“Confio a vocês a Palestina e seu povo, suas crianças que nunca tiveram tempo de sonhar”. Testamento de Anas Al-Sharif, jornalista palestino assassinado

Anas Al-Sharif | Foto: Captura de tela de vídeo publicado por Al Jazeera

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12 Agosto 2025

Israel matou cinco jornalistas da Al Jazeera em um ataque direcionado, incluindo Anas Al-Sharif, de 28 anos, que havia sido alvo dos militares. Seu testamento é reproduzido na íntegra.

O depoimento é de Anas Al-Sharif, publicado por Ctxt, 11-08-2025.

O jornalista de Gaza, Anas Al-Sharif, de 28 anos, correspondente da Al Jazeera, foi morto na noite de 10 de agosto, juntamente com outros quatro repórteres, todos pertencentes à mesma emissora, em um ataque direcionado por Israel, que o havia designado como alvo em outubro de 2024. Um projeto atingiu uma tenda usada para abrigar a imprensa. O próprio exército israelense confirmou sua morte, acusando-o de pertencer ao Hamas.

Apenas duas horas após sua morte, às 12h25 (horário espanhol), sua esposa tornou público o testamento em sua conta X, explicando que o jornalista havia pedido com alguns meses atrás de publicá-lo, caso ele falecesse.

Eis o testamento.

Este é o meu testamento e a minha mensagem final. Se estas palavras chegarem até vocês, saibam que Israel conseguiu me assassinar e silenciar a minha voz. Antes de tudo, que a paz esteja com vocês, juntamente com a misericórdia e as bênçãos de Alá.

Alá sabe que dediquei todo o meu esforço e toda a minha força para ser um apoio e uma voz para o meu povo, desde que abri os olhos para a vida nos becos e ruas do campo de refugiados de Jabalia. Minha esperança era que Alá prolongasse minha vida para que eu pudesse retornar à minha família e entes queridos em nossa aldeia original, a ocupada Asqalan (Al-Majdal). Mas a vontade de Alá prevaleceu, e Seu decreto é irrevogável.

Eu experimentei a dor em todos os seus detalhes, experimentei o sofrimento e a perda muitas vezes, mas nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou falsificação, para que Alá possa testemunhar contra aqueles que permaneceram em silêncio, aqueles que aceitaram nosso assassinato, aqueles que sufocaram nossa respiração e cujos corações não se comoveram com os restos mortais dispersos de nossas crianças e mulheres, não fazendo nada para impedir o massacre que nosso povo enfrenta há mais de um ano e meio.

Recomendo a vocês a Palestina, a alegria suprema do mundo muçulmano, o coração de todo homem livre neste mundo. Recomendo a vocês seu povo, suas crianças inocentes e oprimidas que nunca tiveram tempo de sonhar ou viver em segurança e paz. Seus corpos puros foram esmagados sob milhares de toneladas de bombas e mísseis israelenses, estilhaçados e espalhados pelos muros.

Peço-lhes que não permitam que as correntes os silenciem, nem que as fronteiras os restrinjam. Sejam pontes para a libertação da terra e de seu povo, até que o sol da dignidade e da liberdade brilhe sobre nossa pátria roubada. Confio a vocês o cuidado da minha família. Confio a vocês minha amada filha Sham, a luz dos meus olhos, que nunca tive a chance de ver crescer como sonhei.

Confio a vocês meu amado filho Salah, a quem desejo apoiar e acompanhar na vida até que ele tenha idade suficiente para carregar meu fardo e continuar a missão.

Confio a vocês minha amada mãe, cujas orações abençoadas me trouxeram até aqui, cujas súplicas foram minha força e cuja luz guiou meu caminho. Rezo para que Alá lhe dê força e a recompense em meu nome com a melhor das recompensas.

Confio-lhes também minha companheira de vida, minha amada esposa, Umm Salah (Bayan), de quem a guerra me separou por longos dias e meses. No entanto, ela permaneceu fiel ao nosso vínculo, firme como o tronco de uma oliveira inflexível, paciente, confiante em Alá, e assumindo a responsabilidade na minha ausência com toda a sua força e fé.

Peço-lhes que a apoiem, que estejam ao lado diante de Alá Todo-Poderoso. Se eu morrer, morrerei firme em meus princípios. Declaro diante de Alá que estou de acordo com Seu decreto, certo de encontrá-Lo e confiante de que quem está com Alá é melhor e eterno.

Ó Alá, aceita-me entre os mártires, perdoa os meus pecados passados e futuros e faz do meu sangue uma luz que ilumine o caminho da liberdade para o meu povo e a minha família! Perdoa-me se falhei e reza por mim com misericórdia, pois cumpri a minha promessa e nunca a alterei nem a traí.

Não se esqueça de Gaza… E não se esqueça de mim em seus sinceros apelos por perdão e aceitação.”

Anas Al-Sharif | Foto: Captura de tela de vídeo publicado por Al Jazeera.

Suas últimas palavras antes de morrer

Também reproduzimos, para seu interesse, a última publicação do jornalista no X, pouco antes de sua morte, publicada às 21h54 do dia 10 de agosto, horário espanhol:

"A quem possa interessar:

A ocupação agora ameaça abertamente uma invasão em larga escala de Gaza. Durante 22 meses, a cidade sangrou sob bombardeios contínuos por terra, mar e ar. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas e centenas de milhares ficaram feridas. Se essa loucura não parar, Gaza será reduzida a escombros, as vozes de seu povo serão silenciadas, seus rostos apagados, e a história os lembrará como testemunhas silenciosas de um genocídio que escolheram não impedir.

Por favor, compartilhe esta mensagem e marque todos que têm o poder de ajudar a impedir este massacre. Silêncio é cumplicidade."

 

Captura de tela da postagem agora excluída publicada em outubro de 2024 pela Telemadrid, acusando vários jornalistas, incluindo Anas Al-Sharif, de pertencer ao Hamas.

Notas

Em 25-10-2024, um assinante do CTXT nos enviou um artigo publicado na TeleMadrid, no qual a rede pública reproduzia a propaganda militar israelense que identificava seis jornalistas palestinos como militantes do Hamas. Esta manhã, esse mesmo leitor nos escreveu novamente e, graças a ele, publicamos este artigo.

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