05 Mai 2021
É esplêndido o livro do monge beneditino Mariano Pappalardo, 63 anos, que desde 1997 vive a sua experiência eremítica junto ao templo votivo dedicado a São Francisco de Assis, no monte Terminillo, na Diocese de Rieti, Itália. Ele expressa a riqueza de uma pessoa que já serviu anteriormente às comunidades entre os jovens e as famílias.
O comentário é de Roberto Mela, professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 08-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em 2000, ele fundou a Fraternidade Monástica da Transfiguração, para viver de acordo com a regra de São Bento, a espiritualidade do Tabor. Ele leciona Teologia Sacramental e Liturgia em Terni e em Rieti, e, além de ser pároco, é responsável pelo serviço diocesano para a evangelização e a catequese.
Novo livro do monge beneditino italiano Mariano Pappalardo (Foto: Settimana News)
Estas breves notas biográficas permitem intuir a riqueza do seu pensamento expressado nestas páginas. Não devemos esperar, como diz o cardeal Cantalamessa no prefácio, reflexões teológicas ou escolásticas. O recorte da obra, de fato, é poético-evocativo.
Bem fundado na leitura dos textos, ele infunde na meditação sobre eles a veia poética que vê tudo como Transfiguração, contempla tudo no fragmento, entrevê a luz até nas mínimas fissuras. “O estilo proposto é o de espreitar o amor crucificado e ressuscitado, através de pequenas fendas, que de repente se tornam vislumbres de um horizonte mais vasto”, escreve o autor na sua Apresentação (p. 15).
Para captar todo o mistério pascal, incomensurável e transbordante, Pappalardo se serve de elementos diminutos, que poderiam parecer secundários: as vestes, o rasgo, o unguento, o canto, as mulheres, as multidões, o avental, a bacia, o véu do templo, o sangue, a memória, o presente, o futuro.
A Páscoa, desse modo, é contemplada, cantada, exaltada no seu cumprimento em Cristo e, ao mesmo tempo, encontrada com imensa gratidão na implicação antropológica dos homens e das mulheres transformados pela vida do Ressuscitado.
A obra de Pappalardo consiste em 35 reflexões sobre o mistério pascal, distribuídas em sete ciclos de meditação, cada um dos quais se conclui com uma breve “contemplação” lírico-orante (“Palavras essenciais”).
As cinco reflexões de cada ciclo referem-se ao Domingo de Ramos, à Quinta-Feira Santa, à Sexta-Feira Santa, ao Sábado Santo e ao dia de Páscoa. Eles fazem isso seguindo um fio dourado que funciona como título para cada ciclo. Esses títulos conjugam o inexaurível mistério pascal segundo aspectos que geralmente expandem aquilo que é perceptível a partir dos mínimos detalhes tomados pelo autor como pontos de partida para as meditações.
Nos primeiros seis ciclos de reflexões, a Páscoa revela-se, de tal modo, como um mistério de liberdade, um amor sem limites, constitui a revelação do rosto de Deus, é um mistério em-canto, um mistério no feminino e um mistério aglomerado.
O último ciclo, “Páscoa: necessidade de conversões”, foi escrito durante o confinamento total da primavera europeia de 2020, que impediu a celebração da Páscoa com a convocação do povo de Deus. Segundo o autor, isso colocou todos de volta na estrada, para retomar o caminho da conversão, para converter o modo de pensar, de agir, de crer.
“Ele lembrou aos fiéis aquilo que é essencial, saber abraçar a nua fé na nua cruz [...] a Páscoa se mostrou em todo o seu mistério de iniquidade, mas também permitiu entrever como a dor do ser humano foi assumida por Deus e como não há dor dos filhos do homem que não seja acompanhada pela proximidade amorosa de um Deus que é Pai” (p. 217).
As meditações alternam páginas de carácter mais narrativo e outras de intensa contemplação teológico-poética do reflexo imenso que cada elemento particular de partida lança sobre o mistério pascal, que, por sua vez, o reflete sobre o mundo dos homens e das mulheres, a quem o Crucificado Ressuscitado quer dar a sua vida em plenitude.
Os relatos pascais falam de muitos rasgos, cortes, cisões (pão partido, véu rasgado, coração transpassado, fuga noturna, sepulcro aberto e vazio...). A Páscoa é dom de liberdade que escancara aquilo que está fechado, alarga horizontes e presenteia o desafio dos espaços abertos e da vida feita de relações sem obrigações. A Páscoa tem o perfume do unguento de Betânia, onde se doa pão, amor e... infinito.
A Páscoa é um amor sem limites: não se pregará o Evangelho e não se viverá a Páscoa sem recordar o amor desmedido da mulher na casa de Simão.
A Páscoa também é revelação do rosto de Deus. O elemento particular de partida é o das vestes: vestes depostas e retomadas, o manto escarlate, a túnica sorteada... Na cruz, Jesus morre nu, sem vestes. Ressuscitado, deixa no sepulcro as faixas e o sudário: Jesus revela o verdadeiro rosto de Deus. Um Deus que se doa, é zombado, um Deus nu. A Páscoa de Cristo vence o pecado e a morte, revelando o rosto de luz que vence as trevas. “Nus, também nós somos chamados a ressurgir, na verdade de nós mesmos, sem mistificações” (p. 106).
A Páscoa é um mistério em-canto. A multidão canta a Jesus que entra em Jerusalém; na noite do Cedron, ressoa o Hallel pascal cantado pelos discípulos (o seu amor é para sempre... ); o galo canta, e Pedro canta com o pranto, entoando o lamento sobre si mesmo; cantam misteriosamente os progenitores trazidos à salvação pelo Cristo que desceu aos infernos. Parece que não há cantos na aurora da Páscoa, mas os corações começam a saltar com cantos interiores.
Cada Páscoa traz consigo, com quem canta e com aquilo que se canta, o em-canto que explode no coração do fiel. Canta a Igreja toda, porque o rejeitado, o maldito, o assassinado é Aquele que venceu a morte e fez explodir todos os sepulcros. Canta a Igreja, porque o Ressuscitado lhe garante: “Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
A Páscoa é um mistério no feminino. Algumas mulheres seguem escandalosamente Jesus desde a Galileia. No momento crucial, os discípulos desaparecem, as mulheres permanecem bem debaixo da cruz. A recompensa do Ressuscitado é grande: a elas será confiado o anúncio chocante de que o Senhor da vida reina vivo.
O Evangelho no feminino ajuda a redescobrir como a Páscoa de Cristo é o documento do grande resgate concedido às mulheres e assinado com o sangue de Cristo.
Em Betânia, a mulher “desperdiça” o nardo, em vista do sepultamento. No Cenáculo, há uma mulher escondida: só os homens são mencionados, mas Jesus é a esposa, a mãe e a escrava que lava os pés dos discípulos. Na noite, há também a serva impertinente, que desnuda a fraqueza do apóstolo e a sua suposta e temerária fraqueza. Foi preciso uma mulher para que Pedro se redescobrisse como homem. Bendita serva impertinente!
Lumen Christi! A noite de Páscoa é povoada de mulheres que cantam a vitória sobre o faraó. Canta Miriam na beira-mar, canta Débora que derrotou Sísera, cantam as mulheres pelas vitórias de Davi e de Saul. Canta Ana pela esterilidade derrotada, canta Maria porque Deus manteve as suas promessas. Canta a Sabedoria que preparou a mesa com pão e vinho (Pv 9,1-6). No coração humano, entra a Ruaḥ, um espírito novo (cf. Ez 36,16-17a.18-28), o dom pascal por excelência. “É noite de mulheres, a noite de Páscoa” (p. 173).
A Páscoa é o dia do grande resgate, principalmente para as mulheres. Jesus vai ao encontro delas em primeiro lugar, confia a elas o anúncio da ressurreição. “Tantas outras páscoas terão que passar antes que o homem e os fiéis assinem também o documento do seu resgate selado pelo sangue de Cristo [...] também às mulheres é dada a dignidade, também para elas as correntes são despedaçadas, elas também são cidadãs honradas na cidade do homem, na cidade de Deus” (p. 179).
A Páscoa é um mistério aglomerado. As multidões numerosas e entusiasmadas seguem e acolhem Jesus na sua entrada em Jerusalém. Mas são manipuladas e chantageiam o poder do representante de Roma. Multidões prendem Jesus como um ladrão e um bandido; multidões exigem a sua crucificação. As multidões mudam de humor repentinamente na mudança de lado. Depois da morte de Jesus, porém, o grito muda para o silêncio, para a contemplação daquilo que ocorreu “teatralmente”. A multidão volta para casa batendo no próprio peito. É a multidão que faz a sua páscoa.
Uma multidão espera Jesus no sheol, e Cristo lhes diz: “Todos livres!”. No Sábado Santo, a multidão está trancada em casa, mas a justiça do Servo de YHWH alcançará a todos para salvá-los. A Páscoa é o banquete preparado para o filho do rei, ninguém está excluído dele. Lá, todos deverão comparecer, o véu será rasgado, a morte, vencida para sempre.
A Igreja é mandada pelo Ressuscitado para fora do Cenáculo: deve precedê-lo na Galileia dos gentios, encruzilhada de povos e nações. A fé cristã se joga em periferias lotadas, na Galileia dos gentios. A Páscoa mostra como a fé cristã é um assunto do povo ou, melhor, de povos e nunca é uma questão individualista. A Páscoa não é um dom para um pequeno resto. É um antídoto para toda tendência individualista e sectária. É aliança para a multidão. Recentrar o mundo: esse é o imperativo pascal! Os últimos são chamados a serem os primeiros. A Igreja é “chamada a ser defensora de um mundo de pernas para o ar” (p. 212).
“Igreja de Deus, a Galileia é a tua pátria. É lá que o Ressuscitado reúne os seus. Lá, um entre muitos, está também o Vivente! Igreja de Deus, a Galileia com os seus povos é o teu verdadeiro patrimônio. Lembra! Põe isso no teu coração” (p. 213).
A Páscoa vivida em 2020 no fechamento e na ausência de convocação do povo de Deus às celebrações, a Páscoa no tempo da pandemia chamou a todos nós de volta para o essencial e nos lembrou que a Páscoa é também um chamado à conversão. Mencionamos isso no início das nossas notas: “Páscoa: necessidade de conversões” é o título do sétimo ciclo de meditações.
Uma Páscoa sem alarde. Há apenas sangue circulando por aí. Na Sexta-Feira Santa, mostra-se, de modo impossível, a vulnerabilidade de um Deus frágil. No Sábado Santo, medita-se sobre as soluções alternativas. Certamente, Deus não pune com a pandemia, e o mal não lhe agrada. “A cruz, porém, não é sinônimo de sofrimento desejado por Deus e sofrido por Deus, mas um sinal de amor radical, amor sem reservas, que não faz concessões, que não recua nem se e quando custar” (p. 235).
Diante do mal absoluto, Jesus “fez uma escolha pascal: decidiu atravessar o mal. Ele assume o mal, vive-o em até o fim, até a última gota, sem fazer concessões [...] a força para atravessar lhe vem da sua comunhão com o Pai, da sua oração incessante e profunda” (p. 236-237).
Jesus luta contra o mal, derrota o mal, humilha a morte, reina Vivo e arrasta atrás de si um grupo de homens doloridos, desanimados, homens que acreditam que estão acabados, que não aguentam mais. Jesus diz a todos: “Levantem-se (coragem), vamos” (cf. Mc 14,42).
A Páscoa é memória de futuro, porque Deus agirá sempre na linha de continuidade das suas maravilhas de salvação realizadas até agora na história. O futuro contém a certeza de poder viver em primeira mão aquilo que foi narrado pelas gerações passadas. Deus criará para nós um mundo novo, vai nos libertar da escravidão, vai nos reunir de todos os cantos da terra, vai fazer ser ouvida pelas ruas e praças a voz do noivo e da noiva, vai fazer o deserto florescer, inaugurará a paz. Cada homem e mulher poderá ver a salvação. É por isso que a Páscoa é memória do futuro.
“A Páscoa é uma encruzilhada de memória e de esperança, encruzilhada de passado e de futuro, ápice e fonte da nossa salvação. Essa admirável encruzilhada é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e exultemos” (p. 241).
Nascidas do estudo e da manducação dos textos bíblicos e litúrgicos, amadurecidas e cozidas com fragrâncias na oração, na meditação e na pregação, estas páginas esplêndidas de reflexões bíblicas, repletas de humanidade, de poesia e de grande ternura pelo ser humano de hoje (e pelo nosso frágil Deus) vão tocar com muita felicidade o coração de muitas pessoas, para que a Páscoa possa ser aquilo que é: fonte de vida divina que brota do centro daquilo que parece ser o seu contrário.
Esperança, vida, alegria pelo Deus pascal que permanece para sempre com o ser humano por ele criado, custe o que custar.
“Notas abafadas são ouvidas à noite
mas nenhum canto explode
na aurora.
É a vida de fé
chamada a cantar” (p. 137).
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Vislumbres da Páscoa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU