05 Outubro 2024
Doutor em filosofia pela Universidade Humboldt, de Berlim, e professor associado da Universidade de Tóquio, Kōhei Saitō, de 37 anos, é também o mais jovem vencedor do Prêmio Deutscher Memorial, que premia os escritos marxistas mais inovadores. Em Moins! La décroissance est une philosophie (Menos! O decrescimento é uma filosofia), que vendeu 500 mil exemplares no Japão, o acadêmico tenta uma associação ousada entre os escritos de Marx, a ecologia e o decrescimento, que ele chama de “comunismo decrescimentista”. Marcado pelo acidente nuclear de Fukushima em 2011, Kōhei Saitō acredita que o marxismo deve ir além da questão do produtivismo e abraçar a questão própria do nosso tempo, a saber, os limites planetários.
A entrevista é de Matthieu Giroux, publicada por Usbek & Rica, 29-09-2024. A tradução é do Cepat.
Segue trecho do documentário “Kohei Saito on Marx in the Anthropocene – Towards the Idea of Degrowth Communism” (Kohei Saito sobre Marx no Antropoceno – Rumo à Ideia do Comunismo do Decrescimento), publicado no canal no YouTube Deterritoria.
Como é visto o discurso decrescimentista num país como o Japão, conhecido pelo seu poder industrial e pelo seu fascínio pelas novas tecnologias?
Não é muito diferente da França. As pessoas tendem a ter uma imagem negativa do decrescimento e do comunismo. O sucesso que meu livro obteve foi, portanto, uma surpresa. Dito isto, foi publicado durante a pandemia, em um momento em que as pessoas diziam que precisávamos mudar o nosso estilo de vida e desacelerar. É claro que a pandemia causou muitos problemas, mas também proporcionou tempo livre às pessoas, especialmente para estar com as suas famílias. Isso permitiu que se concentrassem em coisas essenciais. Então talvez fosse um bom momento para refletir sobre os excessos do capitalismo japonês.
Além disso, a economia japonesa está estagnada há décadas e os cidadãos abandonaram a ideia de que ela iria se recuperar novamente. Sucessivos governos tentaram de tudo: desregulamentação, privatização, flexibilização quantitativa… Mas não funcionou! Talvez precisemos aceitar o fato de que o decrescimento é o nosso destino.
Foram tomadas medidas políticas nos últimos anos no Japão para promover a ecologia ou o decrescimento?
Os políticos japoneses estão obcecados com o crescimento. O primeiro-ministro Fumio Kishida renunciará na próxima semana e o Partido Liberal Democrata (LDP) está em processo de escolha de um novo líder. Seu provável sucessor, Shigeru Ishiba, com quem pude conversar em programas de televisão, parece aceitar algumas ideias decrescimentistas. É uma pessoa que vem do interior, que gosta do transporte público e que aceita o fato de podermos trabalhar menos. Mas, no geral, as mudanças climáticas e o decrescimento não são temas importantes no Japão.
Você insiste no fato de que o decrescimento autêntico não pode ocorrer num contexto capitalista. Por sua vez, o crítico literário e teórico marxista estadunidense Fredric Jameson disse que era mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Então, o que fazer?
Devemos superar esta pobreza da nossa imaginação. Mesmo que seja verdade, e ainda mais hoje, que é difícil prever uma saída do capitalismo. É por isso que é importante ler filósofos como Karl Marx, claro, mas também William Morris, David Graeber, Peter Kropotkin para desenvolver novas ideias. O objetivo não é reformar o neoliberalismo para alcançar um capitalismo virtuoso. Devemos formular uma crítica mais fundamental: a da propriedade privada, do mercado competitivo, do funcionamento da moeda, etc.
Não é ainda mais difícil agora que a China se tornou o novo coração do capitalismo?
A China não é um fracasso do socialismo. É uma nova manifestação do capitalismo. É um fato: o mundo é dominado pelos países capitalistas. Mas vemos que o capitalismo está fracassando em todos os lugares, seja por causa das mudanças climáticas, da inflação, do aumento das desigualdades econômicas, das guerras... É incapaz de responder a estes problemas.
Penso que as novas gerações são mais críticas em relação ao capitalismo, mesmo nos Estados Unidos. Muitas vezes ouvimos que as crises fazem parte do capitalismo e que é uma forma de ele se renovar. Mas não creio que seja sempre assim e é um fenômeno que tem apenas 200 anos. Pode entrar em colapso. Não devemos desistir.
O decrescimento implica em comprar menos, ter menos, viajar menos… Como podemos tornar um programa como este atrativo e invejável?
Trabalhar menos, por exemplo, é muito atrativo! Com um bom sistema de saúde, educação, transporte público, acesso à internet, talvez as pessoas trabalhassem menos. A minha concepção de decrescimento não se resume a uma simples redução da atividade. Está ligada à ideia do comunismo, no sentido de que precisamos de mais comuns nas nossas sociedades. Um melhor desenvolvimento dos comuns tornar-nos-ia menos preocupados economicamente e mais felizes.
Algumas tradições espirituais japonesas, como o zen, incentivam uma forma de simplicidade e frugalidade. Você acha que elas podem nos ajudar a mudar o nosso estilo de vida?
Serge Latouche, com quem me encontrei, perguntou-me por que não utilizei esta dimensão para desenvolver o conceito de decrescimento no meu livro. Na minha opinião, se o zen e o xintoísmo fossem tão importantes na sociedade japonesa, não teríamos este capitalismo do excesso. Tomemos como exemplo Tóquio: é uma cidade muito mais capitalista que Paris! Quase tudo está aberto aos domingos, os Konbini estão abertos 24 horas por dia sete dias da semana, os centros comerciais estão por todo lado... Sinceramente, tenho dificuldade em perceber o espírito zen na cultura japonesa. É também por isso que aceitamos tão facilmente a americanização.
Penso que é muito difícil mobilizar estas tradições para promover o decrescimento. No entanto, embora seja marxista, não sou um materialista puro. Penso que a espiritualidade é importante e estou aberto ao diálogo com o budismo e o zen. Mas são práticas que não podem ser aplicadas pela maioria das pessoas.
À primeira vista, por que o marxismo (especialmente o jovem Marx) e o decrescimento são incompatíveis?
Os ambientalistas têm razão em designar o marxismo do século XX como uma ideologia produtivista, demasiado otimista na questão do desenvolvimento das forças produtivas e defendendo uma forma de modernização. Por exemplo, os partidos comunistas francês e japonês apoiam a criação de centrais nucleares porque isso promoveria o poder da classe trabalhadora. Nesta perspectiva, não há espaço real para as questões ecológicas, porque a tecnologia pode sempre dominar a natureza. Em contraste, o decrescimento realmente se preocupa com a questão dos limites do planeta. No entanto, este é um debate negado pela maioria dos marxistas.
Em que momento você acha que Marx passou a se interessar pelas questões ecológicas?
O jovem Marx, o do Manifesto do Partido Comunista (1848), é demasiado otimista na questão tecnológica. Mas, quando se lê O Capital, ele faz algumas observações críticas que têm a ver com a questão ecológica e menciona desvios metabólicos irreparáveis ligados ao capitalismo. Ao estudar suas notas preparatórias para o volume III de O Capital, percebi que ele lia muitas obras de ciências naturais. Ele estava interessado na erosão do solo, no desmatamento, na extinção de espécies... Está claro que Marx identificou o problema da destruição ambiental como uma das contradições do capitalismo.
Os marxistas ortodoxos não insistem nisto porque Marx teve dificuldades para integrar todas estas novas ideias no projeto geral de O Capital. Os marxistas-leninistas e os estalinistas ignoraram estas ideias porque não conduziam ao desenvolvimento do comunismo com base científica do jeito que foi implementado na União Soviética.