11 Setembro 2024
Novas queixas surgiram contra o abade Pierre na França, um homem da Igreja e fervoroso defensor dos mais pobres. Dezessete novos testemunhos de agressões sexuais foram identificados, além dos sete já coletados. Os relatos apontam para um homem violento que agrediu e estuprou mulheres durante anos. A imagem associada ao "Abbé Pierre", como Henri Grouès é conhecido pelos franceses, será, a partir de agora, a de um predador sexual, de acordo com Adrien Chaboche, diretor da Emmaüs International, fundação que o religioso criou.
A reportagem é publicada por RFI, 09-09-2024.
Novas revelações sobre Abbé Pierre destruíram ainda mais esse mito francês. O fundador da fundação de caridade Companheiros de Emaús se comprometeu a trabalhar ao lado das pessoas mais pobres durante toda a sua vida na França. Mas ele também foi um homem que agrediu mulheres e pelo menos uma criança, de acordo com vários relatos de testemunhas oculares.
As primeiras acusações foram tornadas públicas em julho passado, e dezessete outras foram acrescentadas há alguns dias por fatos que podem ser definidos como estupro. A associação Emaús vem trabalhando para trazer à tona essas informações.
"Em junho de 2023, recebemos o depoimento de uma vítima, o que nos levou a iniciar esse processo de compreensão e análise do que pode ter acontecido. Contratamos uma consultoria especializada, a Egae, para realizar esse trabalho, e tornamos públicas suas conclusões pela primeira vez em julho, após a abertura de uma linha de denúncia direto, e pela segunda vez na última sexta-feira", contou à RFI Adrien Chaboche, diretor do Emaús Internacional (Emmaüs International).
Segundo ele, o papel hoje da associação ao lado das vítimas é "ouvi-las. Finalmente, ouvi-las de uma forma que elas deveriam ter sido ouvidas há muito tempo. Algumas delas já haviam entrado em contato com as autoridades, seja da Emaús, seja da Igreja, e não foram ouvidas. Acho que é importante dizer a eles que o que passaram é completamente anormal e que denunciamos isso da forma mais veemente possível", disse Chaboche.
"E depois, para dar-lhes apoio, em particular, aquelas que desejarem podem se beneficiar de uma sessão com um psicólogo especializado em trauma psicológico e estamos organizando reuniões entre as vítimas que desejarem e os membros de nossas diretorias para que haja uma troca real entre eles", diz o diretor, num contexto de justiça reparativa, uma especialidade francesa.
O Emaús optou por ser transparente, até mesmo ativa, ao lado de mulheres que denunciam esses ataques, uma escolha que foi bem recebida por vários grupos feministas franceses. Mas jornalistas da Rádio France tiveram acesso a documentos que mostram que a Igreja e a organização Emaús sabiam disso já na década de 1950. Por que o abade Pierre teria sido encoberto naquela época, e por décadas depois?
"Essa é uma pergunta muito boa e que não estou em condições de responder com certeza, pois, como você disse com toda a razão, é preciso procurar arquivos e entrevistar pessoas durante um longo período de tempo e em vários países. Por isso, decidimos criar um comitê de historiadores e pesquisadores de ciências sociais para poder responder, com total independência, às perguntas que você fez e que nós mesmos fizemos", confessa.
"Em outras palavras, como um homem tão conhecido pode ter feito o que fez por tantos anos sem ser realmente impedido?", justifica o diretor da associação, que trabalha neste caso com a Egae, uma empresa privada referência na França quanto ao apoio a vítimas de agressão sexual. Sobre incentivar as vítimas a apresentar uma queixa formal e ir ao tribunal, ele acredita "que as vítimas devem ser apoiadas em suas escolhas, incluindo uma escolha jurídica, se assim o desejarem. De qualquer forma, disponibilizamos todas as nossas informações para os tribunais, caso eles desejem tomar providências", afirmou Chaboche.
A Fundação Abbé Pierre disse que mudará seu nome e um local memorial dedicado a ele também será fechado. Outras medidas estão sendo consideradas pela Emmaüs International, uma das organizações fundadas pelo abade, porque hoje, nessas três associações, a imagem do religioso continua onipresente.
"Sim, ele é uma figura muito importante para nós, tanto histórica quanto simbolicamente. Muitas pessoas que se envolvem com o Emaús, ou que se juntam a nós como companheiros, às vezes o fazem em nome do Abbé Pierre", considera. "Há um trabalho em andamento, mas ele está realmente no início da conscientização do que ele foi capaz de fazer, a fim de reconstruir nossa história, não apagando o Abbé Pierre, mas levando em conta sua personalidade que não conhecíamos", afirmou.
Sobre ser possível continuar afirmando que Abbé Pierre lutou pelas pessoas mais pobres, levando em conta os horrores que foram cometidos durante décadas, o diretor acredita que "é uma questão difícil dar crédito ao Abbé Pierre... Mas as batalhas que ele travou e que também foram as batalhas do movimento Emaús desde o início, sim, são as nossas batalhas", considerou.
"O Emaús é uma obra coletiva, que certamente não existiria sem o Abbé Pierre, mas que também não teria existido sem os primeiros companheiros, sem os amigos dos voluntários, todas as pessoas que tornaram possível essa ação e que a realizam todos os dias hoje", contextualizou o diretor.
"Obviamente, houve um choque, grande sofrimento e dor... Mas também ouvi pessoas dizerem: 'Mas, na verdade, isso não nos impede de continuar a trabalhar em nossos próprios valores que, mais uma vez, são os do movimento Emaús, independentemente do Abbé Pierre'. Portanto, ouvi as pessoas dizerem que isso nos prejudicou, que nos afetou, mas que isso não nos impedirá de continuar nossas ações e lutar como antes", acredita Adrien Chaboche, diretor da Emmaüs International.
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"Imagem de Abbé Pierre será, a partir de agora, a de um predador sexual", diz diretor de sua fundação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU