11 Mai 2023
"Uma economia desse tipo favorece a emancipação dos 'capitalistas' que, ao financiar os (colossais) investimentos verdes que podem nos manter não muito longe do aquecimento de +2°C até o final do século, condicionarão sua benevolência a compromissos políticos que lhes sejam favoráveis", escreve Gaël Giraud, economista jesuíta, pesquisador sênior do Centre National de la Recherche Scientifique, de Paris, em artigo publicado por Domani, 02-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A transição das nossas sociedades para formas de viver, produzir e consumir mais sustentáveis não é apenas uma questão de sobriedade individual. Nossos esforços pessoais podem, no máximo, reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa em 20 a 25 por cento. O resto (nosso sistema elétrico, nossos meios de transporte, nosso acesso à água, etc.) depende de decisões coletivas que nenhum indivíduo pode tomar sozinho pelos outros.
Em alguns países, o vínculo entre os obstáculos ligados à transição energética e o compromisso político em curso é evidente. É o caso, por exemplo, da África do Sul. Até recentemente, essa economia era inteiramente estruturada na exploração das minas de carvão cujos proprietários eram todos brancos e, em geral, descendentes de colonos ingleses.
O sistema racista (até mesmo fascista) do Apartheid era construído sobre este fato básico: a principal fonte de riqueza estava inteiramente nas mãos de uma minoria. A abolição do apartheid em 1994 infelizmente modificou apenas marginalmente esse arranjo político-econômico: direitos formais foram concedidos a negros e mestiços, mas o poder econômico permaneceu nas mãos da minoria de origem inglesa.
Uma pequena elite negra, em parte corrupta, conseguiu entrar na política e se beneficiar da fartura minerária e financeira, com a condição de nunca colocar em discussão o "compromisso" pós-apartheid: a captura do estado sul-africano ao serviço dos interesses predatórios dos latifundiários brancos pelo ex-presidente Jacob Zuma é um triste exemplo disso.
Como resultado, a desigualdade aumentou desde 1994, a ponto de o Banco Mundial considerar hoje a África do Sul é o país mais desigual do mundo! 65,5% dos jovens negros estão desempregados, aglomerados em comunidades que não têm nada a invejar às favelas indianas ou latino-americanas. E a maior operadora nacional de eletricidade, a Eskom, está falida.
No entanto, a necessidade de fechar as minas de carvão e substituí-las por fontes de energia limpa e renovável poderia colocar em discussão essa economia política profundamente perversa.
Como redistribuir a transição de poder na África do Sul? Essa é a pergunta que se fazem todos os ativistas e intelectuais sul-africanos famintos por democracia. Como renunciar às minas sem abrir mão do monopólio do poder econômico? Essa é a pergunta que se faz a pequena minoria que se beneficiou do enganoso fim do apartheid nos últimos trinta anos.
Nos países ocidentais a situação é obviamente diferente. A distribuição do poder organizada em torno do compromisso econômico-político baseado nos combustíveis fósseis que se formou após a Segunda Guerra Mundial reflete-se nos balanços de muitos de nossos bancos. Com o Instituto Rousseau, em 2021 demonstrei que os onze maiores bancos da zona euro são todos extremamente dependente dos combustíveis fósseis.
Não só porque 70 por cento dos créditos que concedem a projetos energéticos continuam a ser alimentados por carvão, petróleo ou gás, mas também porque detêm o balanço equivalente a 95% por cento (em média) de seu capital acionário na forma de atividades financeiras diretamente ligadas às indústrias extrativas de combustíveis fósseis. O valor de mercado desses ativos cairá a zero no dia em que teremos a sabedoria de parar de queimar esses hidrocarbonetos que destroem o nosso habitat. Isso causará sua falência. Os bancos sabem disso.
É por isso que muitos deles estão fazendo greenwashing e por trás dos bastidores resistem com a energia do desespero às pressões da igualmente desesperada geração "Greta" para investir no campo verde e abandonar investimentos no campo marrom.
Mais uma vez, o poder político depende diretamente do resultado desse conflito. Além do poder corruptor da pequena minoria que nas últimas décadas enriqueceu-se extraordinariamente graças à bolha financeira, os megabancos em risco sistêmicos (como o Bnp-Paribas na França) representam uma ameaça tão grande para as nossas economias que muitos têm condições de chantagear as nossas democracias: ou nossos governantes obedecem aos seus interesses imediatos, ou o colapso das instituições financeiras "grandes demais para falir" levará à queda dos governos no poder.
Até que haja um pensamento conjunto sobre a maneira menos pior de sair dessa armadilha, os países ocidentais continuarão a se mover em câmera lenta - ou, no caso francês, para trás - em direção a bifurcação ecológica.
De forma mais geral, existem dois "modelos" de economia política compatíveis com a construção de sociedade pós-carbono. O primeiro é aquele em que pensam todos os ativistas ambientais: consiste em uma sociedade organizada em torno dos bens comuns e inserida em uma democracia participativa. O poder de criar energia terá sido delegado a todos (por exemplo, na forma de pequenas comunidades locais que gerem a produção de energia na forma de bens comuns), bem como o poder de tomar decisões políticas por meio de uma estrutura pública altamente descentralizada.
A Alemanha parecia ter chegado perto disso na década de 2010, quando milhares de cooperativas se formaram em torno de turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos nos jardins das famílias alemãs. Desde então, infelizmente, a maioria dessas cooperativas foi comprada e privatizada. A Itália talvez seja hoje o país europeu que tenta se mover de forma mais decisiva nessa direção, inclusive por meio de suas comunidades energéticas. No que diz respeito à água, no entanto, em 2016 a Eslovênia deu um passo à frente do resto da Europa, entrando no clube dos primeiros 15 do Países (principalmente latino-americanos) que inseriram em sua Constituição a proibição de privatização da água.
No entanto, existe um segundo "modelo", ignorado por muitos ativistas: aquele de uma economia altamente capitalista e fortemente desigual em aliança com um estado autoritário e centralizado. Por que essa alternativa é compatível com o abandono do carbono? Porque o custo de manutenção de infraestrutura de energia verde é muito baixo em comparação com seu custo de capital. Então uma economia desse tipo favorece a emancipação dos "capitalistas" que, ao financiar os (colossais) investimentos verdes que podem nos manter não muito longe do aquecimento de +2°C até o final do século, condicionarão sua benevolência a compromissos políticos que lhes sejam favoráveis. Essa segunda opção é compatível, obviamente, com uma parcela significativa de energia nuclear no mix energético do país. Esse é o caminho para o qual França, Rússia e China parecem estar se encaminhando.
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Gaël Giraud estará entre os protagonistas do Festival Vicino Lontano Premio Terzani em Udine, de 3 a 7 de maio. Hoje às 19:30 estará na Igreja de San Francesco para um encontro intitulado "Metamorfose dos poderes". Palestrantes: Maria Rosaria Ferrarese e Giovanni Leghissa. Moderado por: Nicola Gasbarro.
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A economia política da transição ecológica. Artigo de Gaël Giraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU