22 Agosto 2020
Serge Audier é filósofo, autor de La société écologique et ses ennemis ; pour une histoire alternative de l’émancipation (A sociedade ecológica e seus inimigos; por uma história alternativa da emancipação, La Découverte, 2017) e L’âge productiviste : hégémonie prométhéenne, brèches et alternatives écologiques (A era produtivista: hegemonia prometeica, rupturas e alternativas ecológicas, La Découverte, 2019), entre outros livros. Ele leciona Filosofia Política na Sorbonne-Université. Em setembro, publicará La cité écologique. Pour un éco-républicanisme (A cidade ecológica. Por um eco-republicanismo).
Sua entrevista conclui nossa série de verão sobre Profetas da Ecologia Social. Serge Audier relembra as profundas fraturas que os pensadores iniciaram no século XVIII sobre o tema da natureza e do capitalismo. Uma disputa entre a esquerda pós-rousseauniana e a esquerda pós-enciclopedista que continua até hoje. No entanto, devemos superar esse divórcio, estima o filósofo.
A entrevista é de Hervé Nathan, publicada por Alternatives Économiques, 20-08-2020. A tradução é de André Langer.
Coalizões formadas por ecologistas, socialistas e comunistas conquistaram as principais prefeituras nas últimas eleições municipais. Algumas anunciam o nascimento de uma esquerda “ecossocialista”. Para você que estudou a gênese da ecologia política, seria um justo retorno às raízes?
Certamente podemos ser tentados a ver nisso uma espécie de retorno às raízes, uma vez que os primeiros pensadores ecológicos haviam vinculado essa luta àquelas pela emancipação, ao mesmo tempo políticas – a extensão da democracia – e principalmente sociais – as comunidades alternativas ou mesmo o socialismo. Tanto do lado dos ecologistas quanto do lado da esquerda clássica, sentimos agora a preocupação salutar de combinar o ecológico e o social, mas, inevitavelmente, há ainda muito de bricolagem e de tateio. Ainda estamos longe de uma nova síntese doutrinária e programática capaz de convencer em nível nacional.
Porém, ao ler suas obras, no século XIX, a necessidade de vincular a crítica do capitalismo destrutivo e a defesa da natureza está muito presente em um grande número de personalidades, republicanos, socialistas, anarquistas, de [Charles] Fourier a George Sand ou Elisée Reclus?
Sim, mas é uma minoria muito pequena. Há em algumas franjas do socialismo, do anarquismo e até mesmo do republicanismo social, determinado número de personalidades ou de correntes que percebem a coerência do capitalismo como um sistema ao mesmo tempo de dominação e de destruição, que destrói a vida dos trabalhadores explorando-os, mas também destruindo e explorando a natureza e as paisagens.
Esses libertários, progressistas ou socialistas românticos, entendem mais ou menos a necessidade de articular a solidariedade social entre os seres humanos e a solidariedade com a natureza e com toda a Terra. Em seus escritos, e às vezes em suas experiências comunitárias, eles inventam um novo urbanismo “verde”, uma forma emancipatória de trabalhar, uma busca pela beleza, mas também pela proteção dos animais, até mesmo uma colaboração respeitosa com eles...
Mas são muito poucos, e, mesmo dentro dessas correntes minoritárias, podemos ver a crescente influência daquilo que chamo de hegemonia produtivista, que sustentará grande parte do progressismo de esquerda. Deve-se notar aqui que o que é chamado de “esquerda” é, com certeza, notoriamente trabalhado por correntes divergentes, que vão desde certos pré-socialistas às vezes em conflito com a Revolução Francesa, a republicanos e pré-comunistas que preferem radicalizar e universalizar o legado desta revolução, ainda burguesa e “proprietarista”.
O fato é que grande parte dessa “esquerda” dividida acabará por compartilhar a ideia de que o desenvolvimento produtivo – do qual o capitalismo muitas vezes odiado é, apesar de tudo, o agente – é um passo necessário, inclusive essencial, para o bem-estar e a abundância para todos. Há, portanto, um fascínio paradoxal, mais ou menos compartilhado, pelo crescimento tecnológico e produtivo, formidável máquina de produzir bem-estar, abundância e, portanto, liberação do tempo. Mesmo com Fourier e sua escola, as visões pré-ecológicas e naturalistas não impedem certos entusiasmos tecnófilos. Mas isso não é nada comparado ao culto da indústria entre os saint-simonianos... muitos dos quais seriam mais tarde promotores do capitalismo sob o Segundo Império!
Quanto a Marx e Engels, seu legado “ecossocialista” deve ser nuançado. Por um lado, o Marx da maturidade e da velhice vê perfeitamente bem que a lógica mercantil do capitalismo é “Depois de mim, o dilúvio!”, que sua busca pelo lucro ilimitado destrói a vida do proletariado, uma vez que explora excessivamente a terra. E ao mesmo tempo, sem dúvida por causa de sua formação hegeliana, Marx é fascinado por esse mesmo capitalismo, cuja “função civilizadora” ele enaltece, que tira a humanidade de seu atraso e do culto regressivo da natureza e lhe permite atingir um estágio superior... com a condição, é claro, de ultrapassá-lo!
Esse é o sentido da história em Marx, a ideia de que a sociedade deve passar pelas etapas necessárias: o feudalismo depois o capitalismo antes de chegar ao comunismo, permitindo sempre o desenvolvimento das forças produtivas?
Melhor ainda, Marx afirma que o capitalismo desenvolveu como nunca antes as forças produtivas e que a burguesia é a primeira classe da história que demonstrou do que o homem é capaz... O dialético está ao mesmo tempo enojado e fascinado pela burguesia, agente provisório, mas decisivo do desenvolvimento produtivo. A próxima etapa consistiria, portanto, em fazer implodir esse fator social que se tornou parasitário para se chegar a uma sociedade da abundância e do autogoverno dos trabalhadores, capazes de regular de maneira racional sua relação com a natureza.
Esse tipo de tensão é encontrado em vários graus em outros, como Paul Lafargue. O autor de O direito à preguiça (Editora Hucitec, 2000), muito apreciado pelos ambientalistas, antecipa a visão de André Gorz sobre o abandono de uma sociedade do trabalho. E ao mesmo tempo, Lafargue, genro de Marx, também é fascinado pelo maquinismo e pelo crescimento das forças produtivas, condições de uma sociedade do tempo liberado.
Para entender esse fascínio intelectual, temos que voltar ao Iluminismo, às origens do pensamento ocidental?
Sim. Podemos situar o cerne do debate no século XVIII com a disputa entre Jean-Jacques Rousseau e os enciclopedistas. Quando Rousseau escreve o Discurso sobre as ciências e as artes (1750), ele responde “não” à pergunta feita pela Academia de Dijon [onde o livro fora apresentado inicialmente em um concurso] se o desenvolvimento das ciências e das artes contribuiu para melhorar os costumes. É uma ruptura no credo nascente que vê uma correlação entre o progresso moral e político e o da técnica, das ciências e da produção.
Esse credo encontra suas raízes nos filósofos da revolução científica moderna, Descartes e especialmente Bacon, que os enciclopedistas do Iluminismo, até Condorcet, transformarão em um discurso do progresso tecnológico como fator de emancipação. Na contracorrente, Rousseau levanta as contradições: a lógica da propriedade privada, a divisão do trabalho, o culto à riqueza mercantil ameaçam, para ele, a autonomia e o desenvolvimento de todos. Na nova sociedade do comércio, do luxo e da exploração que se desenha, alerta, o homem será obrigado a viver na mentira, a romper com uma vida autêntica e em harmonia com a natureza.
Esses “paradoxos” deram origem a uma violenta disputa, e aí podemos encontrar um dos nós da polêmica posterior dentro da esquerda, se considerarmos que Rousseau é uma grande figura da esquerda e que os enciclopedistas também o são! Algo muito importante então tomou forma, e essa divergência é retrospectivamente trágica. Grande parte da esquerda seguiu o credo progressista de um Condorcet, mais do que os alertas de Rousseau, e por razões compreensíveis. Com efeito, a esquerda era o partido do racionalismo e da emancipação universal, contra o da teocracia, de todas as formas de saber revelados e da hierarquia tradicional.
Sob este ângulo, a ciência e o saber-fazer técnico, além de sua validade considerada universal, eram emancipatórios em relação a todas as formas de heteronomia e de atribuição social próprias das sociedades de ordens. Os enciclopedistas contribuíram assim para reavaliar as profissões manuais, tão desprezadas pelos homens das letras. Não foi à toa que Descartes foi festejado pela esquerda: o filósofo que queria nos fazer “senhores da natureza” e melhorar a saúde de todos foi festejado, durante o bicentenário do Discurso do método (1636), inclusive pelo Partido Comunista Francês. É também o sintoma da impregnação duradoura de uma mentalidade de engenheiros que remonta ao saint-simonismo...
Precisamente, a assimilação da defesa da natureza ao pensamento reacionário e, portanto, ao retorno ao Antigo Regime, já que os antimodernos também lutaram contra as conquistas da Revolução Francesa, explica a agressividade do tratamento que os republicanos, os socialistas e os comunistas usaram contra os ambientalistas?
Sim. É também por isso que as coisas deram errado entre a esquerda e a ecologia... A esquerda, seguindo principalmente a vertente produtivista mais que pré-ecológica, deixou um espaço vago. Os círculos reacionários e antimodernos vão investir “naturalmente” nesse tema. Em suma, existe uma pré-ecologia de esquerda e também uma pré-ecologia de direita. Ambos os campos podem alegar ser ancestrais ecologistas antes mesmo deste termo existir, mas não se trata da mesma ecologia.
A direita promoverá tudo o que é orgânico, natural, estreitamente comunitário, contra o que é técnico, abstrato, que vem da vontade e do consentimento individuais. Os círculos conservadores e reacionários muito cedo tiveram uma visão obscura da modernização, seja ela científica, técnica, política ou moral. E, à esquerda, o “retorno à terra” há muito evoca o regime de Vichy, cujos aspectos modernizadores foram obscurecidos por sua ideologia da terra. Ironicamente, Gustave Thibon, escritor típico do discurso anti-iluminista, reacionário e camponês, que foi um dos inspiradores da retórica de Pétain de 1940 a 1942, influenciou posteriormente Pierre Rabhi, autor de La sobriété heureuse (A sobriedade feliz).
O marxismo durante muito tempo exerceu um magistério sobre a esquerda francesa, seja ela socialista ou comunista. Alguns deles queriam levantar essa camada conceitual, como André Gorz, grande leitor de Marx, que trabalhou com Sartre. Eles permaneceram marginais.
O caso de Gorz é muito interessante. Ele vem do movimento progressista. E em 1981, publicou um livro, Adeus ao proletariado (Forense-Universitária, 1987), que causou um escândalo porque ele não acreditava mais na classe trabalhadora como o agente salvador da humanidade. Ele ressalta ainda que se tivermos que democratizar a esfera produtiva, a emancipação se dará sobretudo fora do trabalho, no tempo liberado. No entanto, uma parte muito importante da esquerda estava – e sem dúvida continua – ligada ao trabalho como valor central e centro essencial de socialização. Também aí o divórcio foi brutal, quando abordagens mais complexas eram possíveis.
Voltemos à atualidade: para romper com as “bricolagens” e abrir caminho para um pensamento realmente ecológico e socialista, que esforços intelectuais seriam necessários?
Os pré-ecologistas do século XIX seguem sendo uma fonte de inspiração, desde que sejam adaptados. Um dos grandes desafios é convencer definitivamente que as questões ecológicas são questões sociais e democráticas, e vice-versa.
Além do divórcio que mencionei entre a esquerda pós-rousseauniana e a esquerda pós-enciclopedista, um divórcio crucial a ser superado, na minha opinião, é aquele entre uma abordagem do tipo “lutas das minorias” ou “sociedade civil” e uma abordagem mais institucional e republicana. Os ecologistas e toda a esquerda devem demonstrar, em sua doutrina e em seus programas, que são portadores de um amplo “interesse geral”, social e ecológico, para todas as gerações e todos os seres vivos.
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“A esquerda era fascinada pelo produtivismo”. Entrevista com Serge Audier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU