Semana Laudato Si' 2023. Os oito anos de uma encíclica que é um laboratório para a cura do pensamento

Arte: Marcelo Zanotti, a partir de imagens do filme "A Carta"

Por: Arthur Lersch Mallmann | 22 Mai 2023

"Agora, à vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta [...]. Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum."

Neste trecho da encíclica Laudato Si', apresentada ao público no dia 24 de maio de 2015, o Papa Francisco deixa claro o destinatário de sua conclamação: não apenas o mundo católico, mas "cada pessoa que habita este planeta". Com a proximidade do aniversário de oito anos da encíclica, forma-se uma mobilização crescente que, mesmo sem data para terminar, certamente mira um cronograma muito claro: o ano de 2025, marcando tanto os 10 anos da encíclica, quanto os 800 anos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis.  

Nesta página, atualizaremos uma lista com alguns dos materiais publicados pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU que contribuem tanto para as reflexões sobre o cuidado com a nossa casa comum, quanto para as mobilizações em prol da causa socioambiental.

Uma epístola para a humanidade

 "Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas é ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo, que não parecem diminuir; antes, expandem-se e desenvolvem-se (...). Entretanto os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente".

Em 190 páginas e cerca de 40 mil palavras, a encíclica Laudato Si' do Papa Francisco faz um alerta público ao caráter urgente da crise climática e onde repousam os principais motivos para a morosidade de uma reação política. Segundo o pontífice, a "submissão da política à tecnologia e às finanças" impede o desenvolvimento de uma noção de ecologia integral, um dos conceitos centrais que emergem da encíclica. Em outras palavras, é preciso parar de dissociar o cuidado com o meio ambiente do bem-estar social e reafirmarmos o diagnóstico de um desafio socioambiental.

Uma das inspirações para essa perspectiva é São Francisco de Assis, um dos santos mais populares da Igreja Católica. Muitos não católicos, aliás, se dizem fiéis ao monge devido à sua relação com o meio ambiente e com a forma despojada que vivia. O padroeiro da ecologia também é conhecido pelo seu cuidado com o que é frágil e pelo seu encantamento com a Criação. O próprio Jorge Mario Bergoglio, ao escolher ser chamado Papa Francisco, quis alinhar esse ícone ao seu pontificado.

São Francisco de Assis (Foto: Arquivo | IHU)

Não por acaso, "Louvado seja, meu Senhor" [Laudato si', mi Signore], primeiros versos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, iniciam e dão nome à encíclica. Como bem coloca o frei e padre da Ordem dos Carmelitas, Gilvander Moreira:

"Isso é eloquente por vários motivos: Primeiro, porque 'Louvado sejas' dito diante do planeta Terra e de toda a biodiversidade revela admiração e encanto pela natureza que nos envolve e da qual fazemos parte. Segundo, pedagogicamente é mais promissor conclamar para o compromisso com a defesa da nossa única Casa Comum a partir do encantamento e da beleza e não a partir do medo e da insegurança que despertam tantas mazelas socioambientais que nos colocam no meio da maior crise ecológica de todos os tempos".

Nesse sentido, o Papa Francisco propõe que olhemos para o problema da crise climática de um ponto de vista científico, mas que não nos limitemos à essa linguagem. Como afirma Michael Sandel, o debate sobre mudanças climáticas não é apenas sobre ciência e educação, mas fundamentalmente uma questão política. Ou, como avalia o Papa, "o urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral". E, para tanto, como bem pontua o Santo Padre, o caminho consistiria em nos reconectarmos com a "essência do ser humano" e percebermos a natureza e o mistério da Criação com "admiração" e "encanto".

Veja abaixo um trecho do Cântico das Criaturas traduzido para o português por Leonardo Boff. A íntegra da tradução pode ser conferida aqui

"Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção.
Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o Senhor Irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.

(...) Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe Terra
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas (...)"

Documentário "A Carta"

Este ano, um dos pilares da mobilização do Movimento Laudato Si' se dará a partir, e ao redor, do filme "A Carta" ["The Letter"]. O longa, disponível gratuitamente no YouTube, foi produzido pela equipe “Off the Fence”, vencedora de um Oscar, em colaboração com o Movimento Laudato Si’ e os Dicastérios para a Comunicação e para a Promoção do Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. O documentário também tem parceria do YouTube Originals. O diretor, Nicolas Brown, conta que não é uma pessoa católica e, quando foi contatado, ficou receoso de ser um vídeo promocional para a igreja católica.

"Até ser abordado sobre [o filme], eu nem tinha lido a Laudato Si'. E eu li e fiquei tão surpreso que o Papa Francisco parece ter intuído o momento de alcançar um aperto de mão em direção à comunidade científica para salvar nosso planeta [...]. E então eu não estava preparado para um papel tão aceito da ciência [na Laudato Si']. Isso é o que imediatamente me impressionou [...]. Agora, sou da opinião de que não há como nós, na comunidade científica, resolvermos a questão climática sem a ajuda da liderança moral". 

A Laudato Si' foi escrita em 2015, ano em que foi também criado Movimento Católico Global pelo Clima, posteriormente denominado Movimento Laudato Si' . Neste mesmo ano, foi realizado o Acordo Climático de Paris, um tratado internacional que estabeleceu metas para a mitigação da crise climática. Ainda que sejam plenamente alcançáveis de um ponto de vista científico, as metas carecem de um contexto político e social para serem alcançadas. Se de um lado os bancos privados podem canalizar trilhões de dólares para a indústria de combustíveis fósseis após o Acordo de Paris, de outro, os mais afetados, jovens, pessoas pobres, grupos indígenas e a própria vida selvagem, não tem poder para mudar de forma drástica esta realidade. Nesse sentido, segundo o diretor de "A Carta", a produção e divulgação do filme é uma forma de dar voz e empoderar estes grupos. 

"[...] Este era o nosso objetivo, que essas pessoas não se tornassem mais estatísticas, mas se tornassem pessoas reais, e realmente entendêssemos algumas das dimensões humanas dos problemas que enfrentamos que acho que o papa está realmente tentando apontar. Então, de certa forma, acho que estamos contando a Laudato Si', mas pelos olhos das pessoas que a vivem na linha de frente".

As vozes pela defesa da Casa Comum no filme "A Carta" (Foto: Reprodução | Movimento Laudato Si')

No Brasil, o filme foi lançado oficialmente na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em uma cerimônia realizada no dia 3 de novembro. Dom Joel Portela, Secretário Geral da CNBB, enfatizou que não se trata apenas de um filme ecológico ou social, mas de um "um convite para juntos trabalharmos incansavelmente para a construção de um mundo diferente". O cacique Dadá Borari, do povo indígena Maró, do estado do Pará, esteve presente no lançamento. Na ocasião, Dadá frisou que a responsabilidade da floresta não é só de quem vive nela, mas de todos que dependem dela, direta ou indiretamente – ou seja, toda a humanidade. 

Campanha Laudato Si'

Em março deste ano, durante reunião do Conselho Permanente da CNBB, foi lançada a campanha Laudato Si'. A campanha é promovida pela CNBBRede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil)Movimento Laudato Si’ (MLS). Este ano foram definidos três períodos de mobilização.

Banner da Campanha Laudato Si' 2023 no Brasil (Imagem: Reprodução | Diocese de Osasco)

Primeiro, a Semana Laudato Si’, que será realizada do dia 21 a 28 de maio.  De acordo com o Movimento Laudato Si', o filme "A Carta" será o principal recurso para orientar os eventos da semana, incentivando as pessoas a organizarem exibições comunitárias do longa.

Já no mês seguinte será promovido o Junho Verde. A ideia, nascida a partir da presidência CNBB, ganhou o caráter de lei em julho de 2022. A norma 14.393/2022 a norma altera a Política Nacional de Educação Ambiental e institui a celebração do mês temático como parte das atividades educativas na relação com o meio ambiente. O então presidente da CNBB, o arcebispo de Belo Horizonte (MG) dom Walmor Oliveira de Azevedo, frisou que a campanha Junho Verde “é passo importante na consolidação do entendimento de que todos devem buscar o desenvolvimento integral, que considera a essencialidade do equilíbrio na Casa Comum". Um dos destaques do texto é a indicação que as iniciativas da campanha devem observar o conceito de Ecologia Integral, tão caro à encíclica Laudato Si'

Por fim, também será realizado o Tempo da Criação 2023, uma celebração ecumênica realizada todos os anos de 1º de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, até 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. Este ano, o apelo ao diálogo inter-religioso se dará ao redor do tema "Que a Justiça e a Paz Fluam", enquanto “Um poderoso rio”, por representar a biodiversidade em risco, é o símbolo escolhido para acompanhar este tema. "A urgência cresce e devemos tornar visível a paz com a Terra e na Terra, ao mesmo tempo que a justiça nos chama ao arrependimento e a uma mudança de atitudes e ações", explica, em comunicado, o Movimento Laudato Si'. "À medida que nos juntamos ao rio da justiça e da paz com os outros, criamos esperança em vez de desespero", complementa a organização.

Páginas especiais do IHU sobre a Laudato Si'

Semana Laudato Si' - Cinco anos de Ecologia Integral (clique na imagem para acessar a página)

Seis anos de Laudato Si': a teologia diante do colapso (clique na imagem para acessar a página)

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