29 Agosto 2024
Francisco acrescentou esse fator político às razões para não marcar uma data para a sua tão esperada viagem. Sua condição física já não o influencia tanto e se dilui a possibilidade de ele fazer o anúncio após sua viagem de onze dias pela Ásia e Oceania marcada para setembro. Muitos na Argentina consideraram, e continuam a considerar, que uma visita do Papa contribuiria para a unidade dos argentinos. Porque, ainda que muitas das suas atitudes de motivação política fossem questionadas, a sua pregação e os seus gestos seriam muito valorizados.
A reportagem é de Sergio Rubin, publicada por Religón Digital, 26-08-2024.
Nos últimos dias, a política no país tornou-se um vale-tudo. Não são apenas fortes embates verbais entre expoentes de diferentes espaços, mas dentro dos próprios espaços e também com aliados.
O partido no poder - precisamente porque é um governo, mas também pela sua fragilidade no Congresso face aos poucos legisladores que possui - constitui o exemplo mais grave e patético. Senadores que questionam as decisões do presidente e, principalmente, dos mais próximos dele, pouco menos que em voz alta, e deputados que procuram resolver suas diferenças em voz alta e com denúncias criminais.
O partido no poder ao mais alto nível também teve atritos com a força política que lhe deu apoio fundamental para a segunda volta: o PRO. Javier Milei disse que as explicações dadas por Mauricio Macri para a rejeição dos seus legisladores ao aumento do orçamento do SIDE “não foram satisfatórias”, apesar de o ex-presidente ter apoiado o veto à mobilidade de reformas aprovado por ambas as câmaras. Enquanto Patricia Bullrich acusou Macri de “enviar os senhores do PRO para votarem a favor de um projeto fiscalmente irresponsável e depois sair publicamente para dizer que são contra ele”.
A lista de confrontos políticos no partido no poder e com espaços afins – que também têm os seus, como é visível – nos últimos dias é muito mais longa. Vale ressaltar que o processo entre o governo nacional e a prefeitura (ou seja, entre dois aliados) sobre coparticipação está na Justiça, sem que o ministro da Economia, Luis Caputo, tenha comparecido à audiência esta semana com o chefe da o Executivo de Buenos Aires, Jorge Macri. E embora as diferenças entre o presidente e a sua comitiva com a vice-presidente Victoria Villaruel não sejam novas, elas acrescentam tensão.
O cenário aquecido, previsivelmente, preocupa a Igreja argentina. E também ao Papa Francisco, a tal ponto que estaria a condicionar a sua decisão de vir ao país, segundo relatos. Até agora, a decisão dependia da sua condição física. Na verdade, ele dizia que, se o seu corpo responder bem durante a viagem de onze dias pela Ásia e Oceania que realizará na primeira quinzena de setembro, anunciará a sua visita à sua terra natal nos próximos meses. Mas o fator político – num quadro econômico e social delicado – começou a pesar na sua decisão.
Na verdade, não é a primeira vez que Francisco é creditado por condicionar a sua visita à profundidade da fissura que divide boa parte da sociedade argentina. Em vários momentos do seu pontificado, foi dito que esperava que a polarização diminuísse para evitar que o que disse e fez fosse fonte de polêmica e, em vez de contribuir para a unidade dos seus compatriotas, como é seu desejo, a sua visita seria tensionar ainda mais os conflitos. Na verdade, a Secretaria de Estado do Vaticano – que administra informações privilegiadas de todo o mundo – desaconselhou a viagem.
No entanto, muitos na Argentina consideraram, e continuam a considerar, que uma visita do Papa contribuiria para a unidade dos argentinos. Porque, ainda que muitas das suas atitudes de motivação política fossem questionadas, a sua pregação e os seus gestos seriam muito valorizados. Além disso, há quem considere que agora “os planetas estariam alinhados” porque à boa disposição para a sua vinda do kirchnerismo, à esquerda, acrescenta-se a do mileísmo, à direita, a começar pelo próprio Javier Milei.
Acontece que, embora a relação de Francisco com Cristina Kirchner e Alberto Fernández não tenha terminado bem por vários motivos (uso político abusivo da relação, atitudes confortáveis perante a oposição e promoção da lei do aborto no pior momento da pandemia), o kirchnerismo sempre quis tê-lo ao seu lado. Enquanto a raiva de setores não peronistas em relação ao pontífice, considerando que ele simpatiza com o justicialismo, é até certo ponto limitada pelo desejo de Milei de ser o presidente que recebe o Papa.
No entanto, a tensão política deverá diminuir, dizem aqueles próximos de Francisco. Além disso: apontam que o esforço teria que começar pelo presidente que, desde que assumiu o cargo, tem sido tão conflituoso quanto os fundadores da atual ruptura: Néstor e Cristina Kirchner. Afinal, o forte confronto que o então cardeal Bergoglio teve com os Kirchner começou por esse motivo. “Se Milei quer que o Papa vá à Argentina, ele deveria moderar suas declarações”, dizem.
Especialistas em assuntos eclesiásticos acreditam que a mensagem poderá chegar aos ouvidos do presidente através das autoridades da Igreja argentina. O arcebispo de Buenos Aires, Dom Jorge García Cuerva, falou sobre isso com o Papa durante o extenso encontro que manteve esta semana na residência Santa Marta? Ele será o portador desta recomendação considerando que mantém um bom diálogo com Milei? Nesse caso, o episcopado conseguirá moderar o libertário? Ou será como pedir peras ao olmo?
Neste contexto, o novo secretário de Culto, o jovem libertário Nahuel Sotel, ou um católico fervoroso de perfil conservador, mas que aprecia muito Francisco, poderia desempenhar um papel fundamental. Próxima de Karina Milei e Santiago Caputo, a sua voz poderá ter alguma influência nos mais altos níveis do poder e contribuir para criar as condições para que a visita do Papa se realize.
Porém, para Jorge Bergoglio – dizem quem lhe é próximo – o mais importante é que a tensão política diminua e haja alguns acordos. Porque, em última análise, nada de bom para o país pode resultar de tantos combates.