05 Junho 2024
"A narração contida no livro dos Juízes cobre o período intermediário entre a entrada de Israel na Terra Prometida e o período monárquico. Não havia ainda um rei e cada um fazia o que lhe parecia bem, recorda o texto. Os doze juízes cuja vida e cujos feitos são contados, mais ou menos brevemente, não são pessoas encarregadas de julgar o povo, mas de serem salvadores temporários de Israel das mãos dos inimigos, principalmente dos filisteus", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 02-06-2024.
O livro segue um esquema sempre igual: o povo peca e se encontra em uma situação de opressão por parte do inimigo. Ao grito de ajuda que se eleva a YHWH, este responde com a chamada de um juiz que liberta temporariamente o povo de sua condição miserável. O juiz atua por um período limitado, durante o qual Israel desfruta da paz. Depois, o povo volta a pecar e a situação anterior se repete, e o esquema narrativo se repete.
Dos doze juízes, alguns são "menores" e outros "maiores". De alguns, recordam-se apenas algumas façanhas em poucas linhas; de outros, como Sansão e Jefté – os dois últimos – a vida e os feitos são narrados extensivamente. Os estudiosos observaram que a trajetória geral do livro dos Juízes é dirigida a um contínuo agravamento, até o fracasso com Jefté e seu voto desastroso feito a YHWH.
Esse personagem, muitas vezes incautamente elogiado pela fidelidade à palavra dada, é, no geral, um personagem negativo, que, para resgatar sua marginalização social e familiar – era filho de uma prostituta expulso de casa –, se coloca a guerrear e a perseguir fins pessoais.
Sansão é anunciado como destinado a se tornar nazireu, e, portanto, a não se contaminar com realidades ligadas à morte e a não beber substâncias inebriantes. Seu nome é associado por alguns ao "sol/shemesh", e então ele seria um personagem "solar", com ligações a mitos extrabíblicos. Ele foi comparado a Hércules e suas façanhas. Em suas aventuras, há um conflito entre natureza e cultura. Homem segundo a natureza, ele se encontraria como Enkidu da epopeia de Gilgamesh, lutando com a cultura.
Nos últimos anos, os estudiosos catalogaram Sansão como um personagem liminal, colocado entre natureza e cultura, situado perpetuamente entre a adolescência e a maioridade.
O herói apresenta aspectos de imaturidade e infantilismo. Não tem filhos, um aspecto fundamental do homem adulto. A cabeleira simbolizava a virilidade, a maturidade e o poder, o sinal físico da fertilidade e fecundidade masculina. Em Israel, isso permitia ao homem israelita adulto perpetuar a linhagem.
Sansão, no entanto, não é casado, está perpetuamente atraído por mulheres estrangeiras. Um rapaz que não se tornou completamente adulto.
Um aspecto de sua imaturidade é o fato de que tende a iniciar ações violentas e desproporcionais: destrói as colheitas dos filisteus, os mata para vingar a morte de sua esposa e sogro (15,7-8). A falta de controle o leva a violar o voto de nazireu, comendo mel da carcaça de um leão. Sua morte é o clímax dessa escalada de violência desproporcional, considerando que o motivo alegado por ele é vingar-se por sua cegueira (16,28-30).
O contraste entre comportamento infantil e adulto é o aspecto que o descreve como personagem liminal.
Outros autores – aos quais vai a preferência de Donatella Scaiola – julgaram a história de Sansão como figura de Israel, vista também a posição estratégica que ele ocupa no livro dos Juízes. Ele se encontra no fim do processo de deterioração mencionado acima. "Assim como Sansão está bloqueado em uma fase liminal entre adolescência e maturidade, também Israel, no livro, repete um ciclo autodestrutivo que o torna fraco e vulnerável" (p. 19).
A atração de Sansão por mulheres estrangeiras e a desobediência em relação a seus pais são de alguma forma paralelas à desobediência de Israel em relação ao Senhor e evocam as relações com os cananeus. "Tanto Sansão quanto Israel, além disso, podem culpar apenas a si mesmos por seus erros, tendo desperdiçado o imenso potencial proveniente de sua relação especial com Deus" (ibid.).
"Sansão, como Israel na saga, não pede para ser libertado dos filisteus – anota Scaiola. No entanto, Deus realiza seu projeto, o de começar a libertar Israel dos filisteus, apesar do comportamento de Sansão, cujos conflitos com estes são motivados por vinganças pessoais, e apesar da apatia de Israel. [...] Essa hipótese pode explicar por que Sansão é consagrado antes de seu nascimento, em vez de escolher ele mesmo fazer o voto de nazireu. A relação especial que une Israel a Deus foi iniciada pelo Senhor antes mesmo de Israel existir" (ibid.).
Que Sansão represente Israel pode explicar a relevância do ciclo dedicado a esse personagem dentro do livro dos Juízes (Jz 13-16).
Scaiola cita alguns autores que notaram vários elementos teológicos presentes na saga de Sansão. A autora cita a definição de saga enunciada por J.L. Crenshaw: "A saga exige mínimos eventos históricos e poucos personagens, e os trata de forma elevada [...] A saga tende à hipérbole e apresenta o fantástico como se fosse ordinário" (cit. da tradução na p. 24, nota 29).
Há quem destaque como centro teológico a oração e a resposta que Deus dá a ela. O princípio teológico central do relato seria que o Senhor é a força que guia os eventos. YHWH intervém diretamente em resposta à oração, ou se menciona a ação do Espírito de Deus. YHWH seria o verdadeiro protagonista da história.
A oração revela a dependência de YHWH e a abertura de YHWH à súplica humana, com a ênfase na função que os agentes humanos desempenham na realização do projeto divino.
Outro autor remete às lealdades conflitantes, ou seja, à tensão entre fidelidade filial e apego erótico. Para outros autores, o centro da saga é a violação, completa ou parcial, do voto de nazireu.
Para alguns estudiosos, os pais de Sansão representam o Israel fiel, enquanto Sansão representa uma geração infiel. Ele nasceu dentro da aliança, como testemunha seu status de nazireu, mas é atraído, como Israel, por culturas e religiões estrangeiras. Sua relação com mulheres filisteias reflete a prostituição de Israel com outras divindades (cf. Jz 2,2.17; 8,33). Nas orações de Sansão (Jz 15,19; 16,28-30) se sente o eco do grito de Israel (Jz 3,9.15…).
A saga de Sansão pode ser interpretada de várias maneiras, não necessariamente alternativas, mas talvez complementares entre si.
Não sendo possível citar as numerosas interpretações exegético-narrativo-teológicas de Scaiola que fornecem os vários elementos para uma correta interpretação do texto, parece útil relatar a detalhada estrutura do texto identificada pela estudiosa.
O Nascimento de Sansão (Jz 13) vê o início do relato (v. 1), a aparição do anjo (v. 2-7), o discurso de Manoá ao anjo (vv. 8-18), a revelação da identidade do mensageiro (vv. 19-23) e a conclusão (v. 24-25).
O casamento de Sansão e suas consequências (Jz 14,1–15,20). Relatam-se os preparativos do casamento de Sansão (14,1-10), o enigma e o fracasso do casamento (14,11-20), Sansão na casa do sogro (15,1-3), Sansão nos campos (15,4-8), Sansão em Leí (15,9-20), a conclusão (15,20).
Neste capítulo, Scaiola trata em um parágrafo do importante princípio teológico-hermenêutico da dupla causalidade, que coloca em campo a ação de Deus e do homem, relacionando-as de maneira correta (p. 47-51).
Sansão escolhe uma mulher que lhe parece "ser a certa" (tradução de Scaiola; não "que me agrada"). Ela constituirá de fato o motivo “certo” para o início da guerra de Sansão contra os filisteus e o início da libertação deles.
Jz 16 trata de Amor e morte. Ele aborda o encontro com a prostituta de Gaza (v. 1-3) e a relação fatal com Dalila (v. 4-20).
O volume de Scaiola segue de perto o desenrolar da narrativa, indicando brevemente os elementos exegético-teológicos necessários para uma correta interpretação. Nas notas, ela indica os autores com quem dialoga a nível exegético-hermenêutico.
A saga de Sansão representa um fenômeno claro de intertextualidade (cf. 14,15, na boca dos filisteus, traduzido pela autora como: "Vocês nos convidaram aqui para tomar posse de nós?"; 15,18 menciona a grande sede de Sansão e sua invocação a YHWH, como fez Israel em Massa e Meriba, Ex 17,1-7; Jz 15 destaca a fidelidade e a misericórdia de YHWH em relação ao seu juiz, que, embora sendo um fanfarrão violento, na necessidade se volta para ele.
A cabeleira que começa a crescer novamente, remete à obra de Deus que, através de Sansão, começa a libertar Israel dos filisteus. Para Scaiola, com a raiz nqm Jz 16,28 faz invocar a Sansão não a vingança, mas a justiça, a reação justa, “proporcional” a um abuso sofrido. O herói pediria algo ligado à justiça e não à vingança.
A segunda parte do volume (p. 82-106) é dedicada à história da recepção da narrativa bíblica, parte integrante, segundo a autora, da interpretação do livro bíblico.
Scaiola analisa primeiramente a presença de Sansão na arte pictórica. Apresenta brevemente pinturas de Guido Reni, Rembrandt van Rijn, Lovis Corinth, Pieter Paul Rubens (dois quadros), Gustave Moreau (dois quadros), Solomon Joseph Solomon e Alexander Cabanel. Eles representam sobretudo Dalila como prostituta inserida em um ambiente prostibular (cf. a anciã com uma jarra e as roupas, em sua maioria vermelhas, de Dalila), com uma atitude quase sempre de distanciamento e desprezo por Sansão. Tudo transpira sensualidade e sedução.
Sansão no cinema é citado através da obra Sansão e Dalila (1949) de Cecil B. DeMille. Assim como no cinema, também na literatura há uma ampla e livre revisitação do texto bíblico. Scaiola menciona John Milton, Os Inimigos de Sansão; Alfred de Vigny, A Cólera de Sansão, e David Grossman, O Mel do Leão. O Mito de Sansão.
Nessas obras estão presentes em segundo plano temas autobiográficos, traços de misoginia, referências à cultura e aos costumes contemporâneos, alertas contra a sedução exercida pela femme fatale ou a reproposição de papéis de gênero convencionais e tradicionalmente associados às mulheres.
A Sansão é atribuída às vezes uma interpretação cristológica (cf. Hebreus no NT; homilias do período elisabetano). Para a música, é citado o oratório Sansão de Georg Friedrich Händel, e Sansão e Dalila de Camille Saint-Saëns.
Vale lembrar que Dalila não é apresentada pelo texto bíblico como uma prostituta ou como a esposa de Sansão. É verdade, no entanto, que a história da interpretação é muito interessante, mesmo quando surgem aspectos estranhos ao relato bíblico, como a interpretação tipológica entre Sansão e Cristo, já proposta pela Carta aos Hebreus e retomada posteriormente, pelo menos até a época da Reforma.
A saga de Sansão se presta, portanto, a diversas interpretações. A interpretação global da figura de Sansão a partir de sua morte varia entre os autores. Aqueles que interpretam Sansão como um personagem heroico tendem a minimizar seus erros e a apresentar sua morte como nobre. Quem o interpreta de maneira ambígua ou negativa acredita que sua morte foi vergonhosa, um dos raros casos de suicídio mencionados na Bíblia.
Os irmãos e parentes que, em Jz 16,31, vão buscar o cadáver de Sansão para enterrá-lo no sepulcro de Manoá, seu pai, podem indicar que, no final de sua vida, Sansão se reconciliou com sua família e foi reinserido no seu seio. Outros interpretam esse final como a confirmação do fracasso, da esterilidade da existência de Sansão: ele teve muitas mulheres, mas não gerou filhos; ele apenas começou a libertar seu povo, apesar de ter sido juiz de Israel por vinte anos.
Sansão parece ser visto como um personagem liminal, mas principalmente como um personagem que representa todo Israel. Não faltam algumas páginas de bibliografia (p. 109-115).
O volume de Donatella Scaiola é rico em informações, agradável e fluido na leitura e convincente na interpretação global. Numerosas e interessantes as anotações relacionadas aos termos originais presentes no texto hebraico, além de algumas “correções” da tradução Conferência Episcopal Italiana de 2008.
DONATELLA SCAIOLA, Sansão. Um juiz improvável (Personagens menores da Bíblia), Ed. Àncora, Milão 2024, pp. 120, € 14,00, ISBN 9788851428266.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sansão, um juiz improvável. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU