19 Dezembro 2025
Um presépio sem a Sagrada Família? Impossível. Mas o pároco de Santa Susanna em Dedham, na Diocese de Boston, considerou que o que está acontecendo com as batidas policiais contra imigrantes sem documentos por parte dos agentes federais da Imigração poderia justificar a alteração da Natividade para transmitir uma mensagem forte e clara. E assim, para denunciar o que muitos consideram um abuso, ele criou um presépio onde Jesus, Maria e José estão ausentes porque, evidentemente, foram presos e deportados. Este é apenas um novo episódio que confirma como — desde as estatuetas de celebridades propostas em San Gregorio Armeno até as representações sagradas mais "criativas" — o presépio parece despertar o desejo de "reler" o que ele comunica, talvez pela perene atualidade de sua cena, pela potência da mensagem que emana da reconstrução de Belém, ou pela própria ideia da encarnação de Deus que fala a cada "hoje" da história. Onde passa a fronteira entre uma tradição a ser respeitada e uma reflexão que nos envolva mais pessoalmente é um tema que, no entanto, questiona cada um de nós. O jornal Avvenire publicou na edição de sábado, 13 de dezembro, três intervenções de autores para ajudar na reflexão: a irmã Gloria Riva, o poeta Davide Rondoni e, finalmente, o teólogo Marco Vergottini. Reproduzimos abaixo o seu artigo.
O artigo é de Marco Vergottini, teólogo leigo, publicado por Settimana News, 17-12-2025.
Eis o artigo.
Todos os anos, no início do Advento, a mesma velha pergunta ressurge em casas e paróquias: como criar um presépio "correto"? Com a iconografia tradicional — a gruta, a manjedoura, os pastores, o boi e o burro — ou recorrendo a reinterpretações modernas que alguns consideram "criativas" e outros "irreverentes"? É muito difícil dar uma resposta definitiva a esta questão complexa e desafiadora.
O presépio, na verdade, não é um ornamento devocional para ser exibido apenas um mês por ano: é uma teologia doméstica, uma pequena narrativa da fé cristã confiada ao olhar de adultos e crianças. E toda narrativa, para se manter viva, precisa de uma tradição que preserve o legado recebido e de uma imaginação capaz de abrir novos horizontes.
Se olharmos para a história, descobrimos que o presépio nasceu como um ato de criatividade pastoral. Francisco de Assis, em 1223, queria "ver com os próprios olhos" a pobreza de Deus feito homem. O Menino Jesus, a Virgem Maria e os pastores não eram de gesso, mas pessoas vivas com corações pulsantes e olhares cheios de admiração. O presépio franciscano era um ato performático, não uma peça de museu. Ele não "representava" o Natal: ele o tornava presente, e todos participavam.
A história subsequente — desde os presépios napolitanos aos dioramas do século XVIII, até os presépios latino-americanos esculpidos em madeira — mostra que o presépio nunca foi uniforme ou intocável. É uma linguagem constantemente revisitada e em evolução, não uma fórmula imóvel e estereotipada. Aqueles que temem cada variação esquecem que a tradição cristã sempre foi uma combinação hábil de preservação e invenção. O Evangelho não muda; as formas de proclamá-lo, sim. E precisamente essa capacidade de se renovar fez do presépio um dos símbolos mais populares da nossa fé.
Vivemos numa época em que o Natal corre o risco de se tornar uma experiência entorpecente, uma "zona livre" espiritual repleta de emoções mornas e açucaradas. O presépio, então, corre o risco de se tornar um cartão-postal sentimental se não redescobrir sua força original: ele precisa contar a história de um Deus que entra na história real, com suas feridas e esperanças. É por isso que muitas comunidades — na Itália e em todo o mundo — começaram a incorporar lugares e pessoas contemporâneas em seus presépios: migrantes exaustos em um barco de madeira, moradores de rua agachados sob um pórtico, famílias aguardando autorização de residência, enfermeiras de vigília durante a noite e — por que não? — aquela multidão de "menos afortunados" que se aglomera cada vez mais em nossas cidades.
Isso não é uma concessão à ideologia, mas um ato de fidelidade evangélica: se o Filho de Deus nasce à margem, então a margem não é uma reflexão tardia, mas a gramática da sua vinda. Belém, para os cristãos, não é um lugar "neutro". É um lugar "teológico": indica-nos onde Deus escolhe ser encontrado.
Às vezes, as pessoas temem que essas modernizações acabem "forçando" a autenticidade histórica. Mas o presépio não é um relato histórico nem um exercício de arqueologia religiosa. Nem mesmo os Evangelhos oferecem uma descrição detalhada do nascimento de Jesus. Em vez disso, nos apresentam um símbolo poderoso: Deus entra na história do mundo em seu ponto mais frágil. Traduzir esse símbolo não significa desfigurar a história, mas sim fazer-lhe justiça. Colocar os rostos feridos do nosso tempo no presépio não altera Belém; pelo contrário, a reabre, assim como as Escrituras se abrem quando são tratadas não como um artefato, mas como uma palavra viva. É claro que nem tudo que é novo deve ser julgado positivamente.
Algumas cenas de natividade "criativas" parecem mais provocações estéticas do que interpretações espirituais, degenerando em algo kitsch, barato e de mau gosto. A questão não é a originalidade, mas a verdade teológica como linguagem do espiritual: a modernização jamais deve obscurecer a essência da cena — ou seja, o nascimento de Jesus, Deus conosco. Talvez a verdadeira pergunta não seja "presépio tradicional ou presépio contemporâneo?", mas sim: preferimos um Deus domesticado, adequado à nossa nostalgia, ou nos entregamos a um Deus que continua a nos surpreender, aparecendo onde menos esperamos?
Belém nunca foi um lugar "calmo" e reconfortante: é o ponto onde Deus se permite ser encontrado na face dos outros. Somente um presépio que ouse dizer isso — com meios simples e novas formas — serve ao Evangelho. E talvez, em última análise, esta seja a pergunta que deve guiar cada escolha: nosso presépio permite que nossos olhos reconheçam que Deus ainda vem, hoje, à nossa história?
Para concluir, podemos propor um "teste teológico": que tipo de presépio os últimos papas poderiam ter criado? De quais mestres da arte eles poderiam ter se inspirado?
João XXIII tinha a alma simples de um pároco camponês (com a mente de um excelente diplomata!). Para ele, o presépio tinha que ter o cheiro de um estábulo de verdade. Lorenzo Lotto e Giotto seriam seus artistas inspiradores. Paulo VI, fascinado pela arte contemporânea, tinha um gosto refinado e uma paixão pela beleza como porta de entrada para o mistério; ele teria se sentido atraído por artistas como Henri Matisse e Georges Rouault, com música de fundo de Olivier Messiaen. João Paulo II tinha uma visão cósmica da encarnação: para ele, o presépio era uma espécie de "teatro do mundo". Pintores a quem recorrer? Michelangelo e Marc Chagall. Bento XVI, influenciado pelo estilo do "Glória" de H.U. von Balthasar, poderia ter mandado instalar um crucifixo atrás da manjedoura. Beato Angelico e Andrei Rublev teriam sido seus faróis artísticos. Finalmente, para o Papa Francisco, Belém não era um "outro lugar" romântico, mas uma periferia marcada pelas feridas da história. Ele teria optado por um "presépio vivo", como o do Pobrezinho de Assis, mas desta vez com o menino Jesus colocado sobre um cobertor térmico amarelo (usado para proteger vítimas de naufrágios).
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