03 Mai 2025
“Neste momento de discussão, a Igreja Católica pode parecer muito dividida. Diferentes opiniões, grupos. Afinal de contas, o salão da Congregação não está fechado, as vozes vazam, as conversas correm. É assim porque estamos em um processo que hoje está em fase de articulação, mas que virá para reafirmar a unidade da Igreja, para renová-la”, afirma Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, um dos leigos católicos que mais teve contato com o Papa Francisco.
Estudioso das religiões, na graduação Riccardi pesquisou as relações da Igreja com o Estado. Hoje, aos 75 anos, tem familiaridade tanto com o que é definido no Vaticano quanto uma vasta rede de relações internacionais.
A entrevista é de Maurizio Caprara, publicada por Corriere della Sera, 01-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em sua opinião, depois da dialética que síntese se seguirá?
Sempre haverá algum descontente em um corpo de um bilhão e mais de fiéis, mas o Conclave reconfirmará a unidade da Igreja”. Muitas das análises sobre o Conclave são italocêntricas. Elas geralmente adotam interpretações que são principalmente políticas e expostas ao risco de esquematismos. Acho que há uma ampla gama de reflexões dentro do Colégio de Cardeais que não está sob os holofotes.
Quais poderiam ser os termos do confronto que se desenrolará para a eleição do próximo Papa?
Ser italocêntrico é uma forma para não dizer que estamos navegando em mar aberto. Porque este será um Conclave com cardeais que têm a maior internacionalidade. Eles vêm de muitos países.
De 71.
Sim. É difícil entender os vínculos, as orientações, as perspectivas. Há novos cardeais, outros que nunca se encontram em uma assembleia. Portanto, estamos num período de assentamento. Todos dizem um pouco do que pensam e começam a se conhecer. Estamos no início do que Jorge Mario Bergoglio, como bom jesuíta, teria chamado de 'discernimento'.
Um aspecto a se considerado para tentar entender os resultados?
Além dos 133 eleitores, uma outra centena de não eleitores está participando da discussão em andamento. Os cardeais eméritos.
Em 1970, Paulo VI decretou que, a partir dos 80 anos de idade, não se tinha mais o direito de votar no pontífice.
Portanto, a assembleia que discute é formada por eleitores e não eleitores. E todos estes últimos têm uma história com Francisco, alguns até mesmo de dificuldades. A assembleia liderada por Giovanni Battista Re, um não eleitor, é realmente grande, com mais de 230 pessoas. Em alguns dias, terá que identificar seu candidato ou uma lista de nomes.
De acordo com quais critérios?
Em relação ao legado de Francisco. Sobre como levá-lo adiante. Ouvimos dizer: ‘O sucessor de Pedro deve ser escolhido, não de Francisco’. Não vamos fazer fundamentalismo.
Um específico cardeal alemão disse isso...
Não sei. É claro que deve ser escolhido o sucessor de Pedro, mas o sucessor imediato de Francisco. Joseph Ratzinger, que também era um refinado teólogo, em seu primeiro discurso como papa eleito definiu a si mesmo como sucessor de Pedro e de João Paulo II, tão forte era o legado de João Paulo II.
Como estão os alinhamentos neste momento, mesmo que possam mudar?
Não acredito tanto na divisão entre progressistas e conservadores, categorias que não se sustentam na Igreja de hoje. Pode haver um grupo conservador, mais tradicionalista, mas acho que a discussão será se estabilizar a Igreja, já que Francisco a fez correr rapidamente, ou se continuar com uma pastoral no estilo de Francisco. Carismática, mas também evangelizadora. Porque Francisco deve ser visto não no termo progressista, mas no evangelizador.
Inteligência artificial e abalos nos equilíbrios geopolíticos tradicionais: até que ponto novidades desse tipo influenciam sobre a idade que mais indicada para o próximo Papa? A Igreja dos próximos anos precisa mais de um Pontífice jovem, portanto em sintonia com os tempos, ou de um sábio em virtude da idade?
Isso será decidido pelos cardeais. De fato, o novo Papa enfrentará um cenário sem precedentes: do ponto de vista científico-tecnológico, mas também em um mundo que está cada vez mais em pedaços porque a ‘guerra mundial em pedaços’ se intensificou. Veja a reação nacional na China ao desafio lançado pelos estadunidenses.
Por Donald Trump?
Sim. Outro problema é a idade do cardeal candidato, um indicador da duração do pontificado. Quando a hipótese de Giuseppe Siri era avaliada, ele era jovem e se dizia: ele será um Padre Eterno, não um Santo Padre. Isso conta.
Siri tinha então, em 1958, 52 anos de idade. Que outro fator pode contar?
Um pouco conta se eleger papa 'religioso', que vem das congregações, ou um 'secular'. De 1846 em diante, todos os papas foram padres seculares, sacerdotes diocesanos. Desde então, Bergoglio foi o primeiro religioso, um jesuíta. Há certa diferença entre a abordagem de um religioso e a de um diocesano. Quanto à idade, após a morte de João Paulo I, cujo falecimento se consumou em questão de poucos dias, foi escolhido um papa jovem e atlético. Em suma, a decisão é alcançada após uma combinação de observações e conhecimentos
Qual é a influência da origem geográfica?
Os cardeais africanos são muitos, por exemplo. Eles agem com certa compactação. Como se movimentarão? Sobre quem eles depositarão seu peso? Um papa africano? Talvez ainda não exista consenso. Os africanos estavam preocupados com a bênção de Francisco aos casais não regulares.
E os asiáticos?
Com exceção das Filipinas, são um cristianismo minoritário, que convive com outras religiões. Ao contrário das Igrejas europeias, que, embora menos frequentadas do que no passado, vivem em países de tradição cristã. Eu não deixaria de lado os latinoamericanos, o continente mais católico do mundo
O próximo papa não poderá deixar de abordar a concorrência dos evangélicos.
É o termo certo: não se pode fingir ignorá-lo.
Foi uma componente substancial no eleitorado de Donald Trump.
Sim, nós vimos isso na Casa Branca, no Salão Oval: os pastores evangélicos estavam elegendo o novo presidente e uma crente, a Sra. Paula White, era nomeada chefe do Escritório da Fé. É um movimento completamente diferente do Papa de Roma: da prosperidade, de ‘eu primeiro’, da fragmentação em tantas micro e macro comunidades. De certa forma, o Papa Francisco foi o anti-Trump. Não politicamente. Mas como visão religiosa e universal