Concílio, quando a Igreja recuperou a cor. Artigo de Marco Vergottini

Foto: Vatican News

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09 Dezembro 2025

Em 8 de dezembro de 1965, o Concílio Vaticano II concluiu seu primeiro Concílio, lançando nova luz sobre a fé, numa "paleta" da qual cinco documentos representam as principais "cores". Sessenta anos depois, uma reflexão sobre os frutos desse extraordinário evento espiritual. 

O artigo é de Marco Vergottini, teólogo leigo, publicado por Settimana News, 07-12-2025.

Eis o artigo.

Sessenta anos após a conclusão do Concílio Vaticano II, podemos afirmar, sem retórica, que o Concílio devolveu à Igreja as cores do Evangelho, depois de séculos em que a imagem eclesial corria o risco de se apresentar em preto e branco: é verdade, sim, mas achatada, rígida e incapaz de refletir a diversidade da vida e dos rostos humanos. O Concílio não mudou a fé, mas mudou a luz sob a qual a contemplamos. E, ao mudar a luz, transformou a percepção de toda a paisagem eclesial.

Dentre as suas aquisições mais decisivas, cinco documentos se destacam como cores primárias dessa nova paleta. Cada um iluminou uma cor, uma característica, uma maneira de ser Igreja que ainda hoje ilumina o caminho.

A Dei Verbum restaurou a Palavra de Deus ao seu esplendor original: não um texto sagrado, mas uma voz viva que questiona, molda e converte. O Concílio recordou que a Revelação não é um conjunto de verdades, mas sim um Deus que fala na história, num diálogo que envolve toda a humanidade. Daí a centralidade das Escrituras na liturgia, na teologia e na vida espiritual. É como se a Igreja tivesse reaberto as janelas e deixado entrar ar fresco na casa do crente.

Com a Lumen Gentium, a eclesiologia descobriu sua dimensão mais autêntica: a Igreja não é uma pirâmide, mas um povo em caminhada, animado pelo Espírito, no qual todos — leigos, consagrados, ministros ordenados — compartilham a mesma dignidade batismal. O Concílio recolocou o mistério da Igreja como comunhão, como ícone da Trindade, no centro. É a cor da fraternidade, da corresponsabilidade, da santidade cotidiana.

A Sacrosanctum Concilium trouxe a liturgia de volta ao coração da vida eclesial, restaurando o calor da participação e a beleza da simplicidade. A reforma litúrgica não foi uma mera reforma estética, mas um retorno ao essencial: o povo de Deus reunido, a Palavra proclamada, o Mistério Pascal celebrado de forma compreensível e envolvente. A liturgia voltou a ser a fonte e o ápice, não um espetáculo para especialistas.

Com a Gaudium et Spes, o Concílio finalmente reconheceu plenamente que o mundo não é um inimigo a ser combatido, mas uma terra a ser habitada com responsabilidade e admiração. A Igreja escolheu o diálogo, não o confronto; a compaixão pela humanidade, não a suspeita. "Alegrias e esperanças..." não são o lema de uma época, mas o DNA de uma Igreja que leva a Encarnação a sério. A cor aqui é a da humanidade compartilhada, da responsabilidade pelo futuro, da paixão pela dignidade de cada pessoa.

Finalmente, a Dignitatis Humanae entregou um dos frutos mais maduros do Concílio: o reconhecimento da liberdade religiosa como um direito fundamental. Uma Igreja que não teme a liberdade é uma Igreja que vive na verdade; uma Igreja que defende a liberdade dos outros defende também a sua própria. Aqui resplandece a cor clara da consciência, o lugar interior onde Deus fala e o homem responde.

O legado

O que resta hoje dessa “igreja colorida”?

O último Conselho "foi um momento extraordinário, talvez o mais belo da minha vida, um momento em que se pôde repensar, relançar e repropor, em que se sentiu uma fluidez, uma liberdade de expressão, uma nova capacidade de discernimento" (Carlo Maria Martini). Muitos legados desse período empolgante permanecem, sem dúvida.

Em primeiro lugar, aqueles que vivenciaram o Concílio deram um passo crucial em suas vidas, pois receberam dele uma renovada confiança na capacidade da Igreja de falar a todos. De fato, neste período pós-conciliar, a Igreja absorveu profundamente o novo clima gerado por esse extraordinário evento espiritual, a tal ponto que muitos de seus frutos penetraram, na verdade, a própria essência do corpo eclesial.

Basta recordar a crescente consciência da vocação eclesial de cada batizado; a qualidade da celebração eucarística; o apelo para vivenciar a autoridade como serviço e não como dominação; o convite ao estudo assíduo das Escrituras (lectio divina); a consciência de todos os fiéis de que são chamados a proclamar o Evangelho e a dar testemunho através de suas vidas; o impulso para o diálogo ecumênico e o engajamento com outras religiões; a renovada abertura ao mundo e à cultura; a redescoberta da dignidade de cada pessoa humana e o reconhecimento do ato de fé como um chamado à liberdade. E a lista poderia continuar.

Para a nossa Igreja, foi um grande tesouro que conserva intactos toda a sua relevância e valor.

Permanece a crença de que a tradição não é um museu, mas um jardim: ela cresce, se renova e floresce com as estações do ano.

Resta ainda um método – escuta, discernimento, corresponsabilidade – que encontramos hoje na sinodalidade.

Uma promessa permanece: a Igreja será cada vez mais fiel ao Evangelho quanto mais refletir a riqueza multifacetada da humanidade.

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