29 Abril 2025
Entre conciliábulos e congregações gerais, no Vaticano se torna o assunto do conclave a descortesia das condolências retiradas pelo governo israelense pela morte de Francisco. “Gesto nunca visto”, “violação das regras básicas da diplomacia”: o tapa na cara de Benjamin Netanyahu à Santa Sé se transforma, nos raciocínios dos príncipes da Igreja, em uma rasteira à candidatura do Patriarca de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa.
O artigo é de Giacomo Galeazzi, vaticanista, publicado por La Stampa, 25-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O cardeal franciscano é o titular, na Terra Santa, de um diálogo que está sofrendo uma ruptura sem precedentes. E as condolências expressas ontem à noite, três dias após sua morte, pelo gabinete do primeiro-ministro não são suficientes para consertar a situação. Não escapa aos conclavistas que as relações com Israel estão nos mínimos históricos e, para além das efetivas responsabilidades e capacidades de mediação de um dos principais candidatos à sucessão de Francisco, parece evidente na Cúria a tentativa do executivo de Jerusalém de obscurecer sua figura em uma fase particularmente sensível. Nos palácios sagrados, ressaltam a clara diferença de comportamento entre Israel e China. Pequim expressou “condolências”, evidenciando que “a China e o Vaticano mantiveram contatos construtivos e realizaram intercâmbios profícuos. Estamos dispostos a cooperar para continuar melhorando as relações bilaterais”.
E, nas últimas horas, um importante sinal de aproximação está prestes a se materializar: a chegada a Roma de um bispo chinês na delicada fase que do funeral do pontífice leva ao conclave. Uma homenagem à memória de um Papa capaz de incidir na geopolítica e promover a distensão, bem como um reconhecimento histórico do governo chinês à Santa Sé após a extensão do Acordo Provisório sobre a nomeação de bispos. Hoje, na basílica de Santa Maria in Trastevere, o Secretário de Estado Pietro Parolin (o principal autor do degelo com Pequim) celebrará a ordenação episcopal do Núncio Giancarlo Dellagiovanna. Participará da cerimônia o seu reitor no Collegio Capranica, o Arcebispo Michele Pennisi: “A Santa Sé mantém relações diplomáticas com Israel há 32 anos e a reação inusitada ao desaparecimento do Pontífice marca uma deterioração das relações bilaterais. Um despeito ao Patriarca, além disso”. O prelado continua: “As condolências retiradas soam como uma ofensa e uma descortesia ao Patriarca e a todos os católicos presentes na Palestina. No entanto, o pedido para libertar os prisioneiros sempre acompanhou corretamente o pedido para permitir que a ajuda humanitária chegasse a Gaza e para interromper os bombardeios. A questão não é a conduta da presidência do Estado de Israel, mas a do governo que impôs às embaixadas para recuar”. Uma manobra preventiva, com o previsível clamor midiático, que soa no Vaticano como uma forma de fazer com que o Cardeal Pizzaballa pague o preço por nunca ter deixado de mostrar sua proximidade com o povo palestino.
Um ato hostil e uma atitude retaliatória, em suma, que também corre o risco de prejudicar o diálogo judaico-cristão, a ponto de os representantes judeus italianos e europeus terem anunciado imediatamente sua participação ao luto pela morte de Jorge Mario Bergoglio. “O cardeal Pizzaballa, alinhado com a diplomacia pontifícia, deu prova de habilidade na interlocução e, vivendo lá, testemunhou uma forte autoridade moral na aplicação dos direitos humanos”, ressalta o arcebispo Pennisi. ”É a mesma orientação seguida pelo enviado papal para a crise entre a Rússia e a Ucrânia, o cardeal Matteo Zuppi: negociar a troca de prisioneiros e pedir a defesa dos civis”.
O que azedou as relações com o governo israelense, foi o termo “genocídio” usado para a intervenção em Gaza considerado desproporcional. E a ligação telefônica diária do falecido Pontífice para a paróquia na Faixa. O professor Agostino Giovagnoli, historiador da Universidade Católica do Sagrado Coração, observa: “Sobre as condolências canceladas, Netanyahu demonstrou uma intenção hostil que não exclui uma implicação sobre a situação específica que está sendo vivida pela Igreja universal envolvida com a eleição papal”.
O Cardeal Pierbattista Pizzaballa foi anteriormente Custódio da Terra Santa e sempre procurou equilibrar suas ações entre o Estado de Israel e o governo palestino. “Gaza representa um pouco de tudo o que foi importante para o pontificado de Francisco”, reitera o Cardeal Pizzaballa, renovando o pleno apoio papal à população da Faixa e o compromisso com a pequena comunidade católica no enclave palestino. De acordo com a maior autoridade eclesial na região (e potencial sucessor de Francisco), o apoio pontifício “se tornou algo estável e até reconfortante para a comunidade de Gaza”. Francisco sabia disso. Ele trabalhava pela justiça, mas sem tomar parte do conflito. Para nós, para a Igreja, ele deixa um legado importante, mesmo que as autoridades locais nem sempre tenham se sentido satisfeitas com as posições ou declarações do Papa”, diz o Patriarca, referindo-se justamente às vezes em que os comentários sobre a guerra de Gaza levaram Israel a reagir. E, após a morte de Bergoglio, a rasteira que tenta prejudicar a candidatura daquele que, da Terra Santa, poderia ser chamado a vestir a batina branca.