17 Agosto 2024
"Esta obra coletiva/elaborada em mutirão por estudantes e professores da FAJE e da PUC-Rio apresenta alguns traços e contextos do pontificado de Francisco que imprimiu profundas marcas na Igreja", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em resenha do livro Pontificado do papa Francisco: uma análise global.
O livro Pontificado do papa Francisco: uma análise global (Loyola, 2024, 196 p.), organizado por Washington da Silva Paranhos e Renato Quezini, é fruto do grupo de pesquisa “A Recepção da Reforma Litúrgica e o Debate Litúrgico-Sacramental”, do PPG em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Este grupo de pesquisa visa aprofundar o sentido da acolhida e as dificuldades de aceitação da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Para tanto, estuda os inícios do movimento litúrgico e o seu desenvolvimento, considerando-o uma questão relevante, bem como o desdobramento na reflexão teológico-litúrgica antes, durante e depois do Concílio.
Pontificado do papa Francisco: uma análise global (Foto: Divulgação)
Por ocasião da celebração dos dez anos do pontificado de Francisco, os membros do grupo procuraram refletir durante este ano comemorativo sobre vários ângulos e aspectos dos gestos e palavras do papa Bergoglio. Todos os meses a partir do mês de março era proposta uma reflexão e, com base nas colocações extraídas daí, a obra foi organizada em dez (10) capítulos.
O primeiro capítulo aborda a contribuição que o papa Francisco tem dado á vida litúrgica (p. 11-39). Washington da Silva Paranhos salienta que o magistério de Francisco no campo litúrgico é bastante rico e variado, feito de intervenções em diversos níveis. O capítulo oferece um resumo dos atos mais importantes do magistério litúrgico do papa, anteriores a Desiderio Desideravi e também a partir da Carta Apostólica, fornece algumas chaves interpretativas.
No segundo capítulo Sinivaldo S. Tavares tece comentários sobre a visão eclesiológica no magistério de Francisco (p. 41-54). De início, o autor recolhe gestos e metáforas relativos à Igreja empregados pelo papa no curso de seu pontificado; em seguida, explicita alguns elementos que caracterizam, na sua opinião, a eclesiologia de Francisco: a consciência da índole sacramental da Igreja e, portanto, de sua intrínseca missão de evangelizar tornando presente o Reino de Deus no mundo; a pertinência e relevância do sensus fidelium; e, por último, a insistência na sinodalidade como maneira de toda a Igreja ser. Na última parte, Tavares recolhe textos do próprio papa, no sentido de caracterizar aquele seu desejo empreso de uma Igreja pobre e para os pobres.
O terceiro capítulo aborda a questão do mundo digital (p. 55-74). Marlone Pedrosa observa que o papa Francisco tem se mostrado muito atento às questões trazidas pela internet e suas implicações para a fé e a sociedade de modo geral. Apresenta, por isso, o posicionamento do pontífice em relação à internet e à era digital por meio da análise de alguns de seus escritos e discursos no transcorrer dos dez anos de seu pontificado, selecionando alguns tópicos relevantes abordados pelo papa que refletem suas principais preocupações em relação esse tema, tais como: a dinâmica dos encontros, família, ética, fake news, testemunho, missão e liturgia. O autor discute os posicionamentos e as orientações do pontífice ao lidar com as questões trazidas pela internet em relação e estes tópicos, e sua reflexão sobre o papal da Igreja na era digital e a postura dos cristãos/ãs diante das novas tecnologias. Pedrosa conclui abordando as implicações do discurso de Francisco sobre a internet para a Igreja e a sociedade em geral.
No quarto capítulo chama-se a atenção para uma denúncia e um alerta feito pelo sumo pontífice para à Igreja de hoje: o mundanismo espiritual (p. 75-91). Calmon Rodovalho Mata na sua reflexão pontuando as origens deste termo destaca que o papa denuncia como muitos cristãos católicos estão vivendo a sua fé: estão deixando de lado o fundamento da relação com Deus, isto é, Jesus Cristo, em detrimento de um modo de pensar e de agir, em que a lógica do comportamento está baseada em uma visão de ser humano como centro da existência – egoantropocentrismo – e, ao mesmo tempo, como marco referencial de seu querer e de suas vontades – autorreferencialidade. Esse modo de viver a fé, o papa classifica, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, como sendo mundanismo espiritual (EG, n.93).
A catequese mistagógica é o assunto refletido por Ediana de Souza Soares no quinto capítulo (p. 93-106). Considerando que o magistério do papa Francisco enfatiza a dimensão do discipulado missionário, tornando a iniciação cristã uma forma eficaz de educar na fé, devido a seu caráter mistagógico – a autora traz em primeiro lugar uma reflexão sobre a identidade batismal, que consiste no discipulado missionário do iniciado para, em seguida, comentar sobre a formação permanente do discípulo missionário, dentro da categoria mistagógica. Conclui traçando o perfil mistagógico do catequista, mas também dos agentes pastorais, pois somente quem adentrou no mistério pode ajudar os irmãos no mesmo processo.
O tema da sinodalidade é tratado no sexto capítulo (p. 107-121), por Eduardo Batista da Silva. O referido autor apresenta a sinodalidade como expressão do povo de Deus no magistério do papa Francisco, mostrando que a Igreja é formada pela comunidade dos batizados, destacando a dimensão do serviço como fonte para construção do Reino de Deus. Em seguida, elenca os passos dados para a convocação do sínodo sobre a sinodalidade, explicando o significado desse modo de ser Igreja, assumido pelo pontificado de Francisco, para então apresentar os principais elementos que compõe a sinodalidade. O autor ressalta que a sinodalidade no pontificado do papa Francisco promove uma Igreja mais participativa e colaborativa, mais atenta às necessidades humanas, em que todos os fiéis batizados são vistos com a mesma dignidade. É, ainda, segundo o autor um novo tempo na Igreja, no qual todos são chamados a uma verdadeira corresponsabilidade na realização da missão da Igreja.
No sétimo capítulo ao se abordar a temática da educação (p. 123-135), Leila Marli Orlandi Ribeiro chama a atenção para a recepção do Concílio Vaticano II neste campo e, perante os desafios à educação cristã para tal missão, pergunta antes de tudo qual é a proposta apresentada pelo papa Francisco para em seguida compreender até que ponto as orientações do pontífice à educação refletem a recepção do estilo conciliar. Mais concretamente a autora busca responder neste capítulo as seguintes questões: 1) Qual é o estilo do Vaticano II?, 2) Como ocorre a recepção do estilo conciliar pela Igreja e, particularmente, pelo papa Francisco?, 3) Quais são os desafios à educação cristã?, 4) Qual é a proposta do papa Francisco, baseado no estilo do Vaticano II, para o enfrentamento dos desafios à educação.
A proposta do oitavo capítulo consiste em refletir sobre a influência da Teologia do Povo sobre o magistério do papa Francisco (p. 137-149). Defendendo que a Teologia do Povo está presente no magistério do papa Francisco, manifestando-se em seu programa de governo, Irineu Claudino Sales tomando como base os estudos do teólogo jesuíta argentino Juan Carlos Scannone que possui uma obra intitulada A Teologia do Povo: raízes teológicas do papa Francisco (2019), além de fazer uso de outros referenciais teóricos sobre a Teologia do Povo – relaciona o ministério de Francisco: como a Teologia do Povo, a opção pelos pobres, a escuta das periferias e aponta três possíveis vias de aproximação entre Teologia do Povo e o magistério do papa. Relacionando o papa Francisco com a Teologia do Povo, o autor deseja compreender melhor o atual Sumo Pontífice, bem como tentar desvendar possíveis novidades para toda a Igreja que possam surgir dessa relação.
A questão ecológica/ecologia integral tão cara ao papa Francisco é o objeto de estudo do nono capítulo (p. 151-164). Renato Quezini chama atenção para a urgência da mensagem do papa Francisco na Laudato Si' para construir um mundo melhor. Num primeiro momento o autor apresenta resumidamente os princípios da Doutrina Social da Igreja que focam na importância da dignidade humana; em seguida, aborda os desafios da atualidade que impedem a plena realização do ser humano em sua dignidade, para concluir com a grande contribuição do papa Francisco, no seu conceito de ecologia integral presente na Laudato Si'.
No décimo capítulo (p. 165-176) Francisco Thallys Rodrigues apresenta as contribuições da Teologia da Libertação no processo de recuperação da historicidade da espiritualidade cristã, em interface com os apelos e intuições trazidos pelo pontificado do papa Francisco, a partir de sua exortação para o cuidado com a criação. Por isso, ressalta em primeiro lugar o desafio permanente de assumir a dimensão histórica da espiritualidade. Em seguida, mostra a contribuição da Teologia da Libertação para a recuperação do caráter histórico da espiritualidade cristã, bem como as indicações do papa Francisco para a ecologia integral. O autor conclui indicando a necessidade de abertura e discernimento, a fim de perceber as interpelações de Deus à nossa espiritualidade.
Por fim, na conclusão (p. 177-189), os organizadores salientam alguns traços e contextos dos dez anos desse pontificado.
Dez anos depois da eleição do papa Francisco é natural que se pergunte pelo significado e pelo alcance dos propósitos reformadores empreitados por Francisco. Qual a relevância e a pertinência do pensamento do papa Francisco na eclesiologia, na sinodalidade, na liturgia, na ecologia, na educação, na catequese, nos meios de comunicação?
Esta obra coletiva/elaborada em mutirão por estudantes e professores da FAJE e da PUC-Rio apresenta alguns traços e contextos do pontificado de Francisco que imprimiu profundas marcas na Igreja. Presidindo a Igreja na caridade ele se tornou uma das personalidades mais notáveis do século XXI, agregando simpatia de tantos, seja de cristãos, seja de irmãos e irmãs de outras denominações religiosas, que por meio de seu “testemunho” o veem como um grande líder universal. Por outro lado há muitas pessoas indispostas a acolher o novo que ele propõe, inclusive dentro da própria instância eclesial.
Entre as recepções e as resistências o papa Francisco contribui para com que a Igreja com sua teologia e experiência pastoral, provenientes da América Latina seja fonte para as Igrejas. A convocação de Francisco é exigente e pede conversão e mudanças no modo de viver. Entre limites e possibilidades os textos desta obra apontam os caminhos a serem percorridos no ambiente eclesiológico a partir das reformas iniciadas por Francisco.
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'Pontificado do Papa Francisco: uma análise global'. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU