02 Abril 2025
Cerca de dez jornalistas palestinos que usaram drones para documentar as destruições causadas pelo exército israelense, pelo menos cinco foram mortos ou gravemente feridos desde o início da guerra em outubro de 2023. Esta reportagem faz parte do Gaza Project, do consórcio internacional de jornalismo Forbidden Stories, do qual a RFI faz parte. A investigação colaborativa se concentra nas ameaças enfrentadas por jornalistas palestinos no exercício da profissão.
A reportagem é de Sami Boukhelifa e Nicolas Falez, publicada por Rádio France Internacional - RFI, 01-04-2025.
As contas em redes sociais de Shadi al-Tabatiby relatam a história de Gaza antes e depois do início da guerra. Nos últimos anos, o palestino postou inúmeros vídeos filmados com seu drone: pôr do sol sobre a cidade de Gaza, o balé dos faróis de carros nas ruas desse território densamente povoado, águas do Mediterrâneo banhando o litoral do enclave, barco de pesca deslizando por um mar azul...
São imagens que oferecem uma nova faceta sobre um território que é sinônimo de confinamento, de enclave, mas que, pelo olhar de Shadi e de seu drone, revelam, repentinamente, uma beleza inesperada.
"Eu sempre fui apaixonado por imagens aéreas", conta Shadi em entrevista para a RFI. "No começo, eu ia ao topo dos prédios para fotografar [Gaza] de cima. Sonhava em ter um drone".
Formado pela Universidade Al-Azhar de Gaza, ele gastou US$ 4.500 para comprar seu primeiro drone usado. O seguinte custaria US$ 7.500, cinco ou seis vezes mais do que teria custado em outro lugar do mundo. Em uma Gaza sitiada, muitos bens estão disponíveis apenas por meio do contrabando.
O apaixonado por fotojornalismo se torna jornalista operador de drones a partir de 2020, trabalhando como freelancer para agências de notícias ocidentais (Reuters, AP, AFP) ou turcas (Anadolu).
A partir de outubro de 2023, as imagens de Shadi mostram que tudo mudou em Gaza: após os ataques mortais do Hamas em território israelense, começam os bombardeios. Seu drone sobrevoa então edifícios bombardeados, campos de ruínas de onde se erguem espessas colunas de fumaça tão cinzentas quanto o concreto dos destroços.
Em janeiro de 2024, Shadi precisa cuidar da mulher e filho e desiste no último momento de acompanhar um colega em uma filmagem. O amigo Moustafa é morto por um ataque israelense enquanto filmava com um drone os resultados de uma incursão israelense.
Moustafa Thuraya foi o primeiro jornalista palestino morto desde 7 de outubro de 2023 enquanto exercia seu trabalho com um desses dispositivos. O exército de Israel afirmou na época ter "identificado e matado um terrorista operando um aparelho voador que representava uma ameaça para as tropas israelenses". Shadi lembra: "Moustafa foi filmar sem mim e acabou morto. Naquele dia, eu, o apaixonado por drones, senti aversão por eles, odiei a profissão de jornalista."
Em 24 de fevereiro de 2024, outro jornalista palestino é alvo: Abdallah al-Hajj precisa ter as duas pernas amputadas após um ataque. "Na hora em que guardei meu drone, fui atingido", conta ele ao jornal Le Monde.
O cenário trágico se repete. Dois jovens jornalistas palestinos, Ibrahim e Ayman al-Gharbaoui, entram em contato com Shadi e pedem conselhos sobre como usar seus drones. Ainda abalado pela morte de Moustafa, Shadi se recusa. Em 26 de abril de 2024, os dois irmãos Ibrahim e Ayman são mortos durante sua primeira tentativa de filmar Gaza com seus drones.
Operadores de drones ou não, jornalistas palestinos morrem às dezenas nos bombardeios e ataques israelenses sobre a Faixa de Gaza: "Eu pensei: 'Preciso sair de Gaza.' Estava apavorado", lembra Shadi. "Eu pensava: 'Eles podem me matar a qualquer momento, até enquanto durmo', Porque eu sabia que os israelenses podiam rastrear meu telefone. Então, à noite, eu deixava meu telefone em um lugar e ia para casa. Estava com muito medo pela minha família”, relata o jornalista, que conseguiu deixar a Faixa de Gaza em maio de 2024.
Durante a investigação coletiva do Forbidden Stories, os jornalistas participantes conseguiram coletar o depoimento de um reservista do exército israelense. Michael Ofer-Ziv é um desses milhares de soldados que vestiram o uniforme logos após os ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023.
Ele serviu na base militar de Sde Teiman, onde sua missão era monitorar imagens em tempo real transmitidas pelas forças que operavam na Faixa de Gaza. O objetivo: evitar que soldados israelenses fossem atingidos por disparos vindos do próprio campo. "Em nenhum momento durante esta guerra eu recebi um documento oficial que estabelecesse as regras de engajamento. E isso é um problema, porque deixa muito espaço para interpretação".
Quanto ao comportamento a ser adotado frente aos drones, "o consenso" na sala de comando era claro: "Se virmos alguém pilotando um drone e não for o nosso, a ideia é atirar no drone e na pessoa que o usa, sem fazer perguntas". E os jornalistas? "Não falamos sobre isso", afirma ele ao Forbidden Stories.
Em junho de 2024, após um período de reflexão, o reservista recusou-se a vestir novamente o uniforme, uma decisão que poderia resultar em sanções, incluindo prisão. Ele se juntou a um grupo de mais de 100 reservistas israelenses que assinaram uma petição destinada ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, recusando-se a retomar o serviço sem um cessar-fogo imediato em Gaza e o retorno dos reféns israelenses.
O ex-tenente-coronel Maurice Hirsch, que serviu por 19 anos no corpo dos juristas do exército israelense (Military Advocate General Corps), afirma de forma inequívoca: "Se você faz uma reportagem capaz de informar sobre movimentos ou posições de tropas, seja na Rússia, na Ucrânia ou posições do Tsahal (exército israelense) em Gaza, você é imediatamente considerado como um participante das hostilidades e, portanto, um alvo legítimo". Para ele, se um soldado avista um drone e seu operador em uma zona de combate e os toma como alvo, não se deve presumir erro, pois é razoável supor que seja "uma força inimiga".
O coronel Eran Shamir Borer, que esteve à frente do mesmo departamento (e que atualmente dirige o Centro para a Segurança e a Democracia no Instituto Israelense para a Democracia), se surpreende que jornalistas trabalhem com drones, considerando que essa prática não é recomendada em zona de guerra, especialmente em Gaza, onde se sabe que as forças do Hamas também usam drones e os combatentes do grupo armado às vezes podem se disfarçar de civis. Mas ele pondera: "Usar um drone para fins civis não constitui uma participação nas hostilidades. Se o exército israelense soubesse que jornalistas estão usando drones, deveria ser mais cauteloso."
"Keeping stories alive" (ou "Mantendo as histórias vivas") é um dos objetivos do Forbidden Stories, que coordena o consórcio jornalístico do qual a RFI participa. É nesse contexto que os meios de comunicação financiaram juntos um projeto para filmar imagens semelhantes àquelas que não puderam existir através dos olhos dos drones e dos jornalistas alvos do exército israelense. O resultado é esta reconstrução 3D imersiva de Shati e Jabalia que está no texto original.
Essa reconstrução foi possível graças ao trabalho de Mahmoud Isleem al-Basos, um jornalista-dronista que trabalhou anteriormente para a Reuters e a agência de notícias turca Anadolu. Em 15 de março, poucos dias após a filmagem para o Forbidden Stories, Mahmoud Isleem al-Basos foi atingido em um ataque israelense que deixou pelo menos 7 mortos.
Várias das vítimas, incluindo Mahmoud, trabalhavam naquele dia para a Fundação Al Khair, uma ONG com sede em Londres. O exército israelense afirmou ter visado "terroristas", incluindo dois que operavam um drone. Mahmoud não apareceu na lista de nomes e fotos divulgada pelo exército israelense, mas um nome semelhante foi encontrado, o de um indivíduo descrito pelo exército como "um terrorista do Hamas atuando sob disfarce jornalístico". Segundo as investigações do Forbidden Stories, a pessoa mencionada pelo exército não tem ligação direta com o fotógrafo Mahmoud Isleem al-Basos e não foi morta no ataque.
O Forbidden Stories entrou em contato com o exército israelense para solicitar provas das acusações. O Tsahal declarou que não iria fornecer "mais detalhes sobre as declarações publicadas". De forma mais ampla, afirmou "rejeitar categoricamente as alegações de ataques sistemáticos contra jornalistas", garantindo que "atinge apenas membros de grupos armados e indivíduos que participam diretamente nas hostilidades".
Segundo a Fundação Al Khair, a equipe foi alvo deliberado enquanto realizava uma missão "puramente humanitária", e a ONG nega qualquer vínculo entre sua equipe e grupos armados. Outras fontes consultadas pelo Forbidden Stories, incluindo um representante do Hamas, confirmaram que Mahmoud Isleem al-Basos não tinha afiliação com a organização, nem com o Jihad Islâmico.