18 Abril 2024
"Em primeiro lugar, ele sobretudo ele, Padre Dall'Oglio, que o fotógrafo Ivo Saglietti capturou, de costas, em uma das fotos enquanto percorre uma trilha acidentada na montanha: que ele pare, que ele se vire, por Deus!, e nos devolva o sorriso de quem pratica o contrário de esperar para ver, mas se joga na tempestade, a determinação de quem explorou as trevas e dirigiu ao céu perguntas inauditas", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 13-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As fotos de Ivo Saglietti sobre o empenho do missionário jesuíta sequestrado na Síria. A cada clique a história do diálogo inter-religioso entre oriente e ocidente. O Município de Govone promove a exposição fotográfica Retorno a Deir Mar Musa. A utopia do Padre Dall'Oglio de Ivo Saglietti, no Salão de Exposições do Castelo Real de Govone (Cuneo), em colaboração com a Associação Govone Residenza Sabauda, Govone Arte e Centro de Promoção Cultural Govone e il Castello.
A exposição, que inaugura em 13 de abril e pode ser visitada até 26 de maio, mostra o diálogo possível entre as religiões na comunidade fundada pelo Padre Paolo Dall'Oglio no antigo mosteiro Deir Mar Musa el-Habasci (São Moisés, o Abissínio) na Síria. Lugar de hospitalidade e troca inter-religiosa católica e muçulmana empoleirado nas montanhas da Síria. A curadora é Tiziana Bomomo.
Paolo Dall'Oglio (Foto: Zrosen | Wikimedia Commons)
É uma exposição que dá vontade de ficar indefinidamente olhando as fotografias de Mar Musa como se se estivesse olhando da sacada de pedra onde a tenda de Abraão foi erguida para receber, juntos, santos sufis e doutos circassianos, imãs e pobres cristãos do oriente e do ocidente, em busca de algum novo porquê a ser analisado para encontrar conforto para as suas agonias. Espera-se que as figuras saiam da sombra do preto e branco e caminhem vivas, animadas, rápidas na luz ofuscante. Em primeiro lugar, ele sobretudo ele, Padre Dall'Oglio, que o fotógrafo Ivo Saglietti capturou, de costas, em uma das fotos enquanto percorre uma trilha acidentada na montanha: que ele pare, que ele se vire, por Deus!, e nos devolva o sorriso de quem pratica o contrário de esperar para ver, mas se joga na tempestade, a determinação de quem explorou as trevas e dirigiu ao céu perguntas inauditas.
Onze anos! Como é longo o caminho dos desaparecidos, dos sequestrados! Caminhamos há onze anos, obstinados, irredutíveis, com o padre Dall'Oglio por ruas noturnas, que não levam a lugar nenhum, numa poeira até agora em vão. Mas visitem essa exposição e vocês não conseguirão proferir a horrível palavra: mas agora... depois de tanto tempo…! É um antídoto para a resignação de quem tem pouca fé. Se vocês a perderam, reencontrarão a coragem obrigatória para continuar em frente enquanto durar o dia, enquanto não houver descanso, enquanto bater o seu e o nosso coração, continuar a acreditar: Padre Dall'Oglio está vivo! Não acreditar é trair.
Ritorno a Deir Mar Musa. L'utopia di Padre Paolo Dall'Oglio (Foto: Divulgação)
A Síria, redemoinho inexorável onde meio milhão de homens experimentaram o pânico odioso, a recalcitrância e o horror do animal que fareja a faca do açougueiro em frente ao matadouro. Confesso que eu temia, olhando as fotografias que Saglietti tirou entre 2000 e 2004 do amigo Dall'Oglio e da sua milagrosa comunidade numa série de longas e memoráveis reportagens, temia encontrar um cômodo refúgio na ideia de que o tempo eventualmente produz uma cicatriz. Não. A ferida ainda está fresca e não suporta que as mãos cheguem perto dela. Felizmente não chegou, não deve chegar, a insensibilidade, não nos tornamos pedra ou árvore como na mitologia grega os deuses, magnânimos ou culpados, a concediam para que as vítimas do destino não sentissem a dor.
As imagens de Ivo Saglietti reunidas e organizadas por Tiziana Bonomo nas salas do castelo real de Govone no 'Retorno a Deir Mar Musa, a utopia do Padre Dall'Oglio' até 26 de maio, recusam a resignação da memória que serve para nos separar sem remorso daquele que amamos.
Essa é uma exposição sobre uma testemunha de Deus e os seus apóstolos imersos no presente. Uma exposição que rejeita o sepulcro do Tempo, despedaça-o, obriga-o a ser vivo, contemporâneo.
Exposição Ritorno a Deir Mar Musa. L'utopia di Padre Paolo Dall'Oglio (Fotos: Ivo Saglietti | Monastero Deir Mar Musa, Siria | Divulgação)
Não é verdade que as fotos são mudas, que não têm som, não essas fotos. O silêncio é apenas do nosso lado, é culpa nossa: se o som, a voz, os ruídos encontram uma brecha ainda que imperceptível, entram. Basta um sinal, um vislumbre para ressuscitar um mundo perdido, o milagre das fés que se tornam irmãs naquela montanha no deserto. Certos perfumes aspirados há muito tempo resistem com mais tenacidade que o tempo, que as profanações da História. Um olhar rápido e afiado e vejo novamente o mosteiro espalhado, a capela onde a luz só explode em poucas horas do dia através das minúsculas aberturas. Figuras que parecem cenas do Evangelho. Cujas almas chamam pelo nome, em defesa e consolação, o Padre Dall'Oglio. Ele escuta com as mãos cobrindo seus olhos, já respondeu, está pronto. Sabe que mais uma vez é preciso virar o mundo de cabeça para baixo, para que os mansos dominem a terra tirada do inimigo, os perseguidos façam tremer os opressores. Já foi feito. É preciso fazer de novo. Quem o espera sob a tenda do pai das religiões? Quais palavras, que rosto e que outra luta? Porque ele carrega a sua angústia agarrada ao coração, grande e pesada. Ele sabe bem que o mal está à obra na Síria.
Uma foto não tem pessoas, uma natureza morta com o humilde alimento da fraternidade: azeite, pão, queijo... o fervor da deposição de um crucifixo que a luz transforma em Ascensão... Hagar que tem o nome da serva de Abraão... Naquele que era um convento em ruínas, morada de cobras e corujas, eis os personagens calorosos desse milagre que repetem perpetuamente o seu papel, aqui estão eles nas suas paixões, no seu problema de criaturas vivas. É por tudo isso que vinham de longe os homens e as mulheres de Mar Musa que Saglietti parou no tempo, homens e mulheres que mal conheciam o seu nome, o santo de Mar Musa, o revolucionário de Mar Musa, e certas histórias sobre ele que já pareciam lendas. Cada um com seu próprio espinho, uma dor sufocada que não ousava murmurar a si mesma. Porque precisamente dele no deserto e não de outros nas belas igrejas ou nas elegantes mesquitas de Aleppo e Damasco onde falam aqueles que conhecem bem as coisas mundo?
Há uma foto, uma foto estranha sobre a qual vale a pena se deter. Saglietti a tirou enquanto no convento estava sendo levantado com uma roldana um grande retrato de Bashar Assad. Em 2005 tinha que ser exibido com os demais na exposição sobre Mar Musa na Biblioteca Nacional de Damasco. Era a época "liberal", tentadora de Bashar, que iludia o seu povo prometendo reformas e internet. Até o Padre Dall'Oglio foi enganado, teve esperança. Os mukabarath, os capangas do regime, ordenaram a remoção da foto. Não foram obedecidos. Bashar visitou a exposição, parou mais tempo diante daquela imagem. Sorriu. Seu sorriso tremendo, implacável, que não esquece.
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Sob a tenda de Dall'Oglio. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU