O anúncio da morte do Papa Francisco no começo da manhã da segunda-feira, 21 de abril, trouxe um sentimento de consternação e comoção não só aos católicos, mas também e sobretudo à população que via em Francisco mais que um líder religioso, uma grande liderança civil e humanitária do século XXI. Bergoglio foi uma autoridade transformadora e uma das poucas vozes globais contra as guerras, a pobreza e a indiferença.
O papa da esperança, dos migrantes, dos apenados e do diálogo inter-religioso foi conduzido no caixão, com um cortejo que saiu da Casa de Santa Marta à Praça São Pedro, cruzando a Via della Sacrestia, passando pela Praça dos Protomártires Romanos e entrando pelo Arco dos Sinos, onde foi recebido com aplausos pela multidão que o aguardava.
Ao longo dos últimos 12 anos, Francisco foi protagonista de uma virada profética na Santa Sé, realizando muitas mudanças não só dentro e fora da Igreja, mas também no seu modo de pensar. O recado dado por Dom Cláudio Hummes, logo após a eleição, guiou sua trajetória até o fim: “não se esqueça dos pobres”.
A escolha do nome, em referência ao santo de Assis, a opção por fixar residência na Casa Santa Marta e a escolha da primeira viagem apostólica à Lampedusa apontavam para suas preferências pastorais. Um papa do fim do mundo, que levou a Teologia do Povo à Cúria Romana e se valeu da alegria do evangelho para tentar fazer da Igreja uma espécie de hospital de campanha, que acolhe a todos e todas, sem exceção. Sabendo da importância das artes e da literatura, aproximou-se dos artistas e "trouxe outra ideia de arte ao coração da Igreja: não como ornamento, mas como linguagem para resistir, crer, amar. Uma arte que não tranquiliza, mas consola e sempre foi capaz de reconhecer o poder da arte como uma linguagem universal, capaz de desafiar mitos contemporâneos e dar voz até mesmo àqueles que não a têm", lembrou Nicoletta Biglietti, curadora e crítica de arte.
“Com sua conclamação em favor do empobrecidos, com sua crítica corajosa ao sistema vigente que produz morte e ameaça as bases ecológicas que sustentam a vida, por seu apaixonado amor e cuidado da natureza e da Casa Comum, pelos incansáveis esforços para mediar guerras em função da paz, emergiu com um grande profeta que anunciou e denunciou, mas sempre suscitando a esperança de que podemos construir um mundo diferente e melhor”, assinalou Leonardo Boff.
Francisco foi singular e não encontrou nenhum outro líder mundial capaz de discutir com a mesma coragem e ousadia que ele os dramas da modernidade. Ele foi um personagem que atuou ativamente na geopolítica e, até seu último dia, defendeu a paz e os excluídos. No domingo de Páscoa, na benção à cidade e ao mundo, fez um novo apelo contundente:
“Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento. A luz da Páscoa incita-nos a derrubar as barreiras que criam divisões e que acarretam consequências políticas e económicas. Incita-nos a cuidar uns dos outros, a aumentar a solidariedade mútua, a trabalhar em prol do desenvolvimento integral de cada pessoa humana”.
Após sua morte, no entanto, o recrudescimento das guerras é iminente. Com Trump jogando no ataque e não desistindo de ocupar territórios na Ucrânia, Putin ameaçando com a guerra nuclear e Zelensky acuado, a paz na Europa é cada vez mais uma miragem. Enquanto isso, Gaza passa pela maior limpeza étnica da história.
Mas o descanso do corpo de Francisco, que ofereceu seu sofrimento pela paz mundial, é só o começo de uma nova jornada. Com o Conclave à vista, começam os rumores em torno do nome do sucessor de Pedro. Ainda é cedo para especular o que acontecerá, mas é certo que esta escolha se dará em um contexto mundial turbulento, diante um ultraconservadorismo em crescimento e as redes sociais como ferramenta de manipulação, comentou Massimo Faggioli.
No giro ao Brasil, a inação do governo federal frente aos direitos dos povos indígenas faz avançar os ataques a esses povos.
No episódio de lembramos os 12 de Jorge Mario Bergoglio como sumo pontífice. Um homem crítico ao consumismo, ao neoliberalismo, ao capitalismo e à globalização da indiferença, que mudou o eixo de poder da igreja. Mas que também se mostrou humano, errando e voltando atrás, e um pouco “autoritário” quando estava decidido. Tentamos, nessas breves linhas, sintetizar o pontificado de Francisco, mas como mencionou o Gianfranco Ravasi, isso já não é possível.
"A essa altura, é difícil voltar à dimensão mais 'objetiva' e montar um retrato do Papa Francisco e dos anos densos, intensos e agora históricos de seu pontificado. Um verdadeiro mar de palavras foi e será escrito sobre ele e suas escolhas pastorais que tiveram um impacto verdadeiramente planetário. Igualmente imenso é o horizonte de suas mensagens e ações, muitas vezes marcadas por uma poderosa carga simbólica, de modo que é uma tarefa impossível resumir sua figura e sua obra de maneira rápida e interessante, como ele sabia fazer em sua comunicação", pontuou o cardeal.
Como disse o pastor Ed René Kivitz, “tudo isso é Francisco”.
Neste sábado nos despedimos em definitivo de Francisco, que será sepultado na Igreja de Santa Maria Maior, com a mesma simplicidade com que dirigiu a mais poderosa instituição religiosa do mundo. Além do túmulo simples, a despedida ao lado daqueles com quem criou laços. "Cerca de 40 pessoas o aguardarão, segurando uma rosa branca: pobres, mulheres vítimas de tráfico, transexuais, presos em liberdade condicional e um representante da comunidade cigana. Pessoas que o Pontífice conheceu, dando a todos uma palavra de conforto, um gesto de proximidade, agora escolhidas para o último adeus no lugar dos grandes da Terra que lotarão o funeral na Praça São Pedro". Ainda que fechada o sepultura, já não será possível dizer adeus ao seu legado.
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