04 Julho 2024
Nas semanas desde que surgiram os relatos de que o Papa Francisco havia empregado uma expressão homofóbica, diversos analistas vêm buscando entender por que um papa que tem sido amigável com a comunidade LGBTQ+, ainda que imperfeitamente, faria uma declaração tão retrograda. O post de hoje apresenta algumas dessas análises.
A reportagem é de Robert Shine, publicada por New Ways Ministry, 04-07-2024.
O New York Times consultou algumas autoridades eclesiásticas e alguns acadêmicos para analisarem a questão. Várias vozes identificaram o ensino católico sobre a homossexualidade como o cerne do problema.
O autor Luciano Tirinnanzi, que escreveu sobre questões LGBTQ+ na Igreja, comentou: "Até que mudem a lei, enquanto a homossexualidade for vista como desvio e doença, nada mudará sob a cúpula de São Pedro". Da mesma forma, o ex-funcionário do Vaticano Francesco Lepore, que é gay, disse sobre a linguagem de "desordem" e "tendências": "As dificuldades, as divisões que a Igreja vive... Tudo vem de lá".
Em reportagens publicadas pelo New York Times , outros falaram especificamente dos padres gays. Disseram que o Papa Francisco queria proibir homens gays de seminários. Francis DeBernardo, diretor executivo da New Ways Ministry, comentou: "A Igreja Católica não conseguiria funcionar sem seus padres gays. Isso é um fato simples... [O papa] precisa esclarecer um pouco melhor sua mensagem porque ela pode ser confusa. Isso não ajuda a situação. Problematiza a situação".
Dom Piero Delbosco, da diocese de Cuneo, na Itália, rejeitou a ideia de que a Igreja proíbe completamente homens gays do sacerdócio, dizendo que a instrução é: levar o seminarista a discernir se ele pode seguir os votos de celibato ou castidade.
Dom Luigi Mansi, da diocese de Andria, Itália, concordou com Delbosco, embora tenha sugerido que homens gays possam ter dificuldade em permanecer celibatários. Sobre o Papa Francisco especificamente, Mansi argumentou que as dificuldades atuais se devem ao trabalho multilíngue do papa: "Quando há discursos oficiais, ele estuda, mas quando fala de improviso, uma palavra que não é completamente ideal pode escapar... Quando ele fala, usa termos que são uma mistura de espanhol, argentino, italiano".
A Reuters também analisou os comentários do papa. Citando "amigos do pontífice e principais observadores do Vaticano", a agência noticiosa disse que esta última polêmica "possivelmente foi o maior desastre de relações públicas de seu papado de 11 anos", mas "não deve obscurecer seu histórico como um papa reformador e amigo da comunidade LGBT".
Massimo Faggioli, teólogo da Universidade de Villanova, na Pensilvânia, disse à Reuters que o uso do palavrão por Francisco minou o "peso" e a "credibilidade" das declarações papais porque, online pelo menos, "o papa se reduziu a um meme, uma ferramenta de mídia social para que qualquer um faça piadas, algumas muito engraçadas, outras de muito mau gosto". Para Faggioli, esse resultado prejudica não apenas Francisco, mas o papado em si.
Austen Ivereigh, amigo e biógrafo do papa, disse que Francisco normalmente fala "muito, muito diretamente" em particular, em vez de "como um político". Ivereigh, que deixou claro que "obviamente não está justificando o uso de um termo ofensivo", ainda assim desconsiderou as alegações de que o Papa Francisco era homofóbico.
O padre jesuíta James Martin, autor de Building a Bridge, também defendeu o papa, dizendo à Reuters: "A ideia de que ele seria homofóbico não faz sentido para mim... Seu histórico com pessoas LGBTQ fala por si. Nenhum papa foi mais amigo da comunidade LGBTQ. Minha percepção foi que o papa estava respondendo a uma pergunta sobre certos comportamentos nos seminários italianos, em vez de fechar o sacerdócio para todos os homens gays".
Na revista The Nation, Michael Pettinger, estudioso católico e coeditor de Queer Christianities, ligou o papa ao jogador de futebol Harrison Butker, que proferiu um discuso homofóbico e sexista na Benedictine College em maio. A conexão entre os dois, afirma Pettinger, não é homofobia, mas sim uma masculinidade frágil — o que também impacta as visões negativas de Francisco sobre questões de identidade de gênero e ordenação de mulheres. O autor explica:
"Isto não é para colocar Francisco na mesma categoria de Jordan Peterson, Andrew Tate e outros influenciadores 'alfa' masculinos que assombram o TikTok. Francisco tem pouca paciência para o tipo de masculinidade dominadora que eles representam... [Mas como] um bispo entre bispos, Francisco também vive em um mundo de homens altamente competitivos. Nos dizem que a palavra 'frociaggine' foi introduzida na conversa por outros bispos, e que o pontífice estava apenas ecoando — ou, como os jovens diriam, acompanhando a energia deles. Se, de fato, isso foi um pouco de conversa de vestiário entre os irmãos bispos, isso sugere que quaisquer problemas causados pelo uso de uma palavra como 'frociaggine' se estendem além de Francisco. Diante da oposição que ele enfrentou de outros clérigos ao longo de seu pontificado, vale a pena perguntar se ele simplesmente não se cansou de resistir à pressão... A masculinidade é em grande parte um estado de medo... Talvez o problema não seja que há muita 'frociaggine' circulando hoje. Talvez não haja o suficiente".
Na revista The Spectator, o editor gerente Matt McDonald entrevistou o jornalista Frédéric Martel, autor de "No armário do Vaticano", sobre os comentários do Papa Francisco sobre padres gays. Martel discordou das sugestões de que o papa é homofóbico, citando seus relacionamentos pessoais próximos com pessoas gays, mas acrescenta que o entendimento de Francisco sobre homossexualidade é datado, reflexo dos debates do fim do século XX durante seus anos formativos, o que o leva a rejeitar o ativismo. O jornalista acrescentou:
"Ao mesmo tempo, Francisco também está certo, porque ele claramente entende que o Vaticano é estruturalmente gay. Não se trata de um lobby ou rede, mas de uma regra sociológica: a Igreja há muito tempo recruta principalmente homossexuais e gradualmente, através de muitos canais, afasta os heterossexuais que saem para se casar ou são marginalizados por um ambiente claramente homoerótico... Para entender o Papa, e suas repetidas observações recentes, devemos fazer um trabalho contraintuitivo. Eu não acredito que Francisco esteja apenas criticando a dominação gay no Vaticano — a maioria dos padres, bispos e cardeais têm tendências homossexuais mesmo quando são castos em Roma — mas, sobretudo, o fato de que sua oposição é muito amplamente gay... Ele adotou a regra sociológica do meu livro: 'quanto mais homofóbico um cardeal é em público, mais provavelmente ele é homossexual em particular'. Para mim, esta é a chave dos comentários de Francisco...".
Na revista America, o editor de poesia e irmão jesuíta Joe Hoover escreveu sobre como sua compreensão do papa evoluiu com os altos e baixos do mandato de Francisco — mais recentemente, não apenas sobre pessoas LGBTQ+, mas também sobre diáconas, a guerra na Ucrânia e críticas aos tradicionalistas.
Hoover observa que escreveu quatro rascunhos do ensaio que eventualmente publicou. O primeiro rascunho tentava "chamar a atenção do papa por suas indiscrições verbais", enquanto no segundo ele afirmava que estava "ofendido e perturbado" pelo uso "inacreditável" de um palavrão pelo papa. Ele escreveu o terceiro rascunho do ponto de vista de "um advogado acusador juntando evidências, tudo para pintar um quadro claro de um Francisco "que é praticamente um touro pontifício em uma loja de porcelanas, insensível às maneiras como suas palavras e ações têm incomodado e ferido as pessoas".
Então, no quarto e último rascunho, Hoover reconhece que "um papa é imperfeito, e eu também sou". Francisco "vai dizer coisas 'de improviso' inapropriadas", e é improvável que mude. Aceitar essa realização reorientou Hoover para Cristo, levando-o a concluir:
"Resumir uma pessoa pela história de seus erros humanos simplesmente não é uma maneira honesta de olhar para sua vida. O papa, na verdade, mudou o tom e a maneira da abordagem da igreja à comunidade LGBTQ+. O papa, na verdade, pronunciou palavras que têm sido bálsamo de misericórdia repetidamente para milhões de pessoas há mais de 11 anos agora. Ele tem sido uma das vozes mais credíveis e líderes do mundo contra as mudanças climáticas. O Papa Francisco tem advogado pelos refugiados, pelos pobres, pelos marginalizados em uma sociedade de 'descarte'.
"Quando tudo estiver dito e feito, o bem que o Papa faz não será ofuscado por esses comentários tristes. Ele ainda será lembrado como uma voz de misericórdia e esperança para pessoas ao redor do mundo". AJ McDougall do Daily Beast fez uma breve e irônica oração sobre o assunto: "Deus conceda ao Papa Francisco a serenidade para parar de usar palavrões homofóbicos em companhia educada".
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“A Igreja não pode funcionar sem padres gays”; e mais reações à expressão homofóbica usada pelo Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU