12 Janeiro 2022
"No Butão cerca de 80% da população acima de 12 anos foi vacinada, e agora se prepara para administrar a terceira dose. Um sucesso que o ministro atribui totalmente à busca da felicidade que, no Butão, representa o farol de toda escolha social, política, sanitária, ambiental e econômica", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano, na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 11-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Butão, sem grandes recursos, mas com objetivos claros, conseguiu vacinar 80% da população com mais de 12 anos. E está começando a terceira dose.
A antropóloga Mary Douglas o havia dito e a Covid confirmou: “Seja qual for o risco que a humanidade corra, são sempre os mais pobres que pagam o maior preço”. No caso específico, o sofrimento não foi vivido apenas pelos infectados, mas por toda a comunidade, pois a única forma identificada de se proteger de um patógeno desconhecido foi a antiga estratégia do isolamento, e a economia entrou em crise. Fábricas fecharam, escritórios fecharam, viagens bloqueadas e milhões de trabalhadores ficaram em casa. Para as suas famílias, o risco de não ter mais do que viver tornou-se real, mas não foi o mesmo para todos. Nos países ricos, pobres e empobrecidos encontraram o apoio de governos que, para evitar o colapso econômico e social, não pouparam gastos, a ponto de aumentar sua dívida em 9 trilhões de dólares só em 2020.
Não foi assim nos países mais pobres, onde cada dia passado em casa foi um dia duro sem pagamento. De acordo com os cálculos do Banco Mundial, ao longo de 2020, o exército dos pobres absolutos foi engrossado por mais 100 milhões de pessoas. E quando as vacinas começaram a aparecer, como "Avvenire" continuou a documentar, houve o mesmo tipo de apartheid: boom de vacinas nos países ricos e percentuais ridículos nos países mais pobres. Dois opostos: Itália com 82% e Madagáscar com 2%. Ainda assim, há um país de baixa renda que teve um destino diferente. É o Butão, que segundo seus governantes deve a diferença ao fato de ter estabelecido a felicidade como objetivo econômico e político.
Com uma população que não chega a um milhão de pessoas, o Butão é um pequeno território do Himalaia entre a Índia e a China. Não muito longe de suas fronteiras atuais, por volta de 500 a.C., viveu Siddhartha Gautama, mais tarde chamado de Buda, o Iluminado, que deixou uma profunda marca filosófica e religiosa em toda a área. Atingido pelos sofrimentos vividos pela humanidade, Buda dedicou sua vida à busca de caminhos comportamentais e meditativos capazes de levar à superação do sofrimento. E embora o último estágio proposto por Buda seja de tipo transcendental, o budismo tem muito a ensinar também em relação à busca da felicidade, que Buda incluiu entre as sete condições para atingir a iluminação.
Não é por acaso que a felicidade é mencionada em numerosos documentos pertencentes à tradição budista. Em particular, aquela do Butão, que concentra nas mesmas pessoas cargos políticos e religiosos (regime que não está isento de falhas, considerando que apesar da liberdade religiosa formal, organizações diferentes daquelas budistas e, em dois casos, organizações hindus continuam a não obter reconhecimento, enquanto casos de perseguição contra cristãos não são raros).
No mosteiro de Punakha, foram encontradas tábuas de pedra datadas de 1635, nas quais estão gravadas normas que os estudiosos atribuem a Ngawang Namgyal, o lama, além de governante, considerado o pai fundador do Butão correspondente ao território atual. Em uma passagem lemos que “o objetivo final da organização estatal de tipo budista é garantir a felicidade a todos os habitantes da nação. Se o governo não pode garantir a felicidade ao seu povo, desaparece o motivo de sua existência”. Embora a busca pela felicidade seja um objetivo político de longa data no Butão, só ficou conhecido no Ocidente no final do segundo milênio, devido ao clamor suscitado pela iniciativa de Jigme Singye Wangchuck, governante da época.
Tendo ascendido ao trono em 1972 com apenas 17 anos, ele se perguntou qual era a melhor maneira de servir seu povo e, em vez de seguir a tendência dos governantes do sul do mundo que se limitavam a copiar modelos culturais, políticos e econômicos ocidentais, decidiu perguntar aos seus súditos.
A pé e a cavalo, o jovem soberano atravessou todo o país e descobriu que embora as pessoas queriam sair da miséria, ao mesmo tempo não se sentiam pobres. Pelo contrário, orgulhavam-se da própria riqueza espiritual, das raízes culturais e dos fortes laços sociais que eram a base da vida comunitária. Tudo reforçado por uma sensação de segurança decorrente da relação de simbiose estabelecida com a natureza.
Em conclusão, o jovem rei ficou impressionado com o fato de que, apesar do nível de miséria, em alguns casos muito grave, as pessoas não se limitavam a pedir melhores condições de vida, mas também a salvaguarda de seu meio ambiente, o fortalecimento da comunidade e a proteção das próprias tradições culturais e religiosas, pois o objetivo não era apenas o enriquecimento material, mas a felicidade que se obtém quando todas as dimensões da vida individual e coletiva são satisfeitas. E, atento ao empenho assumido em 1635 por seu antecessor, decidiu não assumir como objetivo o crescimento do produto interno bruto, mas a busca da felicidade nacional bruta. Decisão que foi formalizada por meio de lei em 1998, até ser inserida na Constituição em 2008.
Com o esclarecimento de que a felicidade é alcançada quando são garantidos padrões de vida adequados, boa saúde física, altos níveis de educação, plena integridade ambiental, salvaguarda da própria cultura, forte coesão social, bem-estar psíquico e um bom governo.
Os aspectos mencionados lembram bastante os objetivos de desenvolvimento humano e os objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030 definidos pelas Nações Unidas. Afinal, em 2011 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que convidava todos os países do mundo “a seguir o exemplo do Butão, a introduzir indicadores para medir a felicidade e o bem-estar, a definir a felicidade como um objetivo humano fundamental".
Nesse contexto, quando a Covid chegou, dois mecanismos foram imediatamente ativados no Butão. Por um lado, foi criado um fundo de assistência às famílias e às empresas para a concessão de contribuições e empréstimos em condições facilitadas. Por outro lado, foi enviado um convite a todos os cidadãos para se voluntariarem no âmbito de um programa governamental denominado "Guardiões da Paz" voltado não só ao reforço dos serviços de saúde, mas também aos serviços de vigilância para a contenção das infecções dentro do país e nas fronteiras. Finalmente, quando as vacinas foram disponibilizadas, o governo buscou todas as colaborações possíveis com governos estrangeiros e órgãos supranacionais para obter fundos suficientes para conseguir obter as doses necessárias para vacinar sua própria população.
Em entrevista divulgada em 15 de dezembro à revista "Finance & Development", Lyonpo Namgay Tshering, ministro das Finanças, especificou que no Butão cerca de 80% da população acima de 12 anos foi vacinada, e agora se prepara para administrar a terceira dose. Um sucesso que o ministro atribui totalmente à busca da felicidade que, no Butão, representa o farol de toda escolha social, política, sanitária, ambiental e econômica.
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A luta eficaz contra o Covid no País da “Felicidade Nacional Bruta” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU