26 Abril 2025
"Jesus diz que qualquer pessoa que fizer o bem a “um desses irmãos e irmãs mais pequeninos” estará fazendo o mesmo a ele. Afastar-se dos mais pobres é rejeitar Deus. Além disso, a ajuda sustenta a vida de famílias, especialmente de mulheres e crianças, que deveria ser inconcebível abandonar", escreve Timothy Radcliffe, o primeiro inglês a ser eleito Mestre da Ordem Dominicana mundial em seus oitocentos anos de história, foi nomeado cardeal pelo Papa Francisco em 7 de dezembro de 2024, em artigo publicado por Domani, 24-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Todos os anos, na Páscoa, os cristãos relembram como, durante a Última Ceia, na véspera da crucificação de Jesus, a esperança parecia estar perdida. A maioria de seus amigos mais próximos estava prestes a renegá-lo e abandoná-lo. O que estava por vir era a tortura e uma morte horrível. Mas, naquele momento de desespero, Jesus se doou para todos, oferecendo pão aos discípulos e dizendo: “Este é o meu corpo, dado em sacrifício por vocês”. Esse ato de esperança culminou na manhã de Páscoa com o triunfo da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio e da generosidade divina sobre a ganância humana.
Ao lamentarmos a morte do Papa Francisco, nossa esperança após este domingo de Páscoa é que mesmo os menores atos de bondade possam produzir frutos para além da nossa imaginação.
Precisamos nos lembrar que, diante de cinco mil pessoas famintas, os discípulos conseguiram juntar apenas cinco pães e dois peixes. No entanto, aquele pouco foi suficiente para alimentar a todos, com a bênção do Senhor das colheitas.
Nosso mundo é assolado pela pobreza e pela violência (problemas que parecem impossíveis de resolver) em um momento em que a ordem global pós-bélica corre o risco de desmoronar. As obras de caridade cristãs (Catholic Relief Services, World Vision, Samaritan's Purse e Jesuit Refugee Service, para citar apenas algumas) estão desempenhando uma tarefa admirável para aliviar esse sofrimento. Em um momento em que tantas pessoas perderam a esperança no futuro, o empenho dessas organizações nos Estados Unidos e em todo o mundo é fundamental para a nossa fé.
Essa tarefa se tornará ainda mais importante nos próximos anos, à medida que as principais economias cortarem seus orçamentos de ajuda externa, infligindo danos profundos às pessoas mais vulneráveis, cada uma criada à imagem de Deus. A nova iniciativa de rastreamento digital da Universidade de Boston estima que o congelamento quase total dos fundos e programas de ajuda externa dos EUA desde janeiro já tenha causado a morte de mais de 68.000 adultos e mais de 142.000 crianças.
O judaísmo e o islamismo também enfatizam que a caridade é essencial para uma vida de fé, e não um extra facultativo. A palavra “caridade” vem da palavra latina caritas, que significa “amor”. Nesse sentido, a caridade expressa algo fundamental para nossa dignidade humana: a capacidade de dar livremente e receber dons sem vergonha.
É verdade que algumas ajudas podem resultar paternalistas e humilhantes, prendendo as pessoas em uma cultura de dependência. Mas a maioria dessas instituições de caridade não opera dessa forma. Pelo contrário, elas reconhecem que os mais vulneráveis e frágeis entre nós incarnam aspectos frequentemente esquecidos da dignidade humana: resiliência, solidariedade, dependência mútua, confiança em Deus e no próximo e gratidão.
Jesus diz que qualquer pessoa que fizer o bem a “um desses irmãos e irmãs mais pequeninos” estará fazendo o mesmo a ele. Afastar-se dos mais pobres é rejeitar Deus. Além disso, a ajuda sustenta a vida de famílias, especialmente de mulheres e crianças, que deveria ser inconcebível abandonar. Nikolai Berdyaev, filósofo existencialista russo, escreveu: “A questão do pão para mim é uma questão material, mas a questão do pão para o meu próximo é uma questão espiritual”. Para os cristãos, o ato supremo de doação se manifesta na oferta do sangue de Cristo na cruz. Para todos nós, religiosos ou não, a caridade é o sangue vital que circula no corpo da sociedade, nutrindo a vida com sua gentileza.
À luz disso, as recentes notícias divulgadas por Reuters, Bloomberg, New York Times e Financial Times de que o governo dos EUA poderia impor novas restrições às doações de caridade são motivo de grande preocupação. A capacidade das instituições de caridade, financiadores e filantropos de operar e prestar assistência livremente nos EUA e em todo o mundo é fundamental não apenas para aqueles que se beneficiam da ajuda, mas também para aqueles que a prestam. Uma sociedade na qual as doações de caridade são intencionalmente limitadas estaria condenada à pobreza, tanto econômica quanto moral.
O Papa Francisco dedicou sua vida a servir os pobres e a combater a injustiça. Sua última mensagem de Páscoa, Urbi et Orbi, merece reflexão: “Faço um apelo àqueles que têm responsabilidade política no mundo para que não cedam à lógica do medo que fecha aos outros, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e favorecer iniciativas que promovam o desenvolvimento.
Fé, esperança e caridade são as virtudes fundamentais do cristianismo. Embora muitos de nós pareciam ter esgotado os estoques de esperança nesta Páscoa, nossa fé continua forte, assim como nosso empenho compartilhado com a caridade.