08 Abril 2022
"Não é possível viver uma vida feliz sem que haja justiça para os descartados e sem o cuidado com nossa casa comum. Para isso é urgente uma vida mais simples", clama Dom Vicente Ferreira, em sua homilia durante eucaristia na Igreja de Nossa Senhora de Atocha, em Madrid, Espanha. A celebração aconteceu durante a Caravana pela Ecologia Integral em tempos de extrativismos.
“A lei de Moisés nos manda apedrejar… mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo no chão”(Jo 8, 5ss).
Irmãos e irmãs, a quaresma nos conduz ao mistério mais importante de nossa fé cristã. A Páscoa de Jesus nos motiva sempre a uma nova criação. Em cada época, com suas distintas culturas, reconhecemos muitas coisas boas, mas também nossos pecados. Por isso, somos chamados a olhar a Palavra criadora de Deus. Palabra que se fez carne em Jesus Cristo. Ele é a nova humanidade que nos mostra caminhos do Bem Viver para cada tempo.
Escutamos neste domingo o Evangelho da mulher surpreendida em adultério. Os escribas e fariseus quando a trouxeram a Jesus já sabiam qual era a sentença. Segundo a lei estabelecida até então, ela deveria ser apedrejada. Mas, neste momento, nosso Bom Pastor começou a escrever no chão. Que coisa Ele escrevia? A nova lei do amor que perdoa de maneira abundante.
Nosso Deus é assim: olha sempre o coração humano com suas potencialidades e feridas. Não nos julga com formalismos legais. De algum modo, cada um de nós é essa pecadora e nosso Deus é quem escreve coisas novas no chão de nossa história. Esta página da Sagrada Escritura nos faz pensar também nos numerosos dramas pelos quais passam nossa sociedade e nossa cultura contemporânea. Pensemos nas guerras, na Pandemia de Covid e nas inúmeras feridas que cada um leva no coração. Entretanto, convido-lhes a refletirmos na crise socioambiental mundial, como nos diz o Papa Francisco (Laudato Sí, n. 139).
Estou aqui com uma Caravana pela Ecologia Integral em tempos de extrativismos. Viemos da Colômbia, Equador, Honduras e Brasil. Nestes dias estivemos na Alemanha, Bélgica, Itália e Áustria. Falamos com entidades civis e eclesiais. Como Igreja que já saiu, mostramos os gritos da terra e de nossos povos latino-americanos. Somos testemunhas de crimes como os que ocorreram em Brumadinho e Mariana, de outras violações por mega projetos da mineração como ocorre em Putomayo e Piquiá de Baixo. Estas são realidades que mostram a urgente tarefa que temos de escrever uma nova lei no chão de nossa vida. Uma narrativa que não pode continuar sendo esta do capitalismo neoliberal extrativista, que coloca o lucro acima da vida.
Por isso, cremos que não conseguiremos um futuro para a humanidade enquanto vivermos em meio a tantas injustiças socioambientais. Em muitas realidades não temos soluções imediatas, mas Jesus nos chama a escrever, juntos, novas leis inspiradas no amor.
Por exemplo, temos que lutar para que a Lei da Devida Diligência não proteja somente as grandes multinacionais sem reconhecer a soberania de nossas comunidades locais. Que os Tratados Vinculantes considerem todas as cadeias produtivas com seus complexos efeitos, incluindo as violações de direitos humanos, que vão contra a vida e o amor. Como alternativa concreta temos um movimento esperançador convocado pelo Papa Francisco, a Economia de Francisco e Clara, que convida jovens a construir novos caminhos econômicos. Também temos o Pacto Educativo Global, no qual o Papa lança uma iniciativa cujo objetivo é unir esforços para realizar uma transformação cultural profunda, integral e de longo prazo através da educação.
Como Caravana pela Ecologia Integral em tempos de extrativismos propomos um caminho de desinversão em mineração, começando pela nossa própria Igreja. Devemos revisar nossos códigos éticos de inversão e nossa relação com serviços bancários para estar seguros de que não participamos de projetos que promovem a morte da Mãe Terra e de nossas comunidades. Não podemos ser cúmplices de projetos que matam tanta gente (como as 272 pessoas que foram mortas pela empresa Vale S.A. em Brumadinho), e a natureza. Não é possível viver uma vida feliz sem que haja justiça para os descartados e sem o cuidado com nossa casa comum. Para isso é urgente uma vida mais simples.
O Evangelho de hoje nos conta que Jesus encontra uma mulher incompreendida, rechaçada e julgada pela sua sociedade, sem misericórdia. Uma mulher que como Maria, a mãe de Jesus, nos inspira a escrever a história de uma maneira diferente. Neste momento, milhares de mulheres que resistem à mega mineração, à pobreza, à marginalização e às violências de um sistema econômico que nos mata, ensina-nos a escrever a história de maneira diferente.
Que Nossa Senhora, invocada aqui como Virgem de Atocha, ajude-nos a escrever um novo mundo no solo martirizado de nossos povos.
Agora, queremos fazer com vocês um Pacto, uma aliança, um compromisso. De trabalhar em favor das comunidades que resistem aos impactos negativos da mineração. Por isso, entregamos-lhes o anel de Tucúm, elaborado com a casca de coco. Um anel que é símbolo da unidade nas lutas dos povos da América Latina.
“Os que semeiam com lágrimas, colhem entre cânticos” (Sl 125).
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Caravana latino-americana pela Ecologia Integral em Tempos Extrativistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU