/Vatican Press Office)
Como de costume, o itinerário de Francisco em cada um dos três países se concentra mais em questões espirituais do que políticas. Mas o pontífice se encontrará com os líderes de cada nação e fará um discurso público a eles que será avaliado de perto.
Em Moçambique, o papa se dirigirá ao presidente Filipe Nyusi apenas cinco semanas antes de os eleitores irem às urnas, decidindo se vão reeleger Nyusi ou escolher um dos dois principais líderes da oposição.
Um dos opositores a Nyusi é Ossufo Momade, cujo partido, a Resistência Nacional (Renamo), é uma antiga guerrilha. Embora o governo tenha assinado um acordo de paz com o grupo no dia 1º de agosto, a União Europeia expressou preocupação no passado de que a eleição, se não for conduzida adequadamente, poderá minar os esforços por uma paz duradoura.
Em Madagascar, Francisco falará com o presidente Andry Rajoelina, que chegou ao poder pela primeira vez em 2009 após protestos apoiados pelos militares que derrubaram o líder eleito Marc Ravalomanana. Mais tarde, Rajoelina venceu a eleição do seu país em 2018, com cerca de 55% dos votos.
Logotipo da viagem do Papa Francisco às Ilhas Maurício (Foto: CNS/Vatican Press Office)
E, nas Ilhas Maurício, o papa se encontrará com o presidente interino Barlen Vyapoory, que assumiu o poder depois que Ameenah Gurib-Fakim, a primeira presidente do país, foi acusada de fraude com cartão de crédito.
Ferreira disse que espera que Francisco encoraje os líderes políticos de Moçambique a trabalhar por um acordo de paz oficial.
“Eu espero que o Papa Francisco encoraje esse processo, dê uma palavra de encorajamento a esse processo, não para voltar atrás, mas para alcançar a verdadeira paz”, disse o bispo. “Porque, se não houver paz, é muito difícil alcançar um nível de desenvolvimento e ajudar a tirar o país da pobreza.”
Um representante provincial da Comunidade de Santo Egídio em Moçambique também expressou a esperança de que o papa encoraje a reconciliação entre as partes.
“Há elementos que devem ser postos sobre a mesa entre o governo de Moçambique e o partido da oposição (...) sobre as armas, sobre a desmilitarização e sobre o processo de desarmamento”, disse Nelson Moda, que também é professor do Ensino Médio.
“Eu acho que o papa não vai deixar esse ponto isolado”, disse.
“As pessoas querem a paz, e nós vamos às eleições gerais em outubro”, disse Moda. “E a maior parte dos nossos conflitos dos últimos anos são conflitos pós-eleitorais. Muito tem que ser feito em termos de reconciliação, e um acordo de paz tem que ser alcançado, para que (...) não haja conflito pós-eleitoral, o que nos faria entrar de novo em guerra.”
O padre jesuíta Fulgence Ratsimbazafy, provincial da sua ordem em Madagascar, disse que, se ele pudesse fazer um pedido a Francisco sobre o que falar com os líderes políticos do seu país, seria para encorajá-los a trabalhar juntos.
Ratsimbazafy apontou para a palavra malgaxe “fihavanana”, que, segundo ele, enfatiza a construção de uma cultura da unidade, da solidariedade e do trabalho em equipe.
“O papa, como um homem das boas novas, faz parte do tema da sua visita: paz e esperança”, disse o jesuíta. “Se ele disser isso ao presidente, será muito importante.”
A única outra viagem de Francisco à África subsaariana ocorreu em novembro de 2015, quando ele visitou Quênia, Uganda e República Centro-Africana. A visita ao último país foi particularmente precária, pois ocorreu em meio a uma transição política após uma horrenda luta entre milícias muçulmanas e cristãs separadas.
Em uma homilia contundente durante a sua viagem ao país, que foi marcada pela presença de tanques blindados da ONU ao lado das rotas dos seus eventos, o papa exortou aqueles que pegaram em armas a “entregarem esses instrumentos de morte!”.
Francisco visitará Moçambique, que fica a nordeste da África do Sul, no extremo sul do continente africano, entre os dias 4 e 5 de setembro. Depois, ele segue para Madagascar, a quarta maior ilha do mundo, a cerca de 750 milhas a leste no Oceano Índico, até o dia 10 de setembro.
No dia 9 de setembro, o pontífice fará um voo de duas horas mais para leste para uma viagem de um dia às Ilhas Maurício, uma ilha menor do que o Estado de Sergipe, antes de voltar para Madagascar à noite para o voo de volta para Roma na manhã de 10 de setembro.
A agenda do papa em cada um dos países segue um formato familiar: depois de se dirigir a cada um dos líderes políticos dos países, ele se reunirá com padres, religiosos e bispos, e participará de encontros inter-religiosos.
Mas os itinerários de cada país também têm seus próprios momentos únicos.
Em Moçambique, por exemplo, Francisco visitará uma clínica administrada pela Comunidade de Santo Egídio, que atende principalmente pacientes de baixa renda com HIV/Aids. Nas Ilhas Maurício, o pontífice rezará em um santuário dedicado ao Bem-aventurado Jacques-Désiré Laval, um padre e missionário espiritano francês do século XIX que dedicou sua vida a cuidar dos escravos naquela que era então uma colônia britânica.
Francisco estará no santuário de Laval no 155º aniversário da morte do padre em 9 de setembro de 1864, que é celebrado pelos católicos todos os anos com uma peregrinação a pé por toda a ilha.
O Pe. Jean Claude Veder, diretor de um instituto de formação diocesano nas Ilhas Maurício, chamou o momento de “um grande presente de Deus”. Embora a visita seja descrita como privada, Veder disse esperar que “muitas” pessoas que realizaram a tradicional peregrinação estarão do lado de fora do santuário, esperando para ver o papa e rezar com ele.
Entre os que esperam estar lá está Lorenza Camangue, uma mulher de 21 anos de Bois d’Oiseaux, uma pequena localidade do outro lado da ilha a partir do santuário na capital de Port Louis. Camangue disse que recentemente havia visto as fotos da visita de João Paulo II ao santuário em outubro de 1989.
“Não será a mesma coisa, mas é como se eu fosse viver isso de verdade agora”, disse ela. “Não é só nas fotos. É ainda mais especial que ele esteja vindo nesse dia em particular.”
Moda, o representante da Santo Egídio, disse que a visita à clínica em Moçambique terá um enorme significado, já que é a única ocasião durante o tempo de Francisco no país que ele se encontrará diretamente com os pobres.
Moda disse que a clínica, chamada de “Dream Center”, é a única unidade de saúde privada em Moçambique que presta atendimento gratuito e é a maior operada pela Santo Egídio no país.
“Ao visitar o ‘Dream Center’, o Papa Francisco está visitando os pobres”, disse Moda, que é natural de Beira, a mais de 600 quilômetros ao norte da capital, Maputo. “Eu acho que isso tem um grande significado (...) para mostrar o carisma do Papa Francisco.”
“Visitar o nosso centro não só alegra os membros da Comunidade de Santo Egídio, mas também dá uma oportunidade para aquelas pessoas que nunca pensariam em ver ou em cumprimentar o papa pessoalmente”, disse ele. “É também um modo de deixar o papa se aproximar das pessoas necessitadas, das pessoas feridas ou com sofrimentos em suas vidas.”
Algo que não está na agenda publicada de Francisco, mas parece provável que ocorra, é uma visita aos jesuítas. O papa frequentemente passa algum tempo com os membros da sua ordem religiosa durante suas viagens ao exterior, e o Vaticano geralmente confirma os encontros apenas depois.
Ratsimbazafy, o provincial jesuíta, disse que ainda não tem certeza se haverá um encontro desses. Ele brincou dizendo que havia contado aos seus 270 coirmãos no país para “estarem prontos a todo momento”, caso o papa peça um encontro no último minuto.
Ratsimbazafy disse que gostaria de expressar a sua gratidão a Francisco por ter aprovado em fevereiro as novas preferências apostólicas universais dos jesuítas, quatro valores abrangentes que devem guiar o trabalho da ordem na próxima década.
“Somos muito gratos a ele”, disse o provincial.
Cada um dos três países que Francisco visitará é religiosamente diferente.
Em Moçambique, a população se divide principalmente entre cristãos e muçulmanos. De acordo com o último censo, em 2007, a população de quase 30 milhões tinha cerca de 56% de cristãos e cerca de 18% de muçulmanos. Entre os cristãos, cerca de metade são católicos.
Em Madagascar, o Pew Research Center estima que a população de cerca de 26 milhões é composta por cerca de 85% de cristãos, dividida igualmente entre protestantes e católicos.
O hinduísmo é a religião predominante nas Ilhas Maurício, e um censo de 2011 estimou que cerca de 49% da população de 1,3 milhão de pessoas se identificam como hindus. Cerca de 26% se identificam como católicas, e 17%, como muçulmanas.
Moda disse que um desafio para a Igreja Católica em Moçambique é a perda de católicos para as Igrejas evangélicas e pentecostais. Ele disse esperar que Francisco aborde a questão quando falar aos bispos do país no dia 5 de setembro.
“Isso tem que ser enfrentado com a realidade e com a ação prática, ao olhar para o que está faltando: onde estamos deixando de satisfazer a necessidade das pessoas na Igreja?”, disse o líder da Santo Egídio.
Ferreira, o bispo auxiliar, disse que é difícil ministrar em Moçambique devido à falta de vocações sacerdotais, e que a Igreja ainda depende da ajuda de missionários europeus e sul-americanos. Ele também destacou a necessidade de a Igreja se inculturar melhor.
“A inculturação é um grande desafio”, disse ele. “Havia um estilo nos tempos antigos: a educação religiosa colonial também era uma educação na cultura europeia. Agora, o grande desafio é como tornar essa Igreja autêntica no seu modo de rezar.”
“Seguir Jesus como africanos”, disse o bispo. “Esse é o desafio.”
Francisco também chegará a Moçambique meses depois de o país ter sofrido um dos seus piores desastres naturais, com o duplo desmoronamento provocado pelo ciclone Idai em março, que matou mais de 1.200 pessoas, ajudou a desencadear um surto devastador de cólera e causou cerca de 2 bilhões de dólares em danos.
Moda, que é natural de Beira, uma cidade costeira no centro de Moçambique onde os piores estragos ocorreram, disse que as pessoas esperam que Francisco faça uma parada especial para vê-las. Mas ele disse que entende por que o papa só vai para Maputo, a capital.
“Mesmo que o programa oficial não preveja que o papa venha para Beira, eu posso ver o entusiasmo das pessoas (...) para ir e ver o papa em Maputo”, disse ele.
“Isso me faz entender que o papa tem essa dimensão que rompe o nosso nacionalismo, o nosso etnicismo”, disse Moda. “Visitar Maputo é visitar Moçambique como país.”
“As pessoas esperam ouvir palavras que ajudem a superar os momentos sombrios pelos quais estamos passando aqui em Moçambique”, afirmou.
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Francisco visitará três países africanos, todos em tensão política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU