Nava Hefetz ficou profundamente abalada com o ataque terrorista do Hamas em outubro. A rabina, no entanto, continua a defender os direitos dos palestinos. E ela faz isso justamente em nome de sua fé.
A reportagem é de Marie Boëton, publicada por La Croix International, 21-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 7 de outubro, Nava Hefetz conta que quase enlouqueceu. Naquele dia, duas de suas amigas foram assassinadas pelo Hamas. "É como se meu apego à paz de repente se chocasse com a realidade... Mas, no fim, eu resisti. Assim como minhas convicções pacifistas". É claro que ela vacilou, mas sem ceder às injunções belicistas do momento. “Ceder naquele momento teria sido contradizer toda a minha vida". Se ela não cedeu, foi principalmente por lealdade a si mesma.
Ela tem 70 anos de idade, 50 dos quais passou nas forças armadas em defesa dos direitos dos palestinos. Tudo começou em um dia de 1973, quando perdeu um amigo na Guerra do Kippur. Ela tem 20 anos. É uma deflagração. E, ao mesmo tempo, uma tomada de consciência. "Percebi que não há nada mais sagrado do que a vida: ela vem antes de tudo. Antes da terra, antes das pedras... antes de tudo!" Uma convicção coerente com sua fé: "A dignidade de cada um está no centro do pensamento judaico", explica. Mais tarde, ela optou pelo rabinato e hoje ocupa o cargo na Kol Haneshama, uma sinagoga progressista com sede em Jerusalém.
Quando perguntada se não são as religiões que estão exacerbando o conflito israelense-palestino, Nava afirma que não: "São os extremistas de ambos os lados, judeus e muçulmanos, que o agravam. Se lermos os textos, veremos que o Talmud, o Alcorão e a Bíblia santificam a pessoa humana".
É surpreendente ouvir uma rabina relativizar a importância da terra, embora se saiba da carga simbólica ligada à ideia da Terra Santa. Nava não vê contradição nisso: "Eu gostaria de ver um povo judeu soberano, mas rejeito qualquer supremacia judaica. Podemos absolutamente reivindicar nosso direito de viver aqui e, ao mesmo tempo, afirmar o direito dos palestinos de viverem aqui também". E como sair desse paradoxo de forma positiva? A resposta é imediata: "Voltando às fronteiras de 1967! Nava convida seus concidadãos a olharem para dentro de si mesmos: "Devemos nos perguntar que tipo de judeus queremos ser". Alguns afirmam ser racistas, supremacistas, etc. Eu, por outro lado, quero ser inclusiva".
E ela faz questão de informar isso em alto e bom som. Depois de se manifestar por meses contra as reformas iliberais realizadas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a septuagenária continua se manifestado desde o outono para exigir um cessar-fogo em Gaza e a libertação dos reféns. Ela também está engajada na Rabbis for Human Rights, uma ONG que atua no diálogo inter-religioso e que, nos últimos meses, tem solicitado o envio de ajuda humanitária para o enclave palestino.
Nava também é membro do Guerreiras da paz, um coletivo de mulheres israelenses e palestinas que pedem "o fim do ciclo de violência".
Nela o empenho é total: como mulher, como cidadã, como rabina. Por coerência. Por que esse empenho total? "Porque, embora eu não me sinta culpada de nada, eu me sinto responsável. Meu povo ocupa outro... E disso somos coletivamente responsáveis". Uma convicção pela qual está pagando caro. Regularmente chamada de "traidora da causa judaica", aceita, "embora seja difícil ouvir isso de pessoas próximas a mim". Felizmente, a sua família restrita resiste. "Meus filhos também são muito engajados", diz ela, sorrindo. Nava teve que aprender a suportar as ameaças. Reais ou virtuais? De ambos os tipos. "Recentemente, fui alvo de ameaças on-line, depois que afirmei estar do lado dos ativistas da paz palestinos". E, às vezes, se somam pressões físicas. Como quando dois colonos israelenses, moradores da Cisjordânia, a atacaram violentamente enquanto ela defendia alguns palestinos perto de Nablus. Às vezes você se sente desanimada? "Eu, desanimada? Não tenho tempo para isso".
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