25 Abril 2025
O sinal de um pontificado que deixou uma marca indelével. O sinal de Jorge Bergoglio. O site L'Unità fala sobre isso com Emma Fattorini, política, historiadora e escritora italiana.
Fattorini é professora de História Contemporânea na Universidade La Sapienza de Roma e uma estudiosa da história da Igreja contemporânea, da religiosidade nas sociedades pós-modernas e do culto mariano. Sua importante produção literária inclui o recente Achille Silvestrini: la diplomazia della speranza; Italia devota: religiosità e culti tra Otto; e Novecento: Pio XI, Hitler e Mussolini. La solitudine di un papa. Em seu campo, uma autoridade absoluta.
A entrevista é de Umberto de Giovannangeli, publicada por l'Unità, 22-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que representaram o Papa Bergoglio e seu pontificado na história da Igreja Católica e fora dela?
Foi um pontificado de verdadeira descontinuidade. E desde o primeiro momento. Lembro-me como se fosse agora da primeira palavra que ele proferiu quando apareceu na sacada da Praça São Pedro depois de se tornar Papa: “Boa noite”. Isso me fez lembrar da despedida do Papa João XXIII quando, alguns dias antes de sua morte, ele disse à multidão na Praça São Pedro: “Quando forem para casa, façam uma carícia em seus filhos em nome do Papa”. Era o mesmo tom, o mesmo significado, encontrar um entendimento com as pessoas com simplicidade: eu sou um de vocês. A forma de entrar em contato de Bergoglio foi uma conversa direta com as pessoas desde o primeiro momento. Isso é o que conta. Assim, seus primeiros gestos, simples, não ostensivos, que mais tarde marcarão todo o seu pontificado. E que serão objeto de divisão e depois também de habituação. Mas que inicialmente representaram uma ruptura com o passado.
A que está se referindo?
Bem, vamos pensar em quando usava sua pasta de trabalho desgastada, a que ele sempre usou. Ou nas saídas do Vaticano para ir ao oculista; aqueles sapatos pretos gastos, mas confortáveis, viajando em um carro simples... Isso já nos dava um sinal do que estava por vir. E já os primeiros gestos, antes mesmo das palavras, se por um lado criavam tanta empatia, por outro alarmavam. Para alguns, eles representavam proximidade e, para outros, criavam indignação. Em suma, um pontificado que nasce imediatamente sob o signo da polarização, gradualmente mais e mais extrema: herético, populista, peronista para os nostálgicos de Ratzinger (com quem teria vivido em paz se não fossem as torcidas partidárias); profético revolucionário, quase “como o único líder de esquerda que restou” para os inovadores. E assim a polarização, sinal de nossos tempos conturbados, também se tornou a maldição dos tempos da Igreja. O pontificado de Bergoglio foi um pontificado de retorno ao Evangelho de forma pura e sem distorções, sem tantos comentários, tomado literalmente. Um retorno direto ao Evangelho. Um sinal, afinal de contas, característico de tantas heresias. E, afinal, seus opositores muitas vezes o estigmatizaram como herege.
Francisco, o herege...
Era considerado um jesuíta latino-americano. E isso ele realmente era. Bergoglio tinha pouca simpatia pela Europa de Bruxelas, que ele definia como fria, cinzenta, desencarnada. Ligado ao povo mais do que um populista latino-americano, Bergoglio, em cada fibra de seu ser, até as últimas horas de sua vida, testemunhava a necessidade, não apenas nos gestos, de estar com o povo, com a sua gente. Mas eu diria com todos. Uma de suas primeiras metáforas, que dá uma boa ideia da Igreja de Francisco, é a do “hospital de campanha”. Sair. Ir para as periferias, para os últimos. Ter “o cheiro das ovelhas”. E, portanto, fraternidade. Todos irmãos. Isso tinha um profundo significado teológico. Bergoglio foi o papa do povo. E que sentia o cheiro dos problemas das pessoas. Sua encíclica Laudato si', sobre a defesa da casa comum, capta uma questão fundamental na defesa da natureza, da criação, mas não é um manifesto ecológico, como foi criticado. Tem uma rara fineza teológica. Um Papa, no entanto, que carregava dentro de si uma contínua contradição interna que foi outra característica de seu pontificado.
Por exemplo?
Pensemos naqueles que antes, felizmente não mais, eram rotulados como temas “eticamente sensíveis” e controversos. Ele é o primeiro papa a se abrir para a questão LGBT. E ele o faz com a lógica “joanina”: distinguindo o pecado do pecador. Ele dizia que nós devemos valorizar a relação com as pessoas homossexuais como indivíduos; no entanto, permanecia ambíguo o juízo, o que também criava muita confusão no plano prático. Basta pensar na questão da bênção de casais homossexuais. E tantas paradas e avanços nesse sentido. Também sobre a questão das mulheres na Igreja: ele sempre se declarou aberto e, consequentemente, as promoveu a cargos de destaque na governança do Vaticano, mas não fez nenhum progresso no caminho para o diaconato feminino.
Fundamental. Essas contradições, em essência, não encobriram, entretanto, uma grande abertura sem precedentes. No entanto, nas mesmas questões, ele também permanecia conservador. Sobre o aborto, ele proferiu palavras que nunca haviam sido ditas com tanta virulência, falando de assassinatos....
Outro tema fundamental, sua tentativa de reformar a Igreja, a cúria, as hierarquias, o governo. Todos tentaram. A reforma da cúria esteve na agenda de todos os pontificados, mas ninguém jamais teve sucesso. Aqueles que desacreditam essa tentativa esquecem, ou fingem esquecer, essa verdade histórica. O que chama a atenção, também aqui, é sua contradição interna. Por um lado, ele se apresentava como um reformador, fora de todas as regras e restrições; por outro, era muito autoritário. Na história dos papas do século XX, ele poderia ser incluído entre aqueles, entre mil aspas, que eram “bem pouco democráticos”. Ele decidia sozinho. Fazia isso com aqueles seus gestos muito rápidos. Muitas vezes errava na escolha das pessoas e depois mudava de ideia. Ele fez coisas por instinto, pelo menos no topo.
Para chegar a que conclusão, professora Fattorini?
Bergoglio deixa um grande vazio em um mundo cada vez mais desordenado, povoado por líderes inquietantes, irresponsáveis. Cheio de conflitos, guerras sangrentas, ódios de todos os tipos. Dá o que pensar que a última figura pública que ele viu tenha sido Vance. A característica realmente importante do pontificado de Francisco foi estar do lado dos últimos. Sempre e em qualquer caso. Um tema que o acompanhou até seu último dia foi o do sofrimento. Seus últimos discursos foram muito profundos, as meditações matinais que ele reservava para aqueles que iam a Santa Marta e que depois circulavam, mas eram pouco conhecidas.
O sofrimento dos pobres, a dor dos últimos, dos desamparados, dos sem direitos. Dos descartados. Aqueles com quem ninguém se importa, daí o tema da imigração.
Uma das imagens que mais apreciei desse pontificado é aquela de sua solidão durante a Covid. Aquele homem idoso vestido de branco, sozinho em uma Praça São Pedro vazia, fantasmagórica, deserta e silenciosa. Essa é uma imagem que permanecerá na história.
E agora, o que poderá acontecer?
Há motivos para preocupação. Sabia-se que estava muito doente, mas nos últimos dias, com seus passeios, suas aparições em público, era possível pensar, esperar, que alguma melhora havia ocorrido, que a situação não se precipitaria tão repentinamente. Mesmo que ele parecesse fazer de tudo para não cuidar de si mesmo. Há muita confusão. Pode-se ver isso nos olhares atônitos de muitos cardeais. É de se esperar uma polarização maior do que o normal. Uma polarização sobre a nacionalidade, por exemplo. Italiano, europeu, africano, asiático...
A escolha geopolítica mais significativa de seu pontificado foi sua relação com a China. Um acordo não definitivo com a China, que é renovado e não é público. É uma história muito interessante a da Igreja com a China, feita de paradas e avanços. Bergoglio olhava para essa relação com interesse crescente e contínuo. Um olhar, o dele, para a Ásia. Hoje, no entanto, vejo muita confusão, o que reflete o que está no mundo. Talvez o novo papa venha daquele continente. Nunca vi a Igreja tão à mercê, mesmo em um bom sentido, como diria Francisco. Ele insistia em sair. A contaminação com o mundo exterior também significa que você se contamina para o bem, mas também para o mal.
É preciso ver se há recursos tanto das classes dirigentes, como se diria em termos leigos, quanto espirituais. Veremos coisas muito estranhas. Mas lembremo-nos de que, para aqueles que creem, é o Espírito que deve falar. Também veremos quantos recursos e reservas a igreja tem em termos interiores e espirituais. É claro que, estando contaminada por um exterior tão terrível....
Um papa polarizador. Um papa dos últimos. Bergoglio também foi um inovador na comunicação.
Acima de tudo. Foi de uma maneira extraordinária. Tanto com gestos quanto com palavras. Os gestos, volto a esse ponto, sempre foram importantes no fato de Bergoglio ser pontífice. E as palavras, que às vezes eram consideradas com certa liberdade, não pensadas, quase como se ele fosse meio simplório. É difícil ver um jesuíta com sua história como simplório. Aqueles que pensam assim é que são simplórios. Ele sabia muito bem que, em um mundo de redes sociais, tudo fica e se amplifica em tempo real. Basta pensar nas frases que costumava soltar nas viagens de volta no avião.
Não é que os pontífices normalmente se deixassem levar facilmente em suas viagens, muito pelo contrário, porque sabiam muito bem que os jornalistas na comitiva estavam prontos para aproveitar esses momentos de cansaço, emoção e confidência que se criam em tais ocasiões de proximidade. Nessas ocasiões, ele dizia coisas muito fortes. Sobre o Charlie Hebdo, para dar um exemplo. Quando ele disse, textualmente: “Se meu grande amigo, Dr. Gasbarri, dissesse um palavrão contra minha mãe, que espere um soco. É normal”. Ou aos excessos de “comunicatividade” na linguagem. Em sua defesa da fé, havia um aspecto que poderia ser chamado, banalmente, de conservador.
Mas dentro de uma polarização forçada, agora muito residual das categorias novecentistas. Como aquelas dos cardeais progressistas e conservadores. Categorias que este Papa desfez por completo. Porque Bergoglio era um grande conservador, se quisermos usar tais categorias, em temas éticos, bem como na defesa da religião no mundo secularizado. Ele não era uma pessoa sem noção como foi retratado. Ele não era um secularizado que traía a fé, a tradição. Era uma pessoa de tradição. Mas a comunicação e as oportunidades de traduzir essa tradição eram impactantes. O fato é que não tínhamos as categorias teológicas, culturais para entender essa nova linguagem. Uma linguagem direta, aberta e comunicativa para todos e, ao mesmo tempo, conteúdos que continuavam sendo também tradicionais.
Bergoglio foi tudo isso. E deixará uma marca muito maior do que ambos os famosos polos possam pensar.