09 Fevereiro 2018
“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou no leproso...” (Mc 1,41)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 6° Domingo do Tempo Comum - Ciclo B (11/02/2018) que corresponde ao texto bíblico de Marcos 1,40-45.
Como as narrações anteriores do evangelista Marcos, também a deste domingo é concebida como um desvelamento da personalidade de Jesus. Autoridade e compaixão: dois atributos de Deus que Jesus deixa transparecer no encontro com as pessoas, sobretudo as enfermas e excluídas; são as feições divinas que se visibilizam no agir de Jesus.
Além disso, Marcos quer também revelar a superioridade de Jesus em relação à Lei. Ele não depende da Lei para fazer o bem às pessoas ou para reintegrar o ser humano no convívio social e religioso. Pois, a Lei é (e deveria ser sempre) para o bem das pessoas; se Ele pode curar alguém pela “autoridade”, não é preciso primeiro consultar os guardiões da Lei. Basta que, depois da cura, o leproso ofereça o sacrifício de agradecimento a Deus, conforme o rito religioso costumeiro.
Jesus não duvida em transgredir a lei quando a vida está em perigo; mesmo sabendo que Ele se fazia “impuro” ao tocar no leproso, atreve-se ao risco do contágio. O motivo de sua atuação é só um: a compaixão. Frente à situação de extrema exclusão, Jesus experimenta compaixão que faz brotar nele uma resposta amorosa; nascendo de suas entranhas e vencendo as normas rituais, a compaixão se transforma em uma palavra eficaz que devolve a vida ao homem enfermo e marginalizado.
A compaixão era já um dos atributos de Deus no AT. Jesus a faz sua em toda sua trajetória humana. É uma demonstração de que para chegar ao divino não é preciso destruir o humano. A compaixão é a forma mais humana de manifestar amor. Quando alguém sente como seu o sofrimento do outro é quando, de verdade, se fez próximo dele.
A compaixão, que toma conta do coração de Jesus, é fruto do corajoso deslocamento para a margem, para a necessidade do outro. Sua autoridade é sempre percebida como garantia e sustento da vida, pois ela é carregada de compaixão e não de poder.
Só tem "autoridade" quem garante a vida e a recupera em todas as circunstâncias. A vida do outro é a razão única da autoridade compassiva.
O outro, sua necessidade e sofrimento, será sempre a alavanca que gera no coração humano a compreensão e o exercício da autoridade como verdadeiro serviço.
Só a compaixão desloca cada um para o lugar do outro. Só a compaixão ilumina a realidade do sofrimento do outro. Só a compaixão move na direção da oferta do outro.
No relato do evangelho de hoje pode-se descobrir uma cumplicidade entre o leproso e Jesus. Os dois vão mais além da Lei: um por necessidade imperiosa, o outro por convicção profunda.
O leproso, através de seu gesto ousado de se aproximar de Jesus, sabia também que sua vida – e sua libertação da marginalidade – não dependiam do Templo e dos sacerdotes, pois estes só constatavam a cura ou a permanência da doença em seu corpo. Os sacerdotes eram impotentes: não podiam restabelecer a vida.
Diante disso, o leproso toma uma atitude radical: não vai ao sacerdote, e sim a Jesus. Ao invés de ficar à distância e gritar sua marginalização, aproxima-se de Jesus, joelha-se diante dele e pede: “se queres, tens o poder de curar-me”. Reconhece que o poder da cura (que o tira da marginalidade) não vem da religião dos sacerdotes, e sim de Jesus, fonte de libertação e vida. Viola a lei para ser curado.
O leproso, dentro de sua necessidade, reconheceu que o "querer" é de Deus. A súplica que brota do seu coração toca o centro do coração compassivo de Jesus. Esta escuta direciona a ação terapêutica d'Ele. A lição do coração de Jesus é única: o encontro de dois “quereres” que faz surgir nova vida.
Jesus, terapeuta compassivo do Espírito, revela uma presença que mobiliza o leproso a deixar emergir o Deus que habitava nele. E para isso necessita dar um passo a mais: através de suas mãos, estabelece com o enfermo um contato sanador, libera as fontes do amor que permaneciam ocultas e obstruídas. Sua ferida se converterá para ele no lugar da experiência de Deus.
O significado original do verbo “tocar” vai além de um simples e rápido contato: expressa outros sentidos: atar, enlaçar, envolver... muito mais coerente com a maneira de atuar de Jesus.
Quer dizer que Ele não só tocou o enfermo por um instante, mas que manteve essa postura durante um certo tempo. Tendo em conta o perigo do contágio que a lepra representava, podemos compreender o profundo significado do gesto, suficiente, por si mesmo, para fazer patente a atitude vital de Jesus. Não só demonstra que está acima da Lei quando se trata do bem de um homem, senão que assume o risco de contrair a lepra e tornar-se impuro também ele.
Ao tocá-lo, Jesus destravou a fonte originante da vida do leproso. Não só desapareceu a enfermidade, senão que é reconstruído em sua plena condição humana e reintegrado em seu ambiente social e religioso.
De fato, o homem, até então marginalizado, encontrou a reintegração e aproveitou-a para contar o que lhe acontecera. Mas Jesus foi ocupar o lugar do leproso, excluído para os “lugares desertos”.
De acordo com o sistema religioso vigente, ao tocar um leproso, Jesus torna-se impuro: torna-se leproso e fonte de contaminação; torna-se marginalizado e não poderá mais entrar publicamente numa cidade: deverá permanecer fora, em lugares desertos, como os marginalizados. O Filho de Deus foi morar com os excluídos. Aqui o evangelho de Marcos mostra quem é Jesus: é aquele que rompe os esquemas fechados de uma religião elitista e segregadora, indo habitar entre os banidos do convívio social.
A cura do leproso nos revela também que há outros contágios muito piores que desumanizam: preconceito, intolerância, indiferença, suspeita....
Continuamos presos à ideia de que a impureza contagia, mas o evangelho nos está dizendo que a pureza, o amor, a liberdade, a saúde, a alegria de viver... também podem contagiar. Com sua presença inspiradora Jesus contagia compaixão, bondade, acolhida... Por isso, contágios que salvam e libertam.
Este passo teríamos que dar, se de verdade queremos ser seguidores(as) de Jesus. No entanto, continuamos justificando muitos casos de marginalização sob o pretexto de nos permanecer puros.
Quantas leis, civis e religiosas, deveríamos transgredir hoje para ajudar todos os marginalizados a se reintegrarem na sociedade e na Igreja, possibilitando-lhes se sentirem como seres humanos!
O Evangelho de hoje (Marcos 1, 40-45) indica que Jesus “estendeu a mão, tocou no leproso...”.
O contato é sinônimo de calor, afeto, atenção, presença e ternura. Também expressa reconhecimento e segurança. Precisamos tocar e ser tocados para viver, necessitamos uma espiritualidade que se enraíze em nossas mãos.
O leproso se abre diante de Jesus que o toca. Que poder têm nossas mãos quando as estendemos cheias de bençãos! Que força sanadora quando aprendemos a tocar com ternura, a tocar despertando essa vida profunda debaixo da pele!...
Todos somos um pouco como o leproso e podemos nos reconhecer em seu desejo de cura e de abundância de vida. E todos podemos também ser como Jesus para os outros, quando nosso olhar está livre de preconceito, nossas mãos se estendem para quebrar distâncias e nossa voz é capaz de tocar com calor a vida profunda e escondida dos outros.
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