20 Mai 2023
Jason Hickel, antropólogo especializado em economia, é um dos principais defensores do decrescimento, a teoria que considera que, se queremos proteger nosso bem-estar e a saúde do planeta, devemos abandonar nossa obsessão capitalista pelo crescimento econômico.
Ele acaba de publicar Menos es más: cómo el decrecimiento salvará el mundo (Capitán Swing, 2023). Sua premissa é clara: reconhecer a gravidade da crise climática implica aceitar a necessidade de transformar radicalmente nossas economias.
A entrevista é de Suzanne Kröger, publicada por El Salto, 19-05-2023. A tradução é do Cepat.
O debate sobre deslocar a centralidade do crescimento em nossas economias está em plena ascensão. Este é um passo na direção certa, não é?
É claro. É fantástico que esteja havendo uma mudança na forma como medimos a prosperidade; que agora avaliemos quantas pessoas têm acesso a uma moradia digna, ou a expectativa de vida. Mesmo certos economistas da escola clássica, como Stiglitz, afirmam que o PIB, o valor de mercado de tudo o que se produz, apresenta deficiências para medir o bem-estar. Sarkozy estabeleceu uma comissão estadual sobre este tema quando era presidente da França.
Contudo, não acreditamos que isso seja suficiente. Se o seu carro está prestes a cair de um precipício, não basta reduzir a velocidade. Essa abordagem não soluciona o problema subjacente: nosso uso de energia e recursos é muito maior do que o nosso planeta pode suportar. É preciso pegar o touro pelos chifres, e é disso que se trata o decrescimento.
Em teoria, deveríamos ter um desenvolvimento econômico que combine o crescimento do PIB com um consumo menor de energia e um uso mais eficiente dos recursos. Mas, de fato, podemos desvincular o crescimento de nossos limites planetários?
Em teoria, sim, mas, na realidade, não. A ciência é muito clara a esse respeito. Ao longo dos anos, pudemos constatar que um maior crescimento implica maior uso de recursos, mesmo em um contexto de alta eficiência. E o Painel Internacional de Recursos da ONU chegou à mesma conclusão.
Alguns dos países de renda mais alta foram capazes de aumentar seu PIB e, ao mesmo tempo, reduzir suas emissões de gases do efeito estufa ao mudar para energia solar e outras fontes de energias renováveis. Mas, não é esta a questão. Devemos acelerar a redução de nossas emissões.
A nossa sugestão é reduzir a produção de produtos menos essenciais para diminuir o consumo de energia. Essa não é mais uma visão minoritária: o relatório mais recente do IPCC também diz que os países industrializados deveriam consumir muito menos energia, e que isso não combina com uma economia do crescimento.
Alguns políticos se mostram cautelosos diante do apelo à contração econômica ou decrescimento.
O objetivo não é a redução do PIB, isso seria o resultado de algumas intervenções de emergência para garantir a habitabilidade do planeta. Se forem fabricados menos veículos todo-o-terreno e menos jatos particulares, o PIB decresce. Nos Estados Unidos, se houver uma passagem de um sistema de saúde privado para um público, o PIB decrescerá. Contudo, isso não terá um impacto negativo em nossa sociedade, nem em nossa sensação de bem-estar.
No momento atual, esta sensação de bem-estar está bastante limitada em grandes setores de nossas sociedades, pois a produção é profundamente antidemocrática. É gerida e determinada por um pequeno grupo de acionistas, cujo objetivo é maximizar os lucros, não responder às necessidades humanas. O resultado é um sistema altamente ineficiente que utiliza muitos recursos e, ao mesmo tempo, fracassa na hora de responder às necessidades humanas. Isso é uma economia irracional.
A fast fashion é um bom exemplo disso. Todos nós queremos algo para vestir, mas ninguém gosta de camisetas que desbotam, após a primeira lavagem. Se a economia fosse mais democrática e focada em atender às nossas reais necessidades, teríamos melhores resultados, mais sociais, ao mesmo tempo, reduziríamos o consumo de energia. Verdadeiramente, não consigo imaginar uma mensagem positiva mais poderosa do que esta.
Em seu livro ‘Menos es más’, você fala em reduzir a produção de bens que não sirvam ao interesse público. Mas, quem decide o que é ou não bom para o interesse público?
Os governos podem fornecer serviços que tornem desnecessário o consumo de objetos de luxo. Já ficou demonstrado, mais de uma vez, que os serviços públicos distribuem o bem-estar com um consumo mínimo de energia e matérias-primas, e fazem isso de forma mais barata do que o setor privado.
Se há um transporte público barato e de qualidade, as pessoas o preferem: é mais barato e mais confortável do que o carro. Também podemos reduzir a desigualdade da sociedade tributando a riqueza e por meio de impostos progressivos, por exemplo. Afinal, o ponto de partida do decrescimento é a redução do consumo dos ricos.
O economista e historiador francês Thomas Piketty diz que reduzir o poder aquisitivo dos ricos é a melhor forma de lutar contra a mudança climática. Também devemos iniciar uma conversa democrática sobre quais áreas reduzir. Não deve ser tão difícil criar regulamentações razoáveis para conter a altamente poluente indústria fast fashion, por exemplo. Afinal, já temos limites de velocidade e padrões de emissões para os carros.
Se não pudermos estabelecer um diálogo sobre o que queremos produzir como sociedade e como queremos usar nossos recursos, para que queremos democracia? Em minhas aulas, frequentemente, peço aos meus alunos que identifiquem os setores mais destrutivos e menos necessários. Sempre me dão os mesmos exemplos. Todo mundo é capaz de identificar os produtos problemáticos.
Na perspectiva da justiça social, é melhor legislar para tornar certas coisas totalmente inacessíveis ou deveríamos nos concentrar em tributar os produtos e as atividades poluentes, de tal forma que continuassem sendo acessíveis a quem está disposto a pagar por elas (e é capaz de pagar)?
Analisemos o setor da aviação, por exemplo. É claro que não estamos fazendo nenhum progresso no que diz respeito à busca de um modo de voar com emissões zero, então, teremos que reduzir nossos deslocamentos de avião. Contudo, como fazer isso de forma justa? Pode-se propor o seguinte: que as pessoas paguem o preço de mercado pelo primeiro voo que fizerem em um ano. Qualquer voo posterior acarretaria uma taxa que aumentaria exponencialmente, de modo que se tornaria cada vez mais caro voar mais do que isso.
Isso é bastante razoável, já que a maioria das pessoas que viajam de avião são muito ricas. Todo mundo deveria poder visitar um familiar doente, por exemplo. Não sou a favor de restrições simplistas que aplicam um modelo único a situações muito diferentes, ou de taxas de imposto únicas, porque isso significa que são principalmente as pessoas pobres que arcam com o peso das medidas, enquanto os ricos se veem pouco afetados.
É justamente aí que recai a tensão de uma transição justa. Nós nos esforçamos para redistribuir a renda e tributar a poluição e as emissões de CO2, mas, apesar disso, ainda constatamos que há pessoas que podem comprar coisas e outras que não. Isso quer dizer que precisamos de medidas adicionais.
Exato. O imposto sobre o petróleo na França afetava de forma desproporcional as pessoas mais pobres, de modo que os protestos dos coletes amarelos eram plenamente justificáveis. Uma vez e outra, constatamos que se as políticas climáticas não são sociais, fracassam. A proposta política dos ecossocialistas sobre o decrescimento encara essa questão de frente.
Reivindicamos um sistema de saúde gratuito, subsídios gratuitos de água e energia para todas as famílias e uma opção pública de acesso a alimentos saudáveis e de qualidade. Os serviços públicos são essenciais na transição para uma situação de pós-crescimento, já que eliminam o vínculo entre crescimento e bem-estar. É assim que podemos garantir que todos tenham acesso ao que precisam para viver uma boa vida, sem ter que produzir cada vez mais no setor privado.
Em seu livro, você também fala sobre trabalho garantido. Como isso poderia funcionar?
Todo apelo ao decrescimento deveria começar com o trabalho garantido. Todos nós sabemos que o setor privado não reagirá rápido o suficiente frente aos elementos necessários de uma transição verde: a construção de uma infraestrutura de energia renovável, a expansão do transporte público, a adaptação das casas para torná-las mais eficientes em nível energético. Um programa de trabalho garantido para a proteção do meio ambiente permitiria mobilizar as pessoas necessárias para realizar essas tarefas.
O fantástico é que realizamos pesquisas e de 60 a 70% das pessoas respondem com entusiasmo a essa ideia. As pessoas querem participar de projetos sociais importantes. Prefeririam fazer esse tipo de trabalho do que gerar lucros para uma empresa. O trabalho garantido também permite estabelecer uma conversa racional sobre a economia. No momento, é impossível falar em reduzir o setor da aviação porque as pessoas querem saber o que aconteceria com os empregos do setor.
Esses trabalhos deveriam ser geridos no setor público? Todas essas áreas que você menciona estão altamente privatizadas.
Isso é um problema porque, sim, deveriam ser empregos públicos. A distribuição e a implementação de empregos verdes deveriam ser realizadas da forma mais descentralizada e democrática possível. Deveria caber à população local decidir o que precisa em sua região.
Se uma comunidade precisa de melhores cuidados ou ajuda para restaurar um ecossistema florestal próximo, o emprego pode ser mobilizado em torno dessas questões. O financiamento vem do governo central, mas pode ser gerido de forma descentralizada, exceto no caso de projetos nacionais como a infraestrutura energética, claro.
No caso da COVID-19, os governos reagiram rapidamente para construir uma enorme infraestrutura de testes e vacinação. Aprendemos alguma coisa com isso?
Sim. Como disse o sociólogo francês Bruno Latour, descobrimos que a economia tem um freio de emergência. Sabemos que, a princípio, é possível fechar setores que são nocivos, menos necessários. E aprendemos que o governo pode reorganizar a produção de modo que as coisas que precisamos sejam produzidas com extrema agilidade. Pode-se pedir às empresas que fabriquem máscaras; também pode-se pedir que fabriquem aerogeradores.
Também aprendemos que tipo de trabalho é essencial e podemos aplicar esse conhecimento à crise climática. Quais empregos precisamos proteger, antes de tudo? Os empregos no setor da saúde, da produção de alimentos... Mais uma vez, coisas que são muito evidentes para todos.
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“O ponto de partida do decrescimento é a redução do consumo dos ricos”. Entrevista com Jason Hickel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU