19 Agosto 2020
Amigo de Sartre e Ivan Illich, leitor crítico de Marx, teórico da alienação e introdutor da autogestão na França, o filósofo exerceu considerável influência intelectual sobre toda uma geração de militantes das décadas de 1960 a 1980, na encruzilhada do PSU (Partido Socialista Unificado) e da CFDT. Ele nasceu Gerhard Hirsh em 1923 em Viena, tornou-se Gérard Horst após a conversão de seu pai para escapar do antissemitismo, e teve que fugir para a Suíça em 1939, quando Hitler anexou a Áustria. No dia 22 de setembro de 2007, ele cometeu suicídio com sua esposa Dorine. Um gesto anunciado em seu último livro, Carta a D. História de um amor (Annablume; Cosac Naify, 2008 [2006]). Nós republicamos a seguir o artigo que Denis Clerc, fundador da Alternatives Économiques, dedicou a ele.
A reportagem é de Denis Clerc, publicada por Alternatives Économiques, 18-08-2020. A tradução é de André Langer.
Raramente vimos um intelectual importante tão modesto e tão discreto. André Gorz, foi, segundo Sartre, “uma das inteligências mais ágeis e agudas que conheço” (1). Sem dúvida, um daqueles intelectuais cujo pensamento marcou profundamente a análise social contemporânea. E, no entanto, ele não era daqueles que falavam alto na esfera pública, seja na televisão ou nas tribunas do jornal. Ele havia deixado Paris e seus jantares na cidade há muito tempo, para viver com sua esposa em uma pequena aldeia no Aube.
Há mais de trinta anos, escolheu publicar seus livros em uma pequena editora, certamente de grande qualidade, mas conhecida mais por especialistas do que pelo grande público. Em suma, André Gorz colocava no topo de suas exigências mais o rigor do que a notoriedade (2), e foi isso que o tornou amplamente desconhecido deste grande público na França. Um grande público que, no entanto, conseguiu atingir nos anos 1970 sob o pseudônimo de Michel Bosquet, quando trabalhava na revista Le Nouvel Observateur.
André Gorz teve sucessivamente três vidas, que se nutriam e enriqueciam mutuamente. A primeira foi sartreana, porque ele a viveu no movimento de Jean-Paul Sartre. Tudo começou em 1946 em Lausanne, quando Sartre esteve aí para uma conferência. O jovem Gérard Horst – porque este é o seu nome – terminava então os estudos de engenharia e, muito marcado pela leitura de O ser e o nada, começou a escrever um “tratado” de filosofia com o objetivo de ampliar o existencialismo de Sartre. O encontro levou André Gorz a trocar a Suíça por Paris (1949), onde se tornou jornalista (com o nome de Michel Bosquet, tradução francesa de Horst), primeiro no Paris Presse, depois, em 1955, no L'Express, onde se ocupava de economia.
Em 1954, acaba apresentando seu “tratado” a Sartre. Sem muito sucesso, o que o levou a escrever então uma espécie de autobiografia intelectual baseada no existencialismo e no marxismo, Le traître, para a qual pediu a Sartre um prefácio. Este, impressionado com a profundidade e a qualidade da escrita, escreveu um longo texto, muito elogioso, que garantiu ao livro (publicado em 1958 pela Le Seuil) um significativo sucesso. Em 1961, ingressou no comitê executivo da Temps Modernes, revista fundada por Sartre.
Contra o estruturalismo, que então se desenvolve nas ciências sociais, afirmou a importância da autonomia de cada indivíduo, na linha quase libertária de Marcuse, do qual é próximo. Contra um marxismo dogmático e enredado em uma linguagem revolucionária impotente, afirma, na linha de Bruno Trentin, o líder sindical italiano, que a realização do homem reside menos na produção do que na produção de outra forma. Estratégia operária e neocapitalismo (Zahar Editores, 1968 [1964]), O socialismo difícil (Zahar Editores, 1968 [1967]) e Réforme et révolution (1969) influenciaram fortemente aqueles que, em 1968, tentaram “mudar a vida” e fizeram campanha (especialmente na CFDT) pela autogestão.
A segunda vida de André Gorz está em consonância direta com a primeira – ao mesmo tempo anti-capitalista e favorável à autonomia de todos –, mas com um tom ecológico que se afirmará fortemente. Em 1964, ele seguiu Jean Daniel e Serge Lafaurie na aventura da Nouvel Observateur. Michel Bosquet, seu pseudônimo, populariza com talento as teses de Marcuse e de seu amigo Ivan Illich, sobre a sociedade industrial que acredita libertar o homem quando na verdade o escraviza. “A riqueza empobrece”, explica, tanto pelo monopólio que implica para o benefício de alguns, como pela inveja que suscita entre aqueles que dela são privados.
A norma social, à medida que evolui para mais opulência, cria frustração em muitos e também satisfação em alguns. E ressalta que a lógica das ferramentas não contribui para a autonomia dos homens, mas para a sua dependência. Seus artigos (alguns dos quais foram reunidos em 1975 em um volume intitulado Ecologie et politique, assinado pela primeira vez com seus dois pseudônimos e publicado pelas Éditions Galilée) tiveram um sucesso considerável devido à sua clareza e força de convicção. Torna-se assim indiscutivelmente o crítico mais influente do sistema industrial, denunciando, por exemplo, o avanço tecnológico representado pela opção nuclear na França: sob pretexto da produção em massa de eletricidade, este sistema flerta com riscos inaceitáveis e, acima de tudo, torna toda a sociedade dependente de uma técnica que poucos dominam, o que lhe confere um poder exorbitante.
Sua terceira vida começou em 1980, ano em que publicou seu Adeus ao proletariado (Forense-Universitária, 1982). Ele procura pensar em uma alternativa para uma sociedade bulímica de mercadorias e de riqueza. O problema, escreve ele, não é mais “libertar-se no trabalho ou de assumir o controle do trabalho (...)”, como acreditam os partidários do socialismo. É “libertar-se do trabalho recusando ao mesmo tempo sua natureza, conteúdo, necessidade e modalidades”, porque o trabalho hoje está inteiramente a serviço do desenvolvimento das forças produtivas que vão contra a autonomia dos homens.
Mesmo que os trabalhadores da sociedade industrial – o proletariado, no jargão marxista – consigam conquistar o poder, eles só conseguirão prosseguir no caminho de uma sociedade industrial que nos aliena em vez de nos libertar. Por isso, propõe uma “sociedade dualista”, em que a esfera industrial, que ele qualifica, na linguagem de Illich, como heterônoma, seria limitada e subordinada em prol de uma esfera autônoma, lugar de produção de “bens e serviços tangíveis e intangíveis, não necessários mas conformes aos desejos, gostos e fantasias de cada um”.
Por um lado, o mundo da necessidade, aquele em que a complexidade dos objetos implica uma organização estrita do trabalho; de outro, o mundo da liberdade, onde cada um faz o que quer e, em suas atividades, desenvolve-se mais do que quando trabalha. Na verdade, foi uma dupla ruptura. Em primeiro lugar, e principalmente, em relação ao socialismo, a substituição do poder do capital pelo do trabalho não resolve de forma alguma a questão de uma sociedade produtivista e portadora da alienação. Depois, em relação aos ambientalistas “duros”, proponentes daquilo que hoje se chama de decrescimento, sonham em prescindir de qualquer sistema industrial quando o problema é contê-lo.
Mesmo que preferisse se manifestar por meio de livros ou artigos de revista, porque ali se poderia desenvolver melhor um pensamento matizado e alimentado por inúmeras referências, André Gorz prontamente aceitou participar do jogo da entrevista ou do artigo nas colunas do nosso jornal, revivendo assim uma carreira profissional que o fascinou e onde se destacou.
Assim, no nº 11 (julho-agosto de 1982) da revista Alternatives Économiques, ele esclareceu sua posição sobre o produtivismo: “O produtivismo é a religião da produção, comum ao capitalismo e ao socialismo: aí se produz para produzir; produzir e trabalhar é uma forma de comprar a salvação, de cumprir o dever, independentemente da natureza das coisas produzidas. Pelo contrário, se digo: o que importa não é produzir e consumir sempre mais, mas que todos tenham o suficiente e que passem o menos tempo possível produzindo o que é necessário para dispor de todo o tempo que desejam para se realizar, criar, cultivar suas relações com os outros, aprender, amar, etc., então coloco a produtividade a serviço de algo que não seja a produção e saio do produtivismo”.
No número 17 (julho-agosto de 1983), propunha a ideia de uma renda social vitalícia: “Em vez de perpetuar por todo tipo de subterfúgio a ficção da racionalidade capitalista e o direito ao salário subordinado à obrigação do trabalho, penso que seja melhor sair abertamente do capitalismo. O direito à renda deve perder a forma salarial, uma vez que não é mais útil ou necessário para a sociedade manter todos trabalhando o tempo todo. (...) Ao mesmo tempo, o direito ao trabalho não deve mais ser confundido com o direito ao emprego: deve se tornar o direito de acesso aos meios de produção e de criação daquilo que se deseja usar, consumir, trocar pessoalmente, fora do mercado, ao nível das comunidades ou associações cooperativas de base. Este é o setor autônomo...”.
Um ano depois, no nosso número 23 (julho-agosto de 1984), quase dez anos antes do nascimento da internet, ele refutou a ideia de que suas propostas eram inviáveis: “Aqueles que sustentam a redução massiva do trabalho junto com a garantia de uma renda social como uma proposta utópica são, no fundo, pessoas que não acreditam que dentro de vinte anos teremos moeda eletrônica, correio eletrônico, gestão eletrônica de estoques, ‘televendas’, oficinas flexíveis por toda a parte e uma multiplicação de ‘ferramentas inteligentes’ que permitem a cada um produzir mil coisas e proporcionar a si mesmo e à sua comunidade de base os serviços que, até agora, tiveram que adquirir fora. Não estou dizendo que a mudança tecnológica seja desejável e libertadora em si mesma; o que digo é que ela contém uma potencialidade libertadora que só se concretizará se estivermos determinados a tirar proveito dela – e a garantia de uma renda social é um dos meios essenciais para isso”.
No número 62 (dezembro de 1988), considerava que suas propostas, longe de trair a esperança socialista, como alguns o acusavam, eram fiéis a ela: “O movimento socialista tinha como exigência fundamental que a economia fosse posta a serviço dos fins sociais, culturais e éticos que a sociedade se dá livremente, e não o contrário. A relevância do socialismo a esse respeito é maior do que nunca. Não exige mais Estado, mas, pelo contrário, mais sociedade, mais espaço onde os indivíduos possam se auto-organizar nas suas relações sociais a partir da cooperação voluntária e se autorresponsabilizar”.
Essa ruptura ideológica é acompanhada de uma ruptura profissional. Ele não se reconhece mais trabalhando em Les Temps Modernes e sua tendência maoista. Na Nouvel Observateur, os atritos se multiplicaram: por exemplo, ele é acusado de ter, através da sua posição sobre a energia nuclear, levado a EDF a não querer mais fazer anúncios no semanário, e alguns consideram excessivas as suas críticas ao sistema industrial. Em suma, está se tornando cada vez mais difícil para expressar seu radicalismo na revista. Assim, em 1983, ele deixou a Le Nouvel Obs e Paris para uma aposentadoria precoce.
Se ele abandonou a arena pública, não faz o mesmo com a arena intelectual. Escreve ainda alguns artigos, especialmente na Alternatives Économiques. (3) E, sobretudo, aprofunda sua análise sobre a necessidade de desenvolver espaços de vida autônomos na sociedade e de reduzir a fatia de trabalho no sentido clássico – econômico – do termo. Isso acontece especialmente, acredita, através da criação de uma “renda social”, que ele imagina primeiro (em Les chemins du paradis, éd. Galilée, 1983) ligada a uma contrapartida em trabalho, depois de renunciar (em Misérias do presente, riqueza do possível, Annablume, 2004 [1997]) a uma problemática que poderia ter legitimado uma limitação drástica e inaceitável da liberdade individual: ele adere a uma renda de existência incondicional.
Renunciou ele a uma luta por um socialismo que respeite as pessoas, crítica que às vezes se faz a ele? Isso seria um erro, mas ele não fazia necessariamente o mesmo uso desse termo que a maioria de seus defensores fazia, como explica em um artigo de 1989 reproduzido em Capitalisme, socialisme, écologie (Éd. Galilée, 1991): “Não existe outra economia empresarial – outra racionalidade microeconômica – que a capitalista. Trata-se somente de saber até que ponto os critérios da racionalidade econômica devem ser subordinados a outros tipos de racionalidade. Devemos conceber o socialismo como a subordinação restritiva da racionalidade econômica (...) aos objetivos sociais democraticamente elaborados, que terão, naturalmente, também o efeito de restringir a aplicação de critérios puramente econômicos à gestão das empresas”.
Ao longo de sua vida, alertou para a expansão da lógica mercantil na vida social e para o surgimento da produção imaterial fazendo-o temer o pior nesta área, a saber, a transformação de um bem público, como o conhecimento ou inclusive a reflexão, em mercadoria ou em capital destinado a gerar lucro. Esse alerta profundamente ético fez dele alguém próximo e um profeta. É por isso que seu trabalho permanecerá.
[1] A frase de Sartre é citada por Christophe Fourel em sua notável apresentação de Le traître, uma das principais obras (e semiautobiográfica) de Gorz. Ver www.nonfiction.fr/article-65-le_cas_gorz.htm
[2] Este é um traço bastante comum aos grandes filósofos, quer se trate de Paul Ricoeur, de Jacques Bouveresse ou de Emmanuel Levinas.
[3] Especialmente nas edições de julho de 1982, julho de 1983, julho de 1984, maio de 1987, dezembro de 1988, março de 1998 e março de 2003.
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André Gorz e suas três vidas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU