14 Mai 2025
Ao imitar Donald Trump para defender petróleo na foz do Amazonas, presidente da Petrobras dá sinal de desprezo pela transição energética.
A opinião é de Alexandre Gaspari, jornalista, em artigo publicado por ClimaInfo, 13-05-2025.
“Let’s drill, baby!”, ou, em livre tradução, “Vamos perfurar, querido!” Quem acompanha os rumos da política dos Estados Unidos pode achar que essa frase foi dita pelo presidente do país, Donald Trump. Afinal, o “agente laranja” é um árduo defensor dos combustíveis fósseis e negacionista nato das mudanças climáticas. Ele não perdeu nenhuma oportunidade para mostrar seu amor pela indústria do petróleo em sua campanha à Casa Branca com o mote “drill, baby, drill!”.
A surpresa é que Trump tem admiradores não apenas na extrema direita brasileira, mas também no comando da Petrobras. Foi com essa fala – “let’s drill, baby!” – que a presidente da empresa, Magda Chambriard, demonstrou esse apreço, em fala na semana passada na Offshore Technology Conference (OTC), em Houston, um dos maiores eventos do setor de petróleo e gás fóssil do mundo. Magda levou à conferência o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), para mais uma vez defender a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, no litoral amapaense.
Com muita boa vontade, poderia se considerar que Magda foi apenas “infeliz” em sua fala. Mas seu histórico em defesa dos combustíveis fósseis e as mudanças no rumo da Petrobras desde sua chegada ao comando da petroleira confirmam que não há lapso, e sim concordância com o “Make Oil Great Again” de Trump e sua trupe, com seu claro desprezo pela ciência e pela transição energética justa.
Em maio de 2013, quando Magda Chambriard era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), ocorreu a 11ª Rodada de Licitações de Petróleo e Gás do órgão regulador. Nesse leilão foram ofertados quase 100 blocos para exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas. Entre eles, o FZA-M-59.
O bloco 59 foi arrematado pela petroleira britânica BP (70%), em sociedade com a Petrobras (30%). Anos depois a BP vendeu sua parte para a petroleira estatal brasileira. Que agora, sob o comando de Magda, pressiona o Ibama dia sim e outro também, com apoio de alas do governo pró-petróleo, para obter uma licença e perfurar um poço de exploração na área.
Embora a decisão do órgão ambiental de emitir ou não a licença seja técnica, Magda apelou ao presidente Lula mesmo antes de assumir o comando da Petrobras. “É ele quem deve decidir sobre os impactos e as consequências”, disse ela, em artigo publicado em 2023 na Brasil Energia. “O MMA [Ministério do Meio Ambiente] não pode usurpar o poder de concessão da Presidência da República”, continuou ela. Mesmo que isso significasse usurpar o poder de análise ambiental, prerrogativa de uma estrutura de Estado [não de governo] como o Ibama.
Já à frente da petroleira, Magda Chambriard ampliou a artilharia contra o Ibama pela licença para exploração na foz. Logo que assumiu o cargo em maio de 2024, disse que a Petrobras [ou melhor, seu antecessor, Jean Paul Prates] estava “lutando pouco” pela autorização para perfurar o poço no bloco 59. E para isso teve apoio de outro árduo defensor da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”: o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, apontado como um dos responsáveis pela “fritura” de Prates.
Neste um ano de comando da petroleira, Magda aproveitou qualquer oportunidade pública para reforçar a narrativa falaciosa da exploração da foz do Amazonas como necessária para o Brasil não voltar a ser importador de petróleo. Nessas ocasiões também pressionava o Ibama pela licença. Ao ponto de dizer que o centro de tratamento da fauna que a empresa inaugurou no início de abril em Oiapoque, no extremo norte do Amapá, era a “última exigência” que faltava para a autorização, o que o Ibama não confirmou.
Mas o “lado trumpista” de Magda também ficou evidente na Diretoria de Transição Energética e Sustentabilidade e no Plano de Negócios 2025-2029 da empresa. Criada em abril de 2023 com Maurício Tolmasquim como titular, a diretoria não andou muito na gestão de Prates e foi praticamente paralisada com a nova presidente da Petrobras. Com a saída de Tolmasquim, Magda afirmou que a diretoria seguirá com a mesma estrutura atual – inclusive com o gás fóssil sob sua responsabilidade. Já o plano de negócios quase zerou os investimentos em fontes renováveis de energia como solar e eólica, e passou a priorizar recursos para o etanol, mas sem planos claros.
O desprezo pela transição energética foi confirmado em um formulário depositado em abril pela Petrobras na Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado de ações nos EUA. No documento, a empresa afirmou que investimentos em fontes renováveis poderiam reduzir seus ganhos financeiros. Para bom entendedor, pingo é letra.
Portanto, o “let’s drill, baby” de Magda não pode ser visto apenas como uma frase infeliz. É mais uma prova de que a “empresa de energia” na qual o presidente Lula sonhava transformar a Petrobras, que poderia liderar a transição energética no país, está muito longe de virar realidade. Pior: o pesadelo climático só aumenta com essa visão ultrapassada de exploração de petróleo “até a última gota”. Nesse ponto, Trump e Magda estão de braços dados.