11 Novembro 2023
Do que estamos falando quando o assunto é prosperidade? Para o economista ecológico Tim Jackson, a questão central não tem nada a ver com a riqueza. O relatório em que Jackson redefine o conceito e aborda as consequências morais, sociais e econômicas do afã por um crescimento infinito, em um planeta com recursos finitos, marcou um ponto de inflexão no movimento decrescentista.
Transformado em livro, Prosperidade sem Crescimento, fruto do trabalho da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido, presidida por Jackson entre 2004 e 2011, despertou tal interesse que o estudioso foi chamado ao Ministério das Finanças para se explicar. Após ouvi-lo, um alto funcionário lhe respondeu horrorizado: “O que aconteceria se o Reino Unido se apresentasse na próxima reunião do G7 com uma queda na classificação?”
A entrevista é de Ariadna Trillas, publicada originalmente por Alternativas Económicas e reproduzida por Rebelión, 09-11-2023. A tradução é do Cepat.
Hoje, se o governo britânico voltasse a lhe chamar, a reação seria a mesma?
Aquela foi uma resposta muito chauvinista, própria de uma concepção do mundo em concorrência e com medo do fracasso. Depende de quem é o interlocutor, claro, mas acredito que as possibilidades de uma reação diferente são grandes. A necessidade de pensar para além do crescimento abriu caminho.
Você está falando sério?
Existem razões legítimas para que se questione o ataque ao crescimento. Como pagaremos o Estado de bem-estar? Como vamos equilibrar os orçamentos? Como fazer para que o sistema de saúde funcione? Gostaria de pensar que a resposta que receberia, hoje, consistiria em levantar estas preocupações legítimas.
É a resposta que pensei que teria e não tive. Contudo, é verdade que a mentalidade dominante permanece aí. Em especial, os líderes políticos ainda acreditam que o seu trabalho é se ajustarem às promessas sobre o quanto de crescimento enxergam como possível.
Na ‘Beyond Growth Conference’, realizada em maio, no Parlamento Europeu, falou-se em superar o crescimento. Foi um marco. Até que ponto há um risco de que a ideia entre na agenda para que nada mude, como quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) começou a falar de desigualdade?
Vi aqueles jovens muito iludidos porque eram ouvidos nas instituições europeias, acreditando que, por isso, as coisas iriam mudar... A liberdade de expressão nas democracias ocidentais é muito boa, é claro, mas se tudo se limita a poder dizer o que se quer, sem que essas ideias entrem na arena política e nos processos de mudança, perdemos tempo. E pior que isso, pois acreditamos que estamos gerando uma mudança.
Durante a minha carreira, aprendi que ter muitos seguidores no Twitter ou escrever em uma publicação cinco estrelas não significa que o mundo vai mudar. Trabalhei com organizações da sociedade civil, com empresas, com governos... e nunca se sabe quais são as coisas que se faz que ajudarão na mudança.
Por isso, acredito que devemos empreendê-las igualmente, comprometer-nos com uma visão e valores de mudança social. Sem pensar que um discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Parlamento Europeu, signifique que o mundo já está diferente.
Ela argumenta que o modelo baseado em combustíveis fósseis está obsoleto e que a solução é o crescimento verde.
Temos que ser muito cautelosos a esse respeito. Von der Leyen fala de um novo modelo de crescimento não baseado em combustíveis fósseis, porque se supõe que temos soluções tecnológicas adequadas. E de modo algum é assim, nem mesmo quando se fala em substituir carros com motor de combustão por veículos elétricos, que requerem a extração de metais raros.
Criamos baterias, estradas... e este processo exige muitos materiais e, parte disso, é extremamente prejudicial. Basta observar os danos que criamos nas comunidades indígenas porque buscamos lítio. Muitas tecnologias ligadas à energia renovável são mais intensivas em capital do que as infraestruturas dos combustíveis fósseis e menos intensivas em empregos. A curto prazo, tem-se empregos, mas a longo prazo se tem mais lucros do que salários.
Caso não se pense em coisas assim, claro, é fácil substituir uma visão de crescimento por outra visão de crescimento. Porém, quando se pensa na sociedade que queremos, nas infraestruturas que necessitamos e no meio ambiente que desejamos, as coisas são vistas de forma diferente. Um modelo baseado no crescimento econômico ilimitado não funciona. Um de meus colegas chama o crescimento verde de green wishing. O desejo verde é a nova lavagem verde. Bem-intencionado e inútil como a lavagem verde.
É possível criar empregos sem crescer?
Durante décadas, o mantra tem sido que crescimento equivale a empregos. E em certos momentos foi assim. Contudo, tivemos crescimento sem empregos, e em outros momentos tivemos empregos sem necessariamente termos crescimento. A equação não funciona. Está mediada pelo que os economistas chamam de crescimento da produtividade do trabalho.
A transição para uma economia baseada em combustíveis fósseis se caracterizou pelo aumento da produtividade do trabalho: substituímos tempo humano com máquinas e processos manufatureiros, e buscamos infraestruturas intensivas em capital que substituíam o trabalho humano por combustíveis fósseis. Agora, falamos em abandonar esse modelo. O trabalho e o tempo humanos poderiam ter maior demanda.
Para você, o que é a economia?
A economia é a forma como organizamos a sociedade para satisfazer as nossas necessidades e realizar as nossas aspirações. De certa forma, os economistas convencionais também podem concebê-la assim, mas possuem uma visão mais limitada sobre os meios para esse propósito: concentram-se apenas em termos materiais. E isso não funciona, porque somos pessoas.
As relações humanas são tão ou mais importantes do que as coisas. No cerne da visão dominante dos economistas está a ideia de que o que importa é o crescimento econômico. No entanto, está comprovado que o afã pelo crescimento está por trás de graves danos ambientais e sociais, além da instabilidade financeira. O problema é o que e como se ensina a economia.
E como se chega ao pós-crescimento?
Uma economia do pós-crescimento é uma economia mais rica na necessidade de tempo humano que contribua para uma maior qualidade de vida. Um modelo em que o trabalho humano importe, que não seja um custo a ser eliminado. E onde em muitos setores não priorizemos a maior produtividade do trabalho.
Nos cuidados, por exemplo, o que cria valor na vida das pessoas é o quanto investimos uns nos outros. E o que dizer do tempo que um artesão investe para criar um produto duradouro, que não quebre logo após ser levado para casa. Isso é uma economia do pós-crescimento.
Soa bem, mas em países com um desemprego alto como este é difícil ouvi-lo.
Após a crise financeira, visitei a Espanha, Grécia e Itália, com taxas de desemprego juvenil disparadas, de até 50%. Diziam que não podiam se permitir não ter crescimento. E eu olhava ao meu redor e respondia: não há trabalho nesta economia? Não há edifícios para reformar? Não há crianças para ensinar? Não há idosos que precisam de cuidados? Não é necessário mais profissionais de enfermagem?
Para onde quer que se olhe, faltam empregos na economia. Esses empregos não existem porque não há crescimento? Ou é porque concebemos uma economia tão dependente do aumento da produtividade que não sabemos como criar empregos para fazer as coisas que são tão necessárias?
Isso me leva a perguntar a respeito da oportunidade perdida da pandemia. A economia não costuma parar repentinamente para percebermos a importância da interdependência e quais são os trabalhos essenciais. Serviu para algo?
Na pandemia, aprendemos que descuidamos das pessoas que nos protegem. Vimos a importância da economia dos cuidados, sua centralidade para a nossa sobrevivência e também vimos que as pessoas que aplaudíamos por salvarem as nossas vidas são as pessoas que o capitalismo menospreza, seus cidadãos de segunda e terceira classe. E as despreza porque em sua tarefa é difícil alcançar o crescimento da produtividade. E o capitalismo precisa desse crescimento para maximizar lucros por meio da redução de custos.
A austeridade deixou um sistema de saúde e cuidados pouco resiliente a uma pandemia. Os governos tiveram que agir rapidamente. A grande lição da pandemia é a de descobrir que os governos podem agir mais rápido. E ainda não formulamos questões mais profundas: Por que as pessoas que se revelaram as mais importantes na economia são desprezadas em nosso sistema econômico? Como permitimos tal coisa? Não podemos esconder essas questões debaixo do tapete.
Na pandemia, surgiu uma espécie de dilema entre economia e saúde.
Não há prosperidade sem saúde. Se você pensa na prosperidade como saúde, acaba se aproximando da prosperidade de uma forma muito diferente. Não pensa em acumulação, em investimento financeiro, em maximizar lucros. A saúde é um equilíbrio.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), morrem mais pessoas por doenças relacionadas ao excesso de consumo, como a obesidade, a hipertensão e a diabetes, do que por desnutrição. É um sintoma de que o sistema não sabe como alcançar um equilíbrio. Sabe querer mais.
Devemos repensar a nossa ideia do que é a prosperidade. A pandemia nos mostrou como. Precisamos desassociar emprego de crescimento, saúde de crescimento, e nos concentrarmos em uma economia que alcance o equilíbrio.
Em seu último livro, ‘Post Growth’, você concebe o crescimento como um mito cultural. Como se muda um mito?
As ideias têm a ver com as nossas crenças sobre nós mesmos e o mundo que nos rodeia, crenças que nos afastam da mudança. As crenças nos parecem algo tão sólido e imutável como a existência da gravidade. Contudo, o mito é uma construção social. É constituído por narrativas, histórias, discursos. Nossos e de nossos ancestrais. Parecemos fixados no fluxo da história. Fluímos na mesma direção que os outros.
O mito do crescimento permaneceu estável por um longo período. Contudo, o mito do crescimento vai mudar, porque tudo muda. A cultura também. Devemos nos comprometer com a mudança de ideias, com outras ideias e com ações, mesmo que ainda não vejamos a mudança. Escrevi Post Growth porque disse a mim mesmo que precisamos de uma nova narrativa.
E a nova narrativa sobre o que é importante já estava aí. Robert Kennedy, Emily Dickinson, Hannah Arendt, Thich Nhat Hanh…
Sim. Poetas, romancistas, cientistas, filósofos, políticos, monges, ativistas... já a haviam contado durante milênios. Já existe uma corrente cultural na história. Fazê-la emergir não é tarefa de uma só pessoa. Devemos reconhecer coletivamente que precisamos de uma mudança cultural.
A juventude tem um papel crucial na mudança, mas é tão fácil o clique na Amazon...
A assimetria de poder é enorme. Gera a sensação de incapacidade diante dos Golias. Porém, as mudanças se articulam e se ampliam reunindo as pessoas, como estão fazendo os movimentos juvenis contra a mudança climática, com a crítica ao sistema econômico que resulta disso. Não é possível prever quando ocorrerá uma mudança, mas acontecerá. Não resolve repetir que não se tem poder diante de Bill Gates, Jeff Bezos e Elon Musk.
Enxerga o fim do capitalismo?
O engraçado é que durante a crise financeira muitos capitalistas se flagelavam sobre os danos causados pelo capitalismo e a necessidade de refundar o sistema. Surgiu a ideia de que é necessário mudar para uma nova fase, o capitalismo verde, que cuida dos stakeholders [grupos de interesse]. Na realidade, proclamaram uma vida longa para o capitalismo.
O capitalismo é como qualquer outro sistema social: durará um certo tempo. Evoluirá, terá as suas próprias contradições e mudará. Isso não significa que está morto. Sua maior força é a de moldar como pensamos e agimos.
Por quê?
O capitalismo propõe ter cada vez mais porque é a sua forma de criar um marco de sentido para enfrentar o problema existencial de que todos vamos morrer. Nas sociedades anteriores, essa função, caso contrário se libera o caos e a falta de sentido, correspondia à religião. O consumismo nos vende uma cornucópia de prosperidade. É uma defesa psicológica contra o medo da nossa própria mortalidade, um paraíso que a substitui. E, ao mesmo tempo, uma tática de distração.
Após a queda das Torres Gêmeas, no 11 de setembro, o que George Bush fez? Incentivar os americanos a fazer compras. É claro que queria que a economia não se afundasse. Contudo, também usava essa defesa diante do medo. Agora, o capitalismo fracassa…, não pode nos satisfazer. Precisa que continuemos comprando.
Não sentimos angústia apenas por morrer, mas por viver. A inteligência artificial (IA) nos torna inúteis e desnecessários.
Também tem a ver com o medo da morte. Neste caso, não individualmente, mas acerca de nossa extinção como espécie. A IA avança pela mesma razão que eu dizia antes: ajuda a aumentar a produtividade do trabalho, desfaz-se das pessoas, pois as considera um custo. Ao longo da história, as novas tecnologias geraram novos campos de riqueza que, em cada transição, enriqueceram um punhado de pessoas.
Pouco importa que a vida profissional se desestabilize e que de modo algum seja regularizada. A IA tem a ver justamente com a divisão que o capitalismo cria entre os donos do capital e da tecnologia e as vidas e condições de trabalho das pessoas. Estamos criando problemas sociais e econômicos que vão nos acompanhar por décadas.
Tim Jackson (Reino Unido, 1957) dirige o Centro para a Compreensão da Prosperidade Sustentável, da Universidade de Surrey, um centro multidisciplinar que pesquisa as faces social, econômica e política da prosperidade sustentável. Este economista ecológico tem uma formação pouco comum. Ainda estudante, vendeu sua primeira peça de teatro para a BBC.
Formou-se em Matemática, Filosofia e Física. É, além disso, dramaturgo. Escreveu thrillers ambientais, histórias de amor, controvérsias científicas. Assessorou governos, empresas, instituições internacionais e entidades sociais. De 2004 a 2011, liderou o trabalho da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável de seu país.
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“Devemos repensar nossas ideias sobre o que é a prosperidade”. Entrevista com Tim Jackson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU