05 Outubro 2024
Tanto aqueles que são a favor quanto aqueles que são contra o fim do celibato obrigatório concordam que o tempo da Igreja não é o tempo das mídias. No entanto, muitos, como o ex-padre Michel Bellin, condenam a “lentidão secular da Igreja para se reformar (...), para se humanizar” diante do dilúvio de revelações de violências sexuais, que não dá sinais de terminar.
O artigo é de Gaétan Supertino, jornalista, publicado por Le Monde, de 03-10-2024. A Tradução é de Luisa Rabolini.
As recentes revelações sobre Henri Grouès, conhecido como “Abbé Pierre”, ordenado padre em 1938, reacenderam as polêmicas sobre o celibato dos padres católicos. Trata-se de um requisito que tem atormentado o cristianismo (quase) desde suas origens. Existe alguma relação entre o requisito do celibato para os clérigos católicos e as violências sexuais cometidas por alguns deles? Apesar das repetidas negativas do Vaticano aos pedidos dos defensores da ordenação de padres casados, o debate ressurge a cada nova revelação. “A crise das violências sexuais trouxe de volta a questão do celibato, não mais pelo prisma dos pedidos dos movimentos de padres, como nas décadas de 1960 e 1970, nem pelo prisma da ‘falta de padres’, que se tornou a realidade em muitas partes do mundo. Os escândalos sexuais estão agora contribuindo para levantar o véu sobre a sexualidade dos padres, que os católicos por muito tempo ignoraram, e para o desencanto sobre a visão do celibato”, resume a socióloga Céline Béraud, autora de Catholicisme français à l'épreuve des scandales sexuels (Seuil, 2021). O último caso, talvez o mais clamoroso, é mais uma demonstração disso. As revelações sobre Henri Grouès, conhecido como “Abbé Pierre”, ordenado padre em 1938, foram mais uma vez acompanhadas por uma onda de críticas a esse requisito, rejeitado pelas outras principais denominações cristãs no mundo. “Quando serão tomadas medidas? (...) Após a dessacralização do homem (...), será que os responsáveis finalmente considerarão a ideia (...) de afrouxar a tardia regra férrea do celibato?”', se pergunta Michel Bellin, um ex-padre, em um artigo publicado no Le Monde em 13 de setembro, denunciando 'um sistema eclesiástico autoritário que, como nos bons e velhos tempos (pré-freudianos), obstina-se em confiscar, desvalorizar e acorrentar a sexualidade de seus membros, condenando-os ao jugo sabático da lei do celibato”.
Também o ator Lambert Wilson, que interpreta seu personagem no filme Hiver 54, l'abbé Pierre (de Denis Amar, 1989), acrescentou sua voz a esse debate de longa data em 10 de setembro no programa “C à vous” da France 5: “Para mim, ele era alguém que certamente lutava contra o celibato. Ele disse: respeitava a Igreja, mas o celibato era complicado, e ele expressou isso”.
Em resposta, como sempre, levantaram-se vozes para negar qualquer conexão com a violência sexual. “Culpar a Igreja e o celibato presbiteral não está à altura do que as agressões sexuais cometidas pelo Abbé Pierre nos obrigam ainda a ver”, declarou Eric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal Francesa, em um artigo publicado no Le Monde em 16 de setembro, convidando a sociedade a “se perguntar o que está mostrando às gerações mais jovens sobre a sexualidade”.
O celibato “não é o problema”, confirmou Véronique Margron, presidente da Conférence des religieuses et religieux de France, a um jornalista do Mediapart em 12 de setembro. “Isso significaria que, no futuro, as esposas dos padres seriam a proteção para impedi-los de exercer a violência?”, perguntou ela.
No entanto, é preciso dizer que a Igreja Católica é, de longe, a religião mais afetada pelas revelações de violências sexuais cometidas dentro dela, e uma das poucas a impor o celibato a seus clérigos. Na França, o relatório da Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais na Igreja Católica (Ciase), publicado em 5 de outubro de 2021, afirma que apenas 0,6% das “pessoas em posições de responsabilidade” em outras denominações estão envolvidas em casos de abuso, em comparação com 4,6% dos clérigos católicos.
No entanto, é difícil tirar conclusões. “Qual é a principal razão para essa taxa muito baixa [para outras denominações] ? Uma minoria demográfica, uma diferença institucional ou algum outro motivo? É difícil responder”, resumiu a historiadora Blandine Chelini-Pont em uma entrevista ao Le Monde em janeiro de 2023. As investigações internacionais mais aprofundadas avaliaram apenas a Igreja Católica, tanto que poderíamos pensar que ela é a mais interessada, se não a única. Mas também podemos pensar que a liberdade de expressão e a revelação da extensão da violência sexual institucional tenham começado apenas há pouco tempo, e no coração das democracias ocidentais, onde a Igreja Católica esteve e continua muito presente”.
De fato, a Igreja Católica empreendeu uma iniciativa de transparência que poderíamos definir sem precedentes, especialmente na França, com a Ciase. Essa comissão, formada em 2019, entrevistou especialistas de diferentes disciplinas (história, sociologia, psiquiatria, teologia etc.) com o objetivo de medir a extensão dos crimes de pedofilia cometidos por padres e religiosos e identificar as responsabilidades individuais, coletivas e institucionais envolvidas. Sabemos que os crimes sexuais também existem em outras religões.
Nos últimos anos, houve vários processos clamorosos envolvendo líderes muçulmanos em Bangladesh, Turquia, Paquistão, Argélia, Marrocos, Mali e Senegal. Em 2019, o documentário israelense M, de Yolande Zauberman, denunciou atos de pedofilia no bairro judeu ortodoxo de Bnei Brak (um subúrbio de Tel Aviv). E várias igrejas protestantes estão em turbulência, da Alemanha aos Estados Unidos, onde um escândalo envolvendo 700 pastores e professores da poderosa Convenção Batista do Sul veio à tona em 2019. Todos esses são casos envolvendo religiosos que não estão sujeitos à obrigação de celibato e abstinência.
“A maioria dos predadores sexuais não se torna padre ou pastor ou rabino por causa de sua sexualidade, mas por uma necessidade de dominar os outros. No entanto, a violência sexual é vista como um aspecto frequentemente central do que significa ser um clérigo”, explica Christine Bouchard, socióloga e autora de La violence du cléricalisme (Folio, 2022). E esse domínio pode estar ligado a regras que regulam a sexualidade e as relações entre sexos nas religiões. A expectativa de celibato é um meio de transformar a sexualidade em força de dominação e, assim, afastar aqueles que não se adequam a esse ideal e que, por essa razão, podem ser alvos de vítimas ou predadores.
O relatório da Ciase afirma que “não existe uma ligação causal clara entre o celibato e os abusos sexuais” estudados. No entanto, a comissão convida a questionar-se sobre o sistema no qual o celibato está inserido, onde a “supervalorização” dos padres e os “requisitos éticos” ligados à castidade correm o risco de colocá-los em uma “posição de superioridade”, contribuindo para uma “sacralização” de sua pessoa, incentivando a tendência ao abuso de poder e o senso de impunidade. “Considerar o padre como um homem 'à parte' (...) pode reforçar uma imagem quase 'sobre-humana' de si, com um ideal tão elevado que um dia, quando rachar, pode estraçalhar a personalidade”, continua Véronique Margron, citada no relatório da Ciase.
“O celibato pode ter contribuído para eufemizar, ou mesmo apagar, as questões da identidade e da vida sexual, como alguns padres puderam testemunhar. Ser celibatário não significa não ter uma identidade sexual, uma confusão que foi perpetuada por muito tempo”, acrescenta o documento. A Ciase lamenta o fato de que, no direito canônico da Igreja, a violência sexual ainda esteja incluída no capítulo sobre violações do sexto mandamento do decálogo bíblico (“Não cometer adultério”), um sinal de que, para Roma, é apenas um desvio sexual como outro. De acordo com os especialistas da comissão, esse tabu, que significa que qualquer atividade sexual dos padres é considerada desviante (incluindo a masturbação), leva a uma falta de discussão ou formação sobre o assunto, deixando os potenciais predadores sozinhos para lidar com suas inclinações.
Alguns padres entrevistados pela Ciase disseram estar preocupados com a “imaturidade afetiva” de alguns de seus coirmãos e lamentaram o fato de serem deixados sozinhos para enfrentar os problemas sexuais.
O silêncio sobre essas questões também pode “levar a uma cultura do segredo, que une clérigos que se desviaram da norma, seja por atos consensuais que por violência”, acrescenta a pesquisadora Céline Béraud. “O cruzamento de relações entre homens e mulheres, entre pessoas casadas e solteiras, é uma vantagem quando se trata de detectar situações de violência sexual; ao contrário, um clero homogêneo tem mais dificuldade em detectá-las. Essa homogeneização das formas de pensar é reforçada pelo risco de que a disciplina do celibato desvalorize os leigos, especialmente as mulheres”, afirma Matthieu Poupart, relator de um grupo de trabalho criado pela Igreja para avaliar o seguimento a ser dado ao Ciase e autor de Le Silence de l'agneau. La morale cattolique favorise-telle la violence sexuelle? (Seuil).
Em última análise, mesmo que nem todos concordem com a existência de um nexo causal entre a violência sexual e a obrigação do celibato, este último faz parte de uma visão mais ampla da sexualidade e da imagem do sacerdote transmitida pela Igreja Católica. De acordo com a Ciase e com os especialistas que contribuíram para sua reflexão, essa visão não é estranha ao comportamento dos padres predadores.
É uma visão construída durante a longa história da Igreja. No entanto, o antigo mundo mediterrâneo, no qual o cristianismo nasceu, rejeitava amplamente o celibato, e o povo hebraico, do qual teve origem, não era exceção. “Crescei e multiplicai-vos”, exorta Deus na Bíblia (Gênesis 1,28).
Mas todas as tradições cristãs apresentam seu fundador, cuja vida é em parte narrada nos Evangelhos, como celibatário. As poucas passagens ambíguas em alguns apócrifos (livros não reconhecidos pelas igrejas cristãs) que sugerem uma relação entre Jesus e a sua discípula Maria Madalena nunca foram interpretadas como tais pelos exegetas que as estudaram.
Assim, o celibato dos padres é justificado por seus defensores, com o do próprio Jesus, que os clérigos deveriam representar “in persona” - “in persona Christi”, diz o catecismo - na Eucaristia.
“No coração de sua identidade, configurada ao Senhor Jesus, está o celibato. Os padres são celibatários - e querem ser - simplesmente porque Jesus era celibatário”, escreveram o Papa Francisco e o Secretário de Estado do Vaticano, Peter Parolin, em uma mensagem aos seminaristas em 2023. A exigência do celibato não é primariamente teológica, mas mística: entenda quem puder!
Roma se baseia em uma passagem misteriosa do Evangelho de Mateus (19,12) que parece exaltar as virtudes da castidade, na qual Jesus declara: “há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem puder entender, que entenda”. O argumento muitas vezes adotado para justificar o celibato - e, de certa forma, também presente na filosofia grega, por exemplo, entre os discípulos de Platão ou os estóicos - é que um sacerdote livre das preocupações ligadas aos desejos corporais, às relações de casal ou o peso dos filhos estará mais disponível a servir a Deus e aos fiéis. No entanto, exceto o catolicismo, as outras igrejas cristãs se abstiveram de impor o celibato a seus ministros do culto: os pastores protestantes - homens ou mulheres - são livres para se casar, enquanto as igrejas ortodoxas e orientais permitem a ordenação de homens que já casados. Embora Jesus reconhecesse as virtudes do celibato, ele não o impôs a nenhum de seus discípulos. Alguns dos apóstolos eram casados, a começar por Pedro - Jesus curou sua “sogra”, contam os Evangelhos - Pedro, de quem os papas afirmam ser “sucessores”.
As cartas do Apóstolo Paulo de Tarso (falecido por volta de 67) falam de comunidades cristãs lideradas por casais e têm o casamento em alta conta: “por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Efésios 5,31-32). Em uma carta atribuída a ele, mas provavelmente escrita após sua morte por alguns de seus discípulos, é até especificado que um bispo (do grego episkopos, “supervisor” ou “guia”) só pode ser “marido de uma única mulher” (1 Timóteo 3,1-3).
A partir do final do século I, entretanto,” ascetas e eremitas escolhem a abstinência por motivos de pureza e proximidade com Deus. A virgindade ganha notoriedade por seu desdém pela carne e sua representação de uma sexualidade impura, alimentada por uma leitura literal da história da queda de Adão e Eva, o casal original, que, no Gênesis, é obrigado por Deus a 'se cobrir' depois de comer o fruto proibido”, ressalta a teóloga Marie-Jo Thiel, autora de La Grâce et la Pesanteur (lançado em 2 de outubro, Desclée de Brouwer), dedicado ao celibato dos padres. “Essa desvalorização do sexo também está ligada aos costumes da época, caracterizados por uma frequente brutalidade patriarcal contra crianças e mulheres.
Essa desvalorização foi acentuada por alguns “Padres da Igreja”, como Jerônimo de Stridon (347-420), tradutor da Bíblia para o latim, que comparou o clero casado a uma mão-de-obra barata, destinada a suprir a escassez de padres: “Uma leva de soldados da fortuna no exército da Igreja, alistados apenas porque os veteranos do celibato haviam se esgotado momentaneamente”.
Marie-Jo Thiel enfatiza como a rejeição da sexualidade pelo clero tenha acompanhado o desejo de manter as mulheres o mais longe possível dos padres: “A repressão da sexualidade foi acompanhada pela marginalização das mulheres, um afastamento violento que parecia imperativo na medida em que as mulheres lembravam aos homens de sua condição corporal sexual. Quantos clérigos acreditam que as mulheres são uma fonte de impureza por causa da menstruação? E que são tentadoras de relações sexuais por sua vez impuras?”
A partir do século III, o status do clero muda. Os sacerdotes - e ainda mais os bispos - não são mais considerados simples condutores do culto ou guias espirituais. Separado da massa de fiéis, o clero adquire superioridade hierárquica e ontológica. A castidade se torna a marca e a condição de uma dignidade eclesiástica. João Crisóstomo, arcebispo de Constantinopla (344/349-407), escreve: 'O sacerdócio é exercido na terra, mas está entre as coisas celestiais (...). O próprio Espírito Santo instituiu essa ordem, persuadindo os homens que ainda estão na carne a imitar o serviço dos anjos. Por essa razão, aqueles que foram revestidos com o presbiterado devem ser tão puros como se estivessem no céu, em meio aos poderes celestiais”.
Por volta de 305, o Concílio de Elvira, reunindo a elite da Igreja latina, obriga os padres casados e suas esposas a praticar a continência. O Concílio de Arles (314), por sua vez, condena os clérigos que têm relações com as mulheres, sem proibir formalmente o casamento. Finalmente, em 1074, o papa Gregório VII assina um histórico decreto nesse sentido. “A partir de então, a vocação do padre não é simplesmente a aceitação de uma específica função na comunidade. Ela é vista como a resposta a um 'chamado' específico: uma eleição divina. A ordenação do sacerdote confirma o fato de que esse chamado o diferencia do mundo comum em que vivem os fiéis, uma separação expressamente significada por seu celibato”, enfatiza a socióloga Danièle Hervieu-Léger, autora de Vers l'implosion? Entretiens sur le présent et l'avenir du catholicisme (Seuil, 2022).
Alguns historiadores, no entanto, moderam essa visão e acreditam que o desejo de impor o celibato tenha mais a ver com questões socioeconômicas. “A regra da continência nunca foi realmente respeitada e, em toda a Europa Ocidental, formaram-se dinastias de padres que passavam seus recursos e patrimônio para seus filhos. Para Roma e o alto clero, era uma questão de pegar de volta os bens da Igreja”, explica o historiador Alain Rauwel, codiretor do Dictionnaire critique de l'Eglise (PUF, 2023).
No entanto, o decreto de Gregório VII, confirmado em 1123 pelo Concílio de Latrão, teve apenas um impacto limitado: durante toda a Idade Média, a moral de muitos clérigos, considerada depravada, foi criticada pela elite eclesiástica. “Para que esse imperativo estruturante seja eficaz, deve ser inculcado desde o período de formação do clero. Os seminários só são criados com o Concílio de Trento (1545-1563), que marca uma verdadeira mudança desse ponto de vista”, continua Alain Rauwel.
A criação dos seminários contribui para a unificação da formação do clero. “O Concílio de Trento deu grande ênfase a essa construção sacra do padre, referenciando-o cada vez mais explicitamente ao sacerdócio do próprio Cristo”, acrescenta Danièle Hervieu-Léger. O poder sagrado conferido a ele pela ordenação não diz respeito apenas aos atos que ele realiza (os sacramentos), mas também se estende, por meio dessa representação da configuração do sacerdote a Cristo, ao seu corpo masculino e celibatário. A proibição do acesso das mulheres no presbitério também encontra aqui sua principal fonte”. Entretanto, aos olhos de alguns observadores, a Igreja se encontra atualmente enredada em uma contradição. Por muito tempo foi dominante o discurso que afirmava a superioridade da abstinência clerical sobre as práticas sexuais das massas, mas a situação mudou na década de 1950. “Em reação à liberalização da moral nas sociedades ocidentais, o magistério desenvolveu toda uma teologia da sexualidade como um bem desejado por Deus, dentro da estrutura do matrimônio, que torna os cônjuges sagrados”, aponta Alain Rauwel. Em sua opinião, essa inversão torna “muito mais incoerente” a manutenção da obrigação de abstinência para os padres...
Será que a Igreja estará pronta para mudar? Desde sua eleição, o Papa Francisco tem revolucionado. Em 2014, durante uma coletiva de imprensa ele abriu uma porta que seus antecessores tinham mantido cuidadosamente fechada: “O celibato é uma regra de vida que eu aprecio muito e acredito que seja um dom para a Igreja. Mas como não é um dogma de fé, a porta está sempre aberta”. Em 2017, ele chegou a dizer em uma entrevista ao semanário alemão Die Zeit que estava “refletindo” sobre a “possibilidade” de ordenar “viri probati”, um termo usado para se referir a homens casados de meia-idade que levaram uma vida virtuosa. Mas, dois anos depois, a proposta do Sínodo sobre a Amazônia de recorrer à ordenação de homens casados para aliviar a crise vocacional local foi rejeitada. Em uma entrevista ao jornal argentino Perfil em março de 2023, o pontífice declarou que, embora não haja nada que impeça a abolição dessa regra, ele não está disposto a aboli-la: “Ainda não estou pronto para revê-la, mas está claro que é uma questão de disciplina, que não tem nada a ver com o dogma: hoje é assim, e amanhã poderia não ser assim (...). Chegará o momento em que um Papa talvez a revise”.
A segunda assembleia plenária do Sínodo sobre o futuro da Igreja, que terá início em 2 de outubro em Roma, não inclui o tema na agenda, embora os fiéis consultados em todo o mundo entre 2021 e 2023 em preparação para o Sínodo o tenham levantado muitas vezes. O documento publicado no final da primeira assembleia plenária, no outono de 2023, aborda o assunto em poucas palavras: “Várias avaliações foram expressas. Não é um tema novo, precisa ser aprofundado”.
O fato é que, para muitos, questionar o celibato significaria reconsiderar a economia geral da instituição. Significaria questionar o status dos padres como representantes de Jesus (masculino e celibatário) “in persona”, um status que lhes permite dar a Eucaristia e aceder aos mais altos cargos da Igreja. “Querer reformar o celibato significa mexer na eclesiologia, nos ministérios, na teologia moral.... Puxar um fio arrasta todo o novelo. É um 'risco' que muitos na Igreja acham difícil de aceitar”, diz Marie-Jo Thiel.
“Se a Igreja não pode renunciar à regra do celibato, assim como não pode autorizar o acesso das mulheres ao presbiterado (os dois pontos são absolutamente inseparáveis), é porque a construção sagrada da figura do sacerdote celibatário masculino é a pedra angular do sistema hierárquico do poder religioso católico”, acrescenta Danièle Hervieu-Léger.
Outros defendem um meio termo entre a abolição do celibato obrigatório e o status quo, pedindo uma melhor abordagem da sexualidade dos seminaristas durante sua formação. “Reconhecer os problemas apresentados pela disciplina do celibato não significa necessariamente aboli-la”, diz Matthieu Poupart, que é “otimista”: “Há uma mudança na maneira de pensar, também entre os seminaristas, que ousam abordar o celibato presbiteral como uma vulnerabilidade a ser cuidada, em vez de uma formidável aventura heroica”.
Para a psicóloga Joanna Smith, a Igreja se beneficiaria se tornasse os futuros padres mais conscientes dos motivos que os pesquisadores psicólogos e criminologistas identificaram como motivos para cometer crimes. “A questão toda é como a comunidade possa desempenhar um papel de proteção”, acrescenta, sugerindo que seja elaborado um código de conduta para lidar com quaisquer suspeitas, escrito preto no branco e aceito por todos. “Quando encontramos pessoas em terapia que se sentem sexualmente atraídas por menores, também percebemos que a masturbação pode, às vezes, reduzir o risco de que passem para atos de violência. Talvez a Igreja devesse reconsiderar seu juízo sobre essa prática”, acrescenta a psicóloga.
Tanto aqueles que são a favor quanto aqueles que são contra o fim do celibato obrigatório concordam que o tempo da Igreja não é o tempo das mídias. No entanto, muitos, como o ex-padre Michel Bellin, condenam a “lentidão secular da Igreja para se reformar (...), para se humanizar” diante do dilúvio de revelações de violências sexuais, que não dá sinais de terminar.
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Porque o celibato dos padres é um eterno debate dentro da Igreja. Artigo de Gaétan Supertino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU