As batalhas de Francisco, seu grande legado. Artigo de Reuberson Ferreira

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24 Abril 2025

"Ao mesmo tempo que, em meio a lágrimas acompanhamos notícias de sua morte, somos constrangidos a contemplarmos ao largo seu legado. Francisco, foi um homem que ao lado de muitas Encíclicas, delineou com gestos e ações as marcas do seu pontificado. Arriscamos dizer que ao longo do ministério papal, o argentino, afrontou três grandes crises que certamente serão marcas futuras do seu ministério pontifício", escreve Reuberson Ferreira, doutor em Teologia pela PUC-SP. Especialista em Teologia, História e Cultura Judaica pelo Centro Cristão de Estudos Judaicos (CCEJ/SP) e em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Educação São Luís. Membro do Grupo de Pesquisa Religião e Política no Brasil Contemporâneo (CNPq) e do Observatório Eclesial Brasil, bacharel em História, professor de Teologia da PUC-SP, padre Missionário do Sagrado Coração.

Eis o artigo.

Jorge Mário Bergoglio, o cardeal do fim do mundo, feito Papa Francisco, enfrentou sua última e derradeira batalha. Após uma via crucis marcada por manobras médicas diversas, pelo uso de cânulas nasais e pela imagem debilitada de sua última aparição, o Bispo de Roma retornou a casa do Pai. Ele ingressou, segundo a fé que lhe moveu, na cidade celeste, na Jerusalém do alto, contemplando, doravante, face a face aquele que, em vida, amou e serviu com zelo abnegado na condução da Igreja.

Ao mesmo tempo que, em meio a lágrimas, acompanhamos notícias de sua morte, somos constrangidos a contemplarmos ao largo seu legado. Francisco foi um homem que, com suas encíclicas, delineou com gestos e ações as marcas do seu pontificado. Arriscamos dizer que em seu ministério papal o argentino afrontou três grandes crises que certamente serão marcas futuras do seu ministério pontifício.

A primeira grande batalha afrontada pelo papa jesuíta foi eclesiológica. Ele assumiu o sólio petrino num contexto eclesial intricado. Sua eleição ocorreu no conclave que se seguiu à renúncia do Papa Bento XVI. A Igreja encontrava-se marcada pela eclosão de denúncias de casos de pedofilia que haviam sido resguardados pela política do sigilo eclesiástico; escândalos econômicos no Banco Vaticano; dissensões ou brigas internas fraticidas por poder e espaço no universo curial. Campanhas difamatórias e ataques pessoais a figura do romano pontífice despontavam, além de uma letargia pastoral e uma guinada autorreferencial da Igreja.

Sendo eleito no quinto escrutínio, no terceiro dia do Conclave, Francisco era a resposta dos cardeais aos desafios propostos pelas Congregações Gerais à Igreja. Ele, pessoalmente, havia defendido uma Igreja em saída, não autorreferencial e capaz de ser, como diziam os patrísticos, Mysterium Lunae. Jorge Mário tomou sobre si essa missão. Consignou-a na sua primeira encíclica: Evangelii Gaudium. Seus atos decorrentes dessa carta programática buscaram imprimir um ânimo missionário a Igreja, combater desvios de condutas (sinodalidade), responsabilizar culpados, acolher vítimas e promover a fidelidade ao evangelho nessa instituição que busca ser sinal do Reino no meio da humanidade.

A crise eclesiológica que assola o mundo – mesmo que negada por alguns, inclusive na Igreja – foi afrontada pelo pontificado de Francisco. Num contexto de crise climática, quando os últimos acordes do protocolo de Quioto eram declinados e sob uma incerteza da capacidade da Conferência de Paris de conseguir um acordo climático entre as nações, dotado de metas e objetivos para frear o avanço da questão do clima, o papa jesuíta lançou a encíclica Laudato Si'. Ela era uma tácita pressão pelo estabelecimento de uma política climática. Bramia que os líderes mundiais assumissem a ecologia como uma prioridade. Esse texto, considerado o mais científico das cartas papais, denuncia a grave crise climática, a inercia de nações em resolver a questão e criticou veementemente o sistema capitalista que explora a casa comum e sequela tanto a terra como os habitantes dela, mormente os mais pobres. Pouco tempo depois, visto a incipiente reação de líderes, escreveu a Laudate Deum. Uma espécie de rebote do primeiro texto, muito mais eloquente ao exigir uma postura propositiva para questão da ecologia integral.

Por fim, a crise da fraternidade foi afrontada. Numa sociedade que, com o avanço das técnicas digitais, contemplou o eclodir de tendências mundiais totalitárias, bem como de polarizações irreconciliáveis, Francisco posicionou-se com voz forte. Ele advertiu, do túmulo de São Francisco de Assis, que todos somos irmãos: Fratelli Tutti. Bradou contra a crise humanitária que segrega povos que cria pontes e que exclui minorias; protestou de maneira eloquente e trabalhou incansavelmente para que conflitos bélicos no Oriente Médio ou no Leste Europeu cessassem. Era um cândido apelo para que relações de civilidade e respeito, sem ferir direitos individuais, fossem preservados. Em sua última aparição pública, o Bispo de Roma não se furtou em clamar a paz e nomear conflitos que lastreiam o mundo e maculam a sociedade dita civilizada e moderna.

Enfim, antes da derradeira batalha, Francisco enfrentou com altivez essas crises. Essa postura denunciava o modo como ele divisava uma Igreja no mundo hodierno à altura do Evangelho. Certamente, entre outras coisas, esses três aspectos serão marcas indeléveis do pontificado do jesuíta que verteu sobre si o ideal de Francisco de Assis e tentou reconstruir a Igreja, reanimar a sociedade.

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